quinta-feira, 30 de agosto de 2012

CONTRA AS CIMEIRAS E ANTICIMEIRAS


Tentativas burguesas de canalização das lutas proletárias em escala internacional e a luta invariante pela ruptura proletária

CONTRA AS CIMEIRAS E ANTICIMEIRAS (1)

Nota dos tradutores: Este texto foi publicado na revista Comunismo nº 47, em espanhol, pelo GCI (Grupo Comunista internacionalista). O original está disponível na internet em:

http://www.geocities.com/icgcikg_comunismo/c47_cumbres.htm

Características gerais das lutas da época atual

Em Comunismo nº 33, publicado em julho de 1993, apresentamos um balanço geral das lutas que caracterizam a fase atual do capitalismo, fazendo abstração dos elementos particulares de tal ou qual enfrentamento. Nada de importante mudou desde então nessa caracterização geral. Pelo contrário, vemos atualmente uma afirmação daqueles traços gerais com importantes tentativas internacionais de canalizar as revoltas proletárias e sinais evidentes de rupturas por toda parte, mas caracterizadas, ainda, do ponto de vista proletário, pelo mesmo tipo de forças e debilidades então analisadas. A catástrofe atual da sociedade capitalista, que continua se concretizando e se intensificando (2), e a tendência à radicalização das contradições e enfrentamentos voltam a por na ordem do dia a questão da direção revolucionária e da destruição da ditadura internacional capitalista. Frente à barbárie atual e como única alternativa, ressurge a questão do projeto social do proletariado, a revolução social, a destruição da sociedade mercantil.

Este texto, ao mesmo tempo que analisa brevemente o desenvolvimento da correlação de forças internacionais entre burguesia e proletariado, é uma arma de denúncia das ("novas") tentativas burguesas de canalizar a energia proletária, em particular mediante as cimeiras e anticimeiras, que parecem dominar a realidade internacional, assim como das diferentes ideologias pseudo-radicais que o enfrentamento vai determinando. Simultaneamente, é um produto das discussões atuais entre proletários que se colocam abertamente a questão internacional do poder, da destruição da ditadura internacional do capital e uma contribuição à luta do proletariado mundial por sua autonomia. É, pois, uma arma de luta para forjar uma direção própria em ruptura com todas as ideologias que pretendem nos manter acorrentados ao velho carro socialdemocrata, decorado para a ocasião com novos adornos. No artigo de 1993, já assinalávamos que as formas tradicionais de enquadramento burguês foram perdendo toda atração para o proletariado; e que as formas tradicionais de luta, tanto as "greves" organizadas pelos sindicatos, como as manifestações pacíficas, e o próprio sistema político nacional com seus circos eleitorais, não conseguiam nenhum entusiasmo. E sublinhávamos que "as velhas mediações estatais foram perdendo sua capacidade de válvula de escape, o proletariado, que alguns consideravam já morto e enterrado, quando reaparece, é com tudo: sem aceitar mediações, sem que se possa pará-lo com grevezinhas, manifestações pacíficas ou promessas de eleições".

Isso nos permitia constatar que os tipos de luta que caracterizam o período atual são explosões violentas e incontroladas do proletariado contra a propriedade privada e todas as forças sociais e políticas que a defendem. Essas explosões de raiva proletária contra o capital, caracterizadas pela ação "violenta e decidida do proletariado que ocupa a rua e enfrenta violentamente todos os aparatos do estado", continuaram se repetindo. O conjunto de países onde se produziu esse tipo de explosões - Iraque, Venezuela, Birmânia, Argélia, Marrocos, Romênia, Argentina, Estados Unidos (Los Angeles) - continua se ampliando: Albânia, Indonésia (várias cidades), Bangladesh, Equador, Argentina novamente (Santiago del Estero, Neuquén...), Bolívia, Argélia outra vez (Cabila).

Em todos esses casos, constatamos a mesma incapacidade da burguesia para dar um enquadramento às lutas: o enfrentamento violento contra tudo que representa a sociedade atual, incluindo sempre os partidos e os sindicatos da oposição democrática; a expropriação, mais ou menos organizada por grupos de vanguarda, da propriedade burguesa. "Varrendo preconceitos ancestrais, desafiando o terrorismo de estado, os proletários tomam o que necessitam, tentando destruir todas as mediações a que o capital os condena: dinheiro, salário, trabalho..."

Diante dessa tendência do ser humano de se reapropriar diretamente de sua própria vida, constatávamos, no texto de 1993, que a burguesia contra-ataca invariavelmente com "suborno, porrada e desinformação", com a manipulação informativa e o ocultamento sistemático do conteúdo universal de todas essas revoltas, apresentando as mesmas como "de estudantes", "de mineiros", "de palestinos", "dos curdos", "dos muçulmanos", "dos berberes"...(3). Víamos que o contra-ataque burguês se baseia em algumas concessões e em desenvolver uma repressão seletiva, mas que em todos os casos busca isolar o proletariado de seus elementos de vanguarda. Naquele texto, analisávamos também as debilidades das lutas proletárias atuais (curta duração das revoltas, derrota das mesmas, carência de associacionismo proletário permanente, ausência de imprensa operária, de memória histórica, desconhecimento do programa revolucionário...), assim como as necessidades e possibilidades de combater tais debilidades e de transformar esse processo descontínuo de revoltas e derrotas num processo ascendente para a revolução social (4).

A necessidade de reorganização da esquerda burguesa: tentativas de renovação

A esquerda burguesa atual tem o mesmo programa de sempre da socialdemocracia: mal menor, democratismo, populismo, parlamentarismo, sindicalismo, pacifismo, ajuda ao denominado "terceiro mundo"... Mas nesta sociedade onde a desvalorização do capital leva um ritmo desenfreado, onde as mercadorias devem trazer a etiqueta de novas para serem vendidas, onde a produção ideológica é parte da produção de mercadorias, as velhas idéias da classe dominante devem ser permanentemente recicladas para poder fazer seu papel de contenção social. A essa tendência obedecem, antes de tudo, as tentativas de renovação da esquerda burguesa, assim como a moda de usar "neo": "neo" esquerda, "neo" marxismo, anti "neo"liberalismo... (5).

No entanto, a razão imediata para tal renovação provém, além do mais, da necessidade geral do capital de responder a esse vazio sentido pela burguesia ante cada grande revolta proletária na qual os proletários atuam diretamente, fora dele e contra todas as mediações tradicionais de contenção da luta de classes. O terceiro elemento, decisivo para a obrigação da esquerda burguesa de se reciclar e assumir novos adornos para esconder seu corpo putrefato e assustador focinho, constitui a catástrofe socioeconômica dos países que a burguesia chamava de socialistas e a conseqüente deterioração geral de sua imagem: nem mesmo o apoio crítico típico do trotskismo e do maoismo radical ficou de pé. Tendo ficado tão em evidência que o sistema que tanto defenderam (criticamente ou não) tinha sido sempre a mais brutal exploração para o proletariado e sem que mediasse nenhuma revolução nem contra-revolução social - que tanto anunciavam! (6) - a mesma classe dominante declarava abertamente preferir "o capitalismo e a democracia", todo esquerdismo burguês internacional se viu obrigado a esquecer seus amores de sempre e teve de buscar outros versos para ser crível. Só algumas frações esquerdistas do espectro socialdemocrata (7) continuam maniacamente aferradas à defesa (crítica ou não) desse monstro stalinista que foi o "socialismo em um só país", mediante o apoio ao castrismo.

Mas a esquerda burguesa não tem nenhuma autonomia, nem sequer terminológica, com relação à direita, sempre vai na sua cola. Por isso, as vestimentas com que foi se cobrindo estavam determinadas, sem dúvida, pela evolução e as contradições do ciclo do capital mundial; inclusive quando parecem opostas não passam do mesmo, invertido. Com efeito, às ideologias gerais da burguesia mundial vencedora da segunda guerra mundial - democracia, direitos humanos, antiterrorismo, anti-autoritarismo, antifascismo... (8) -, as frações mais prejudicadas pelo livre mercado foram agregando diferentes ideologias que eram a negação simples do que a burguesia dominante e livre-mercantil internacional ia impondo. No mesmo ritmo que a clássica política liberal (que de "neo" não tem nada!) foi adotando uma terminologia diferente (mundialização, aldeia global, globalização...), a velha esquerda burguesa pseudo-antiimperialista foi se definindo com base no prefixo "anti": antineoliberalismo, antimundialização, antiglobalização... Os partidários de sempre da libertação nacional em todos os países, após os resultados catastróficos por toda parte e a caducidade de seu discurso burguês, se reciclam também, é claro, na "anti" globalização...

Na realidade não há nada de novo sob o sol do capitalismo. Tudo isso não passa de simples palavrório barato, ou melhor dizendo, terminologias inventadas pelo capital internacional, seguramente desenhadas por agências de publicidade, para melhorar a imagem do capital e, é óbvio, para impor seus objetivos atuais como algo novo. O capitalismo sempre foi mundial, sempre foi global; mais ainda, historicamente, o ponto de partida do capitalismo não é a nação (como disse Marx: o mercado mundial precede o nacional) mas a revolução do mercado mundial (que já existia muito tempo antes), operada em fins do século XV através da generalização do valor em escala mundial, que se conclui no século XVI, a impossibilidade de acumulação capitalista sem conquistar a produção, enfim, a subsunção histórica da humanidade ao capital. O global antecede sempre, na história do capital, o particular e local. O liberalismo é a política geral da fração hegemônica do capital desde antes da origem do mercado mundial, do dinheiro mundial, o que remonta há mais de mil anos, e tal política se contrapõe, necessariamente desde então, aos interesses das frações protecionistas. Portanto, o liberalismo e o antiliberalismo (tenham ou não o prefixo "neo"), o globalismo e o antiglobalismo, o mundialismo e o regionalismo... não são mais do que diferentes expressões da luta de sempre entre frações burguesas, umas interessadas em manter o protecionismo, fonte de sua acumulação, e outras, mais coerentes com a aplicação irrestrita da lei do valor a nível internacional, em quebrá-lo (9).

Se hoje se faz tanto ruído nos meios de fabricação da opinião pública internacional a respeito dessas tendências, tão bem e caricaturalmente representadas nas cimeiras internacionais e nas anticimeiras burguesas, é precisamente para ofuscar o proletariado com uma luta que não é sua e para responder a essas explosões de raiva proletária onde os explorados do mundo tentam retomar a luta num terreno de classe. A socialdemocracia, como partido histórico da contra-revolução para o proletariado, tenta voltar a tirá-lo da rua e da ação direta, e mantê-lo submetido a um conjunto de mediações que fazem dele uma massa de manobra e uma força de apoio da luta interburguesa (10).

Idéias e personagens da esquerda "neo"

Nos anos setenta e oitenta, eram chamados de "nova esquerda" e reagrupavam um amplo espectro de ideologias socialdemocratas que reclamavam mais democracia, mais socialismo, mais antiimperialismo, mas estatismo, mais populismo e que se queixavam das grandes empresas e monopólios... Agora se chamam antiglobalização, antineoliberais, antimundialização, anti Fundo Monetário Internacional, anti comércio mundial... Falam em nome da sociedade civil e da cidadania difusa e se definem pela luta contra o capital financeiro e multinacional, a maioria deles pela aplicação da "taxa Tobin"... Mas na realidade continuam sendo o mesmíssimo cachorro com uma coleira diferente.

Toda burguesia de esquerda constatava sua incapacidade para enquadrar o proletariado de cada país... mas como o lixo ecológico se recicla, como esse papel cinzento que nos propõem, incita a responder ao que chamam "globalização", "mundialização". Tentam focalizar tudo nas reuniões mais importantes do banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional, da Organização Mundial do Comércio, assim como de outras instâncias do estado mundial do capital.

Velhos sindicatos e partidos políticos burgueses, ecologistas e feministas queimados, economistas keynesianos, movimentos pela paz, libertários (11) de todos os tipos, filantropos, jornalistas, terceiromundistas e antiimperialistas, organizações não governamentais e estruturas humanistas, agricultores em falência e protetores de animais buscam na convocação desses protestos uma nova virgindade política. Os velhos e desacreditados personagens voltam a aparecer em público, convocando verdadeiras missas cidadãs em oposição às reuniões de cimeira que os representantes oficiais realizam. Verdadeiros cortejos carnavalescos pacíficos e submissos, enquadrados policial e sindicalmente (por exemplo, a Confederação Européia de Sindicatos), coloridos e folclóricos, com personagens tão díspares como os comitês de apoio à pseudoguerrilha de Marcos ou essa caricatura de cidadão radical chamado Bové, que já foi batizado como o Walesa do Roquefort (por ser coerente em seus objetivos burgueses), passando pelos velhos personagens da esquerda champagne, tentam assim constituir uma "opção global" que na realidade não tem nada de original com relação ao velho socialismo burguês do século XIX. É claro que tampouco falta o apoio à "antiglobalização" e à "antimundialização" efetuado por personagens e organizações abertamente de direita, nacionalistas, fascistas e pró-nazis como na França, o ex-ministro da repressão, Charles Pasqua, ou a juventude do partido de Le Pen, a Frente Nacional. O denominador comum de tudo isso é, obviamente, fazer o capitalismo supostamente "mais humano", mais democrático; aprofundar a dominação democrática e a cidadanização da espécie humana. As palavras de ordem contra a globalização, o FMI, o Banco Mundial e o neoliberalismo deixam abertamente em evidência que do que se trata não é destruir o capitalismo, mas perpetuá-lo.

Ideologia da antiglobalização

A Associação ATTAC (Ação por uma Taxa Tobin de Ajuda aos Cidadãos), cujo nome inteiro é já todo um programa, é a confluência de velhas estruturas e personagens socialdemocratas do mundo, a quem foram se juntando novas caras e constitui, sem dúvida, a instituição internacional mais importante da chamada antiglobalização. No entanto, existe outro conjunto de redes, federações e organizações no qual se misturam agrupações ideológicas, sindicatos, partidos políticos, sociedades caritativas, organizações religiosas e ONGs como o Centro Tri-Continental, a Marcha Mundial das Mulheres, o Jubileu 2000, o Jubileu Sul, a Aliança Social Continental, a Ação Global dos Povos, o jornal Le Monde Diplomatique, a "Associação Ya Basta", o Movimento de Resistência Global, Via Camponesa... (12).

Essas organizações, apesar de apresentar caras diferentes, plataformas formais distintas, resultam, como dissemos, da reciclagem da esquerda burguesa, que tenta por todos os meios recuperar algo da credibilidade perdida e apresentar, frente à catástrofe do capitalismo atual que o proletariado vive diariamente, uma alternativa reformista que responda às explosões cada vez mais incontroladas do proletariado internacional. Só para fixar idéias e mostrar até que ponto o programa de tais organizações é o velho programa reformista burguês de sempre, citamos alguns pontos básicos da plataforma constitutiva da Associação ATTAC, assim como também do Fórum Social Mundial de Porto Alegre, por constituírem expressões bem representativas e gerais.

A ATTAC nem sequer pretende lutar contra o capitalismo, mas contra o que denomina de globalização financeira, e propõe como medida a Taxa Tobin e o impedimento da especulação. Tal plataforma começa assim: "A globalização financeira agrava a insegurança econômica e as desigualdades sociais. Menospreza as opiniões dos povos, as instituições democráticas e os estados soberanos encarregados de vigiar o interesse geral... e os substitui por uma lógica estritamente especulativa, expressando os interesses das empresas transnacionais e dos mercados financeiros".

A caracterização que tal organização faz do mundo se baseia no velho método social democrata de ver as conseqüências, negando-se a ver as causas determinantes, e analisar algumas manifestações particularmente nefastas e notórias do capitalismo, ignorando o fato de que as mesmas são o produto necessário e inevitável deste sistema social. Tal como a socialdemocracia baseou seu revisionismo na suposta novidade do imperialismo (13), ATTAC se baseia hoje na suposta novidade da globalização financeira. Tanto ontem como hoje, era preciso encontrar coisas novas para justificar uma política de reformas do capital. Em ambos os casos, do que se trata é de afastar o proletariado de sua luta contra os próprios fundamentos da sociedade capitalista.

A teoria socialdemocrata do imperialismo e ultraimperialismo (Kautsky) constituem sempre a chave dessa manobra. Tanto ontem como hoje, essa teoria imagina o capitalismo como tendo entrado numa fase diferente que faz com que varie sua própria natureza. Segundo ela, o capitalismo em sua fase imperialista se centraliza formalmente em um (ou vários em disputa) centros de decisão mundial sobre a base da concentração do capital financeiro (definido como a fusão do capital bancário e o capital industrial), as grandes empresas monopolistas internacionais, a exportação de capitais e a luta entre as empresas e os governos na repartição do mundo.

Tanto em princípios do século XX como hoje, o novo seria a dominação mundial por parte do capital financeiro e os monopólios, como teorizara então explicitamente o socialdemocrata de direita Rudolf Hilferding. Essa teoria foi mais tarde retomada totalmente por Lenin em seu conhecido panfleto sobre o imperialismo. Tanto nessa época como hoje, com a ATTAC e os outros grupos "antiglobalização", a socialdemocracia pretende se opor a esse capital financeiro reivindicando mais democracia e mais controle estatal do capital: "as opiniões dos povos, as instituições democráticas e os estados soberanos".

Como se pode verificar, atrás destas associações, dessas novas ou velhas caras, atrás dessas plataformas não há absolutamente nada de novo: a não ser o velho e putrefato programa da socialdemocracia, que sempre reivindicou um capitalismo "mais social" (sic), "mais humano" (sic), contra a desumanização notória produzida pelo próprio capitalismo. Também hoje, como ontem, são reivindicadas "as opiniões dos povos", isto é, o populismo contra o classismo proletário, "as instituições democráticas" contra a posição clássica de luta contra as mesmas para impor a ditadura do proletariado, enfim, "os estados soberanos encarregados de vigiar o interesse geral" contra a posição clássica dos revolucionários de destruir o estado burguês, de demoli-lo totalmente e, junto a ele, toda essa merda de soberania do estado (quanto mais soberano é o estado, mais oprimidos são seus súditos!, como disseram Marx e Bakunin), as fronteiras, as nações, as leis migratórias, os passaportes, as guerras...

A ATTAC é uma expressão socialdemocrata aberta que, como tal, denuncia o aumento da riqueza e da pobreza e pretende que a opinião cidadã e a pressão sobre os estados regule os excessos do capitalismo. Em sentido histórico, é uma expressão de direita da socialdemocracia porque não reivindica nenhuma oposição ao capitalismo mesmo, senão, pelo contrário, à liberdade que o capitalismo desenvolve para realizar seus objetivos. Patrocina o controle dessa liberdade (que nem sequer querem abolir!) por parte dos governos. Não critica em nada o capital produtivo, nem, é claro, a própria exploração capitalista (a extorsão de mais-valia é legitimada implicitamente) mas os lucros excessivos do capital, com relação ao aumento inocultável da miséria das massas, e a especulação não produtiva. Como se fosse possível, mais uma vez, atacar as conseqüências sem atacar as causas.

Sua plataforma constitutiva diz: "A liberdade total de circulação de capitais, os paraísos fiscais e a explosão do volume de transações especulativas arrastam os estados a uma corrida louca para conseguir favores dos grandes investidores... Este processo tem por conseqüência o crescimento permanente dos lucros do capital em detrimento dos trabalhadores, com a conseqüente generalização da precariedade e extensão da pobreza".

A ATTAC nem sequer oculta que seu grande temor seja a revolução social e que sua função seja evitá-la, ainda que o digam com sua terminologia na moda: "Responder ao duplo desafio de uma implosão social e de um sentimento de desesperança política exige um compromisso cívico e militante".

Aproveitemos, porque é também uma moda, para assinalar que em todos esses meios da atual socialdemocracia livre-pensadora, do movimento libertário, todos os conceitos foram revistos, reinterpretados e republicitados extraindo-lhes todo conteúdo classista. Por sua importância decisiva, sublinhemos a falsificação que se faz do próprio conceito de exploração, chave da constituição do proletariado como classe mundial homogênea. Assim, a exploração não seria, como para nós, a extorsão de mais-valia, que evidente e objetivamente unifica em sua desgraça toda a humanidade proletarizada e foi historicamente decisiva para o reconhecimento mundial do proletariado como classe, mas realmente qualquer coisa. Assim, dizem: "realmente me faziam trabalhar tanto que me exploravam", como se o trabalho não fosse sempre exploração! Assim nos dizem "os trabalhadores de tal país são explorados", como se os de todos os outros não fossem! Assim dizem: "as multinacionais são exploradoras", como se as empresas locais não fossem! Dizem: "os monopólios exploram e destroem os recursos da terra", como se não fosse o capital que tudo explora e destrói e como se ele mesmo não fosse o que dita a ação de todas as empresas! Dizem: "os imperialistas nos exploram", como se fosse possível haver burgueses não imperialistas ou patrões que não exploram!... Enfim, querem nos fazer crer que o que vivemos não é exploração, que a exploração não é a regra deste mundo, mas a exceção, o caso extremo, que em geral se encontra muito longe, pois quanto mais longe melhor para a socialdemocracia: "na campanha de um país do terceiro mundo". A receita correspondente é que se deve "solidarizar com sua miséria e ser mais austeros e protestar menos aqui". Desnecessário dizer que "solidarizar-se" não tem nada a ver com o conceito classista de luta, mas que, partindo do conceito judaico-cristão de culpa e pecado, pede-se um comportamento caridoso. Trata-se de toda uma visão do mundo típica da classe dominante e seu socialismo abertamente burguês.

É claro que tal falsificação determina muitas outras, como o próprio conceito de proletariado, que se faz tudo para não mencionar e quando é mencionado é para referir-se a uma mera categoria sociológica (os operários, como impôs o stalinismo), mas nunca o sujeito revolucionário em devir, o que lhes permite escamotear sua perspectiva revolucionária e o fato de que o mesmo contém o único projeto social alternativo ao mundo atual: o comunismo, a comunidade humana mundial.

Voltemos à ATTAC para constatar que as medidas propostas estão em total coerência com sua visão socialdemocrata do mundo: taxar o capital financeiro, maior controle estatal dos lucros e paraísos fiscais, mais democracia: "Com este propósito, os abaixo assinados se propõem criar a Associação ATTAC (Ação por uma Taxa Tobin de Ajuda aos Cidadãos)... com o fim de impedir a especulação internacional, taxar os rendimentos do capital, sancionar os paraísos fiscais, impedir a generalização dos fundos de pensão e, de uma maneira geral, reconquistar os espaços perdidos pela democracia em benefício da esfera financeira e se opor a todo novo abandono da soberania dos estados sob o pretexto do "direito" dos investidores e negociantes..."

O Fórum Social Mundial que se realizou em Porto Alegre em janeiro de 2001 e que, dado seu êxito, seus organizadores pretendem reeditar todos os anos é um verdadeiro exemplo de reunião de cúpula (paralela e exemplo por excelência de anticimeira) da esquerda burguesa internacional, uma expressão desenvolvida da velha ideologia socialdemocrata mas elegantemente vestida de acordo com a moda das cimeiras e anticimeiras. O programa do mesmo se parece como duas gotas d’água ao invariante programa burguês da esquerda: "demandando uma reforma agrária democrática com usufruto por parte do campesinato da terra, da água e das sementes, exigindo a anulação da dívida externa e a reparação das dívidas históricas, sociais e ecológicas que a dívida externa provoca, a eliminação dos paraísos fiscais, o cumprimento efetivo dos direitos humanos, a oposição a toda forma de privatização de recursos naturais e bens públicos, a exigência de soberania para os povos, um planeta desmilitarizado". (14)

O Pronunciamento dos movimentos sociais, que expressa o programa de todas as associações, redes, sindicatos, partidos... presentes em Porto Alegre está cheio de pérolas da burguesia onde se imagina um capitalismo sem as nefastas conseqüências inerentes ao mesmo, um capitalismo que não gere pobreza, nem miséria, nem desemprego; um capitalismo que não destrua a natureza, um capitalismo não excludente, nem patriarcal, um capitalismo sem racismo; em síntese, um capitalismo justo e equitativo no qual todo mundo viva bem. "Exigimos um sistema de comércio justo que garanta o pleno emprego, soberania alimentar, termos de intercâmbio equitatívos e bem estar." Ou seja, o discurso invariante dos burgueses segundo o qual o capitalismo, corrigindo alguns excessos ou injustiças, seria... uma sociedade de bem estar! Apologias tão descaradas da sociedade burguesa nem sequer faz hoje a direita, que diz abertamente que isso é impossível!

Outro dos pontos recorrentes de toda ideologia antiglobalização é o de aumentar a ajuda ao que eles denominam Terceiro Mundo e alguns falam de chegar a 7 por cento do PIB. O que obviamente ocultam os defensores desse programa é que tal ajuda ao desenvolvimento não vai para os hospitais, escolas e outros projetos empresariais do desenvolvimento do capitalismo, como a maior parte das pessoas crêm, senão que vai também (ou principalmente, como em certos países) financiar os exércitos locais (para que estes comprem armas nos países que dão tal ajuda), financiar a formação de oficiais de polícia anti-subversivos e antidistúrbios (assim se patrocinam os torturadores argentinos, congoleses, peruanos... que vão se formar na França, Bélgica, Argélia...), pagar a Shell pelos gás lacrimogêneo que fabrica com matérias primas do famoso "terceiro mundo"..., assegurar a realização de massacres ("genocídios", "holocaustos") como os de Burundi...

Esta é, em traços gerais, a ideologia da antiglobalização que a socialdemocracia desenvolve, ou melhor dizendo, a direita desse partido; pois existem expressões muito mais de esquerda que correspondem a outras frações desse partido histórico da burguesia para o proletariado. Com efeito, todo esquerdismo burguês que antes se definia pelo suposto socialismo de algum país, ou pela defesa de determinado "estado operário" por mais degenerado que se considerasse, agora, muito cauteloso, já não fala de tal ou qual país socialista de forma positiva, e muito menos de campo socialista, mas continua se definindo pelo anticapitalismo. Como analisamos ao longo deste texto, estes esquerdistas, junto com a extrema esquerda dos liberais, que hoje se denominam libertários, tratam de responder ao desenvolvimento mesmo das contradições de classe e, em particular, às tendências do proletariado para afirmar sua ruptura com toda sociedade burguesa. Voltemos então à análise dessas contradições para poder situar e compreender melhor essas expressões.

Cimeiras, anticimeiras e luta proletária

Sem dúvida se mistifica a importância das cimeiras e anticimeiras, pois o capital não necessita de conferências internacionais, nem reuniões de cúpula para funcionar como funciona. Pelo contrário, a chave da homogeneidade na tomada de decisões do capital apoia-se no fato de que a ditadura da taxa de lucro existe por toda parte, é a lei de todas as decisões, é a essência de toda e qualquer diretiva econômica, é a chave de toda vida (ou melhor, contra-vida humana) do capitalismo por toda parte. Não apenas o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, as multinacionais e os governos, os parlamentos e as prefeituras, os acordos entre estados e consórcios, os trustes e as pequenas empresas aplicam em suas decisões grandes, pequenas e médias o critério da rentabilidade do capital (próprio ou de seus administrados), mas desde o diretor e o gerente de uma empresa até o último trabalhador do planeta estão obrigados a aplicar tais critérios se querem permanecer em seus postos; ainda que alguém se contente e o outro sofra com a alienação de sua vida que isto implica. O capital se caracteriza precisamente por sua democracia, por cooptar entre seus súditos quem mais inescrupulosamente servir seus apetites de lucro, quem mais impiedosamente for capaz de impor seu despotismo: seja como diretores, seja como governantes, seja como funcionários internacionais, seja como administradores locais, seja como chefes sindicais ou como torturadores... Pense-se simplesmente em quantos dirigentes operários foram cooptados pelo governo do capital, de Noske a Lula, passando por Walesa. A outra cara dessa democracia pela qual se coopta os dirigentes operários para servir ao capital é evidentemente o despotismo cotidiano que impõe o valor em processo, contra a vida humana. Ditadura onipotente da taxa de lucro que, além do mais, desenvolve a concorrência entre os proletários e a luta de todos contra todos, sempre a serviço dessa imposição do maior ritmo de acumulação possível.

Mas, além da mistificação que se faz sobre a importância do centralismo formal que o capital pode conseguir, é claro que o capitalismo tem centros de decisão (reuniões, instâncias, lugares, organismos, pessoas...) que, num dado momento, centralizam certas decisões globais que obedecem a essa ditadura onipresente da taxa de lucro. Neles se anunciam em geral medidas que atacam o nível de vida dos proletários, ao passo que se fixam acordos entre as frações mais importantes e decisivas da burguesia. Tais reuniões são anunciadas publicamente em todos os meios de difusão porque buscam conquistar certa adesão da população a esses dirigentes do capital e às medidas que surgirem dessas reuniões no topo do poder do capital. E além do mais, nos dizem: "aplaudam que nos reunamos, pois normalmente vos mandamos para a guerra". Claro que essas reuniões obedecem também a negociações entre diferentes frações do capital e à necessidade de constituir constelações ou organismos que melhorem sua correlação de forças frente a outras frações, como é o caso dos mercados comuns regionais. Ou seja, que essas cimeiras e anticimeiras têm por função, além do mais, a de por em cena e espetacularizar a importância das polarizações burguesas, que o capital necessita para canalizar o protesto proletário. Portanto, ainda que se mistifique a importância decisória dessas cimeiras, ainda que a espetacularização das mesmas e de sua pseudocontestação constitua uma necessidade da reprodução da dominação burguesa, é normal que o proletariado tenha sempre considerado as reuniões de cúpula dos burgueses como um ataque contra sua própria vida, tanto se essas reuniões são num país como se são entre burguesias de diferentes países, se são governamentais, de partidos políticos, de sindicatos ou de estruturação dessas forças em escala internacional. Por isso, em todas as épocas e em todos os países, essas reuniões suscitaram grandes protestos, manifestações violentas, lutas na rua, explosões de bombas, enfrentamentos violentos, muitas vezes armados. Contra o mito de que os atuais enfrentamentos suscitados por reuniões de cúpula seriam novos (a fabricação da opinião pública requer sempre a apresentação como "novo" de velhas coisas) poderíamos citar inumeráveis exemplos em todos os continentes, há muitos anos, mas para o presente texto basta recordar as grandes batalhas de rua que o proletariado na América levou adiante nas décadas de sessenta e setenta contra as diferentes cimeiras internacionais nesse continente contra as reuniões da OEA, contra as da Aliança para o Progresso, contra as do Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e as do GATT, contra as Conferências de presidentes... incendiando empresas, ocupando fábricas e centros de estudo, fazendo manifestações violentas, pondo bombas em locais estatais, declarando greves, enfrentando a polícia, os corpos especiais de repressão e, em muitos países, o exército...

Na atualidade, uma vez mais, esse enfrentamento de classe se faz patente. Davos, Seatle, Niza, Praga... são expressões do mesmo. Mais uma vez, até aí onde as distintas frações do capital internacional vão cozinhar os proletários do planeta, o proletariado reemerge. Por um lado, as cimeiras oficiais e as anticimeiras socialdemocratas, isto é, o pseudoprotesto oficial. Por outro, o proletariado, ultrapassando todos os rebanhos, tratando de impor sua ação direta (15), rompendo vitrines e expropriando o que puder, atacando locais oficiais e a propriedade burguesa em geral, incendiando tudo que parecer estatal, criticando e denunciando a viva voz e por meio de volantes, panfletos e revistas as ONGs, a ATTAC, os partidos e sindicatos.

Isto é, que inclusive nesses antros de burgueses, apesar de todas as forças recuperadoras presentes, se enfrentam também as duas classes da sociedade, a burguesia e o proletariado, a conservação da ordem social burguesa e seu questionamento generalizado. Da direita à esquerda, podem fazer todos os espetáculos de luta havidos e por haver, todos os meios de difusão se encarregam de validar as opções "mundialização" e "antimundialização", mas inevitavelmente a crítica do capitalismo que os proletários presentes portam os impulsiona a romper o enquadramento e ressurgem os dois projetos sociais antagônicos de sempre: a continuidade da catástrofe capitalista ou a revolução social.

Independentemente da discussão que existe hoje no seio de nossa classe sobre como se deve situar o proletariado e que iremos abordando no desenvolvimento do texto, sobre se devemos participar ou não em determinado tipo de cortejo, sobre qual é o significado da palavra-de-ordem de se situar fora e contra essas conferências e anticonferências (que é a nossa posição!), sobre se essa é a ação direta que unifica e desenvolve sua força internacional contra o capital ou, pelo contrário, se isso o leva a se submeter a um espetáculo que o distancia de sua verdadeira ação direta, não pode caber dúvidas de que essas explosões expressam a raiva de nossa classe contra os burgueses reunidos e "decidindo o destino do planeta" (16). Neste sentido resulta sumamente encorajante o processo de autonomização proletária que nossa classe começa a manifestar durante as cimeiras e anticimeiras, e que se concretiza na ruptura do enquadramento sindicalista proposto, nas importantes expressões de violência contra as mesmas, contra a propriedade privada, contra as diferentes estruturas estatais. O mesmo deixou cada vez mais em evidência que a verdadeira contraposição não é entre Davos e Porto Alegre, entre a Organização Mundial do Comércio, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a ATTAC... senão, como sempre, entre o capital (com sua direita e sua esquerda) e o proletariado.

Apesar de que, como explicaremos mais adiante, a autonomia do proletariado nessas lutas é ainda muito relativa, essas expressões da guerra de classes nas quais se expressa o antagonismo sempre crescente entre a humanidade e o capitalismo voltaram a colocar na comunidade de luta que foi se desenvolvendo, em particular, entre as minorias de vanguarda, algumas questões centrais como a do internacionalismo proletário, a necessidade internacional de se autoconstituir em força, a questão da luta internacional contra o poder do capital e o estado mundiais. Ainda que, como veremos, se esteja longe socialmente de encontrar as soluções, é sumamente animador que milhares de militantes através do mundo voltem a se colocar e a discutir questões centrais da revolução social. É evidente que esse fato, somado à continuidade das explosões repetidas em diversas partes do mundo constitui um passo importante do movimento revolucionário.

Canalização burguesa, espetacularização e falsificação

É claro que jamais os meios de informação apresentarão as coisas com base na polarização real burguesia-proletariado. Sua função é, pelo contrário, a de dissimular os antagonismos de classe, canalizá-los em contradições interburguesas, espetacularizar essas oposições para esconder os verdadeiros antagonismos, transformar a massa do proletariado mundial em espectadores passivos das conferências e anticonferências, e os setores mais decididos do mesmo em espectadores ativos que aplaudem e vaiam segundo a ocasião. Estes últimos são autorizados e também incentivados (para dar maior credibilidade ao espetáculo) a gritar palavras de ordem e realizar ações mais ou menos violentas, sem, é claro, colocar em questão nem o próprio espetáculo, nem seu papel de palhaço de um circo que os utiliza. Para os meios de falsificação da informação só existem as conferências oficiais e a contestação dirigida pela ATTAC e seus asseclas, além de obviamente alguns exaltados que expressam a mesma contestação que a ATTAC mas de forma mais violenta. Para eles, a oposição só existe entre cimeira e anticimeira, por exemplo, entre Seattle e Porto Alegre, ainda que estejam forçados a mostrar também imagens dos revoltados e inconformados.

Recordemos entretanto que nem sequer esse espetáculo de cimeiras e anticimeiras é novo. Por exemplo, durante os preparativos das duas guerras denominadas primeira e segunda guerras mundiais, as negociações de paz entre as potências mundiais que conduziam inevitavelmente à guerra, eram pautadas por congressos mais ou menos paralelos de pacifistas e socialdemocratas, que já tinham o mesmo papel de hoje de espetáculo e ofuscamento generalizado para tirar o proletariado da ação direta. De quinze anos para cá, o ritmo desse espetáculo de reuniões de cimeiras e anticimeiras foi se fazendo cada vez mais frenético: reunião no Rio sobre o porvir do planeta com anti-reunião paralela, celebrações e anticelebrações pelos quinhentos anos de descobrimento da América, novas conferências sobre a destruição do planeta e anticonferências ecológicas nos cinco continentes...

O Fórum Social de Porto Alegre em janeiro de 2001 é o exemplo supremo de espetáculo mediático montado pelo capital para representar todas as oposições havidas e por haver como uma simples questão interburguesa. Segundo os fabricantes da opinião autorizada, o Fórum de Porto Alegre seria a verdadeira resposta a Davos e, para lhe dar toda "realidade" que o espetáculo é capaz de produzir (que, como esses sabões com cheiro de maçã que têm mais cheiro de maçã que as maçãs, sempre parece mais verdadeiro que o que realmente está se passando!) vai até o extremo de construir o que seus fabricantes denominaram um "cenário simbólico da paixão" com base num debate direto "mediante teleconferência entre a fria Davos e a quente Porto Alegre"... (17)

"A equipe de Davos, encabeçada pelo financista e especulador Georges Soros, trajes escuros, gel e gravatas, seriedade e silêncio. Do lado de Porto Alegre, um leque de raças, vestimentas coloridas, idiomas, vozes e público. A discussão durou quarenta minutos, ao longo dos quais centenas de pessoas agrupadas diante dos televisores rompiam em aplausos ou vaias, riam ou gritavam palavras de ordem. Soros e sua equipe (formada por Mark Malloch, consultor das Nações Unidas; John Ruggie, também consultor da ONU e Bjorn Edlud, presidente de uma multinacional suíça) se esforçaram em manter uma calma desenhada por algum assessor de imagem, enquanto afirmavam estar preocupados com a pobreza e assinalavam que já antes da atual globalização e da dívida externa as crianças morriam de fome na África. De Porto Alegre, Bernard Cassen (ATTAC) respondia com precisão exigindo a taxa Tobin sobre as operações financeiras e especulativas e o cancelamento da dívida externa. Rafael Alegria (Via Camponesa) falou dos efeitos da globalização sobre a desarticulação dos serviços estatais, do aumento do desemprego e do impossível acesso dos camponeses à terra. Mas a paixão se desatou em dois minutos mágicos: Hebe Bonafini (18), das Madres de Plaza de Mayo, disse com voz entrecortada mas firme: "Senhores, vocês estão lutando contra nós. São hipócritas suas respostas. Respondam! Quantas crianças vocês matam por dia?" Do lado de Davos, Georges Soros esboçou um sorriso e ficou assim, em silêncio. Então Hebe Bonafini gritou: "Senhor Soros: está morrendo de risos diante da morte de milhares de crianças?" Diante dos televisores, a gente de Porto Alegre batia palmas em honra das Mães de Maio. Soros continuava com sua contorção facial apresentando-se como um cartaz satelital."

Todos os meios de difusão trabalham para fazer assim desaparecer o proletariado e a luta contra a sociedade capitalista atrás desse espetáculo entre Soros e a esquerda, entre o FMI e a ATTAC, entre "mundialização e antimundialização". Assim, por exemplo, na cimeira de Nice, como disse muito corretamente um volante que circulou internacionalmente: "A imprensa burguesa mentiu. Mentiu descaradamente. Segundo ela, os manifestantes contra a globalização capitalista haviam se unido ao cortejo cidadão convocado pela Confederação Européia de Sindicatos (CES). O que mais queriam os capitalistas e seus governantes, seus porta-vozes e lacaios, do que ver se unir a juventude proletária que luta contra o capitalismo com os embusteiros desfiles organizados pela leal oposição ao sistema burguês. Na realidade, nas ruas de Niza, se distinguiram dois movimentos diferentes, opostos... Dois movimentos assim, em cena. O primeiro, burguês (ainda que arrebanhe muitos proletários enganados) conduzido para o reforço do estado capitalista pelos dirigentes reformistas a serviço deste. O segundo, proletário, denunciando, com voz em grito, o capitalismo e atacando seus interesses."(19)

É sumamente importante realçar a contraposição entre o movimento do proletariado e todas as anticimeiras e missas cidadãs organizadas pela ATTAC e companhia como fizeram muitos companheiros e grupos contra-a-corrente. No entanto, pretender que as duas manifestações diferentes coincidam com os dois movimentos sociais diferentes, uma reformista e outra anticapitalista como se diz logo depois nesse mesmo volante, é ver as coisas em forma demasiado pura e pouco dialética. Com efeito, apesar das grandes diferenças, ambas contém contradições de classe. A manifestação socialdemocrata enquadra os proletários como cordeirinhos. A outra (que em Niza, em vez de sair às 14 horas como a que foi organizada pela socialdemocracia saiu às 17 horas), com palavras de ordem radicais, tende para a ruptura proletária mas contém em seu seio um conjunto de posições e ideologias centristas da mesmíssima socialdemocracia que analisaremos mais adiante. A mesma se concretiza, por exemplo, no fato de que a imensa maioria desses manifestantes crêem poder enfrentar o capitalismo sem enfrentar (da mesma maneira) a socialdemocracia (que é também o capitalismo) e no fato de que sabem se organizar fora da socialdemocracia mas tem muito maior dificuldade em se organizar contra ela.

A febre das cimeiras (oficiais e paralelas) e a mentira dos projetos burgueses alternativos

Não há dúvida, entretanto, de que no último período (há dois anos, mais ou menos) a moda das cimeiras e anticimeiras deu um salto qualitativo, no mesmo ritmo que se radicalizam os protestos proletários contra as mesmas. Cada cimeira não pode mais prever apenas a organização das reuniões gerais e as comissões, o alojamento dos congressistas e anticongressistas, as missas oficiais ou as missas dos cidadãos democratas organizados pela "antiglobalização", mas deve prever também as ultrapassagens e rupturas proletárias com tudo isso e, portanto, prever forças repressivas especiais, fortalecimento de controles nas fronteiras, concentração de corpos de choque, equipes especiais de filmagem, fichamento e difusão, grupos de extermínio e serviços especiais de pistoleiros para os congressistas e anticongressistas, veículos para o transporte de tropas, tanques, alambrados para bloquear as manifestações, pré-instalação de serviços de inteligência de polícias de todo o mundo, meios para permitir a chegada dos congressistas ou evacuá-los caso os ataques cheguem até os centros oficiais, mobilização especial dos serviços de saúde pública e atendimento a feridos, armas, gases, máscaras, assim como a preparação de calabouços e centros de reclusão para receber um grande número de presos. Só a título de exemplo, o Congresso do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial em Praga deixou 170 policiais feridos, 123 manifestantes feridos e uns 900 detidos, e os danos materiais à propriedade privada foram estimados em um milhão de dólares, o que evidentemente é insignificante com relação ao quanto custa a mais cada reuniãozinha dessas, onde se diz que está prevista até a evacuação por helicóptero das personalidades, defesa aérea e antimísseis (20). Obviamente, tudo isso (com as deformações e falsificações de sempre) repercute no mundo todo, dando a impressão de que efetivamente estamos diante de um enfrentamento histórico de suma importância que, segundo alguns, seria entre globalização e antiglobalização, entre neoliberalismo e antineoliberalismo, e, segundo outros, entre capitalismo e anticapitalismo, entre a internacional do capital e a internacional da revolução.

Embora esses enfrentamentos sejam parte dos confrontos históricos de sempre, entre a preservação do mundo da propriedade privada e a luta proletária pela revolução social:

imaginar que agora está se impondo uma correlação de forças para impedir a política internacional atual do capital mundial é desconhecer totalmente o próprio funcionamento do capitalismo;
imaginar que há um verdadeiro enfrentamento entre projetos diferentes (neoliberalismo e antineoliberalismo; globalização e antiglobalização) e que a esquerda burguesa realmente tem um projeto capitalista diferente é também desconhecer a essência mesma da formação social burguesa e não entender a própria função desse conglomerado de frações capitalistas;
enfim, imaginar que o proletariado finalmente descobriu mediante o que se chama "ação direta", durante essas cimeiras e anticimeiras, a via atual do internacionalismo proletário, ou que temos entrado, com base nessas ações, como já dizem alguns grupos, num enfrentamento direto entre a internacional capitalista e a internacional revolucionária é não só desconhecer o funcionamento do capitalismo, mas desconhecer, deformar e falsificar o próprio programa da revolução, a estratégia revolucionária, e conduz inevitavelmente a fazer confusão desempenhando um papel centrista (impedir a ruptura necessária) no movimento proletário.
Explicamos os dois primeiros pontos de imediato. O último, que pertence muito mais ao desenvolvimento próprio do proletariado e à sua afirmação revolucionária, trataremos nos capítulos seguintes.

A política internacional que hoje se chama neoliberal ou o que se denomina globalização não tem alternativas válidas, a longo prazo, pois obedece às próprias leis do sistema que desde que existe é mundial, global e funciona fundamentalmente sobre a base da famosa mão invisível do mercado, isto é, a lei do valor. Contrariamente ao que se diz, isto não é "uma" política do capital entre muitas outras, é pelo contrário o funcionamento "natural" para o qual tende sempre o capital, a lei que em última instância se impõe. As diferentes políticas econômicas só podem limitar ou corrigir de forma muito parcial sua aplicação (na realidade, a da lei do valor) muito restrita no tempo e/ou no espaço. Os populismos de todo tipo (de Getúlio Vargas a Perón; de Cárdenas a Nasser), os chamados países socialistas, assim como o fascismo, o nazismo, o franquismo... foram as expressões mais duráveis nesse sentido. Todas essas tentativas históricas de desenvolver projetos diversos de desenvolvimento capitalista a longo prazo (limitando a aplicação da lei do valor, baseando-se no protecionismo) tiveram uma duração limitada, além da qual o fracasso era inevitável.

Da mesma maneira e pelas mesmas razões não se pode fazer "mais humano" um sistema que não o é. Tampouco é possível fazