segunda-feira, 27 de agosto de 2012

AÇÃO DIRETA




Texto publicado em KAOS #4. 11/1998 (boletim aperiódico e experimental do Grupo Autonomia).

Os sindicatos e partidos já não têm qualquer importância na luta dos proletários contra o capital. Mas a luta continua, a crise se agrava e a resistência dos trabalhadores se desenvolve também. Com a redução da taxa de lucros, os capitalistas intensificam ainda mais a exploração e, com isso, exasperam os antagonismos sociais. Contra o poder do capital, cuja eficácia segue aumentando, os velhos métodos de luta se tornaram obsoletos. Novas formas de luta aparecem espontaneamente, nas greves selvagens: é a ação direta. Ação direta é a luta dos trabalhadores que não aceitam intermediários, sejam eles burocratas sindicais ou chefes partidários. Uma greve é "selvagem" (ilegal ou não oficial) por oposição às greves deflagradas pelos sindicatos, sempre respeitosas dos regulamentos e leis.

O combate dos proletários contra o capital seria impossível sem a organização. Esta nasce espontaneamente, às vezes assim: os trabalhadores, atribuindo a ineficácia da luta aos defeitos pessoais dos velhos dirigentes e furiosos com os sindicatos tradicionais, fundam um novo sindicato, à frente do qual põem os militantes mais enérgicos e confiáveis. A princípio, as lutas se tornam mais duras, encarniçadas. Mas, com o tempo, o novo sindicato, se não cresce, revela-se fraco, qualquer que seja o seu ativismo. Se cresce, logo adquire os mesmos vícios dos sindicatos tradicionais. Após terem vivenciado experiências deste tipo, os operários aprenderão a importância de manter inteiramente em suas mãos a direção de suas lutas. Isto é: toda iniciativa e decisão emanam dos próprios trabalhadores.

Mesmo existindo um comitê de greve – indispensável quase sempre, pois os trabalhadores não podem estar permanentemente reunidos – tudo será feito pelos grevistas, que permanecem ligados, repartindo entre si as tarefas e decidindo diretamente todas as ações a efetuar. A decisão e ação, ambas coletivas, formam um todo.

A primeira tarefa a executar, a mais importante, é fazer propaganda e tentar estender a greve. A pressão sobre o capital deve ser cada vez maior. Diante do gigantesco poder do capital, não somente os operários, como indivíduos, são impotentes; mas todo e qualquer grupo de trabalhadores que permaneça isolado. A burguesia sabe disso, e a única coisa que a faz ceder é o medo de que a greve se torne geral. A possibilidade de vitória é tanto maior quanto maiores sejam a vontade coletiva nitidamente expressa e o número de trabalhadores em luta.

Quando a greve se estende, o descontentamento dos trabalhadores é imenso e há motivos de sobra para a explosão social. É por si mesmos que os trabalhadores entram em luta. Quando se sentem isolados, com medo de perder seus empregos, ignoram seus companheiros e, na ausência de unidade, recuam diante da ação.

Mas, uma vez que tenham começado a lutar, transformam-se: o medo e o egoísmo são esquecidos e novas forças jorram. O sentimento comunitário, a própria comunidade, a solidariedade e a abnegação despertam-lhes a coragem e os estimulam na determinação de ir até as últimas conseqüências. Este sentimento é contagioso e o exemplo subleva outros proletários, que sentem nascer em si próprios as mesmas forças, a mesma confiança em si e em seus irmãos de classe. Assim, a greve selvagem, como o fogo num rastilho de pólvora, se estende, alcançando outras empresas e englobando massas cada vez mais numerosas e importantes de proletários em luta.

Tal resultado não pode ser obra de um pequeno número de chefes, de burocratas sindicais ou de novos porta-vozes. Ainda que, sem dúvida alguma, a ousadia de alguns camaradas resolutos possa impulsionar fortemente a ação, faz-se necessária a vontade de cada um e a ação de todos. Mas os trabalhadores não devem somente agir, é preciso que imaginem, reflitam e decidam por si mesmos. Os trabalhadores jamais devem entregar ou delegar a responsabilidade de decidir a um sindicato, um partido ou qualquer organização que se encarregaria por eles de solucionar os problemas. Os trabalhadores têm de assumir totalmente a luta, pois sabem que a vitória ou a derrota só depende deles. Eram passivos, são ativos; eram indivíduos isolados, que se importavam apenas consigo mesmos, são agora um grupo unido e consciente de sua força.

As greves espontâneas apresentam outro aspecto importante: a divisão dos trabalhadores em sindicatos diferentes é anulada. No mundo sindical, as rivalidades corporativas contribuem para separar os trabalhadores em categorias e setores, debilitando a classe operária. Há países em que diferenças étnicas e religiosas, além de políticas, levam à criação de sindicatos católicos, socialistas, etc., separando os trabalhadores uns dos outros. Deste modo, quando ocorre uma greve, permanecem isolados, sem se deixar contaminar por idéias de solidariedade e deixando para a burocracia sindical a responsabilidade de negociar e fazer acordos com os patrões. Numa greve selvagem, caracterizada pela ação direta, as diferenças perdem a importância e o interesse, porque a unidade é uma necessidade vital. E esta unidade existe, pois sem ela não haveria luta. Todos os que trabalham numa fábrica, que estão na mesma situação, submetidos à mesma exploração, lutam contra o mesmo patrão e se reencontram na ação comum. As antigas divergências, resultantes de pendências sindicais ou religiosas, apagam-se. Espectros do passado, estão quase esquecidos na realidade viva e nova que constitui a fraternidade na luta comum.

A greve selvagem se caracteriza pelo grau de espontaneidade, pela iniciativa pessoal dos trabalhadores envolvidos, que mantém em suas mãos toda atividade e decisão. E também pela unidade na luta, que, ultrapassando todas as antigas divisões corporativas e outras mais, se realiza a partir da empresa. Mas isto não significa por si só que os ventos tenham mudado e que a vitória é certa. Nada disso. A greve selvagem conduz, na maioria das vezes, à derrota, porque as lutas continuam sendo muito limitadas, não assumindo um caráter de greve de massas. Somente em alguns casos favoráveis conseguem evitar ou reduzir a degradação das condições de trabalho e de vida. Sua importância reside no fato de mostrarem um vivo espírito de luta, uma vontade de auto-afirmação coletiva que brota de seus compromissos para com sua família e seus companheiros de luta. Assim se reencontram, desenvolvem a confiança em si mesmos e a consciência de classe.

Quando as greves selvagens eclodem, mais ou menos simultaneamente em vários lugares, envolvendo grandes massas de trabalhadores, ramos inteiros da indústria, cidades ou regiões, estendendo-se cada vez mais, a organização tem de assumir novas formas.

Torna-se, então, impossível reunir numa única assembléia todos os proletários em luta. Mais do que nunca, porém, a compreensão mútua se faz necessária para a ação comum. Formam-se os comitês de greve, agrupando os delegados (representantes) eleitos por todos os grevistas. É claro que esses comitês de greve nada têm em comum com os secretariados formados por burocratas sindicais. Nascem da luta, da necessidade de unificar o movimento, dando-lhe direção e objetivos claros.

Os comitês de greve não têm qualquer poder. Os delegados, que não são sempre as mesmas pessoas, limitam-se a exprimir a opinião e manifestar a vontade das assembléias que os elegeram.

Mas os delegados não são simples mensageiros, têm um papel preponderante na discussão, encarnando as convicções dominantes. Nas reuniões dos comitês, as opiniões são discutidas e examinadas à luz das circunstâncias. As deliberações e resoluções são retransmitidas pelos delegados às bases que os elegeram, as assembléias de grevistas. Dessa maneira, o trabalhador na fábrica toma parte nas deliberações. É assim que, no caso de grandes massas de proletários em luta, fica assegurada a unidade de ação.

Bem entendido, a unidade de ação não significa que os trabalhadores aceitem sem questionar as decisões do comitê de greve. A unidade é uma resposta espontânea às exigências da situação, numa atmosfera de livre e apaixonada discussão, em que os interessados decidem o que fazer. Pode acontecer que os comitês, após considerarem tudo minuciosamente e não tomarem uma decisão, sejam ultrapassados pelos trabalhadores, que desencadeiam uma luta de massas. Também é possível que os trabalhadores, antes decididos a fazer greve, vacilem no momento de agir, e a greve não aconteça.

Quando os proletários se lançam à ação direta, novas formas de organização e de luta surgem, contrapondo-se aos sindicatos domesticados e às greves que respeitam as leis burguesas. Então, acontecem as greves espontâneas, formam-se os comitês de greve e, a partir destes – unificando e coordenando as lutas, atuando já como órgãos de insurreição e de poder -, os conselhos operários.


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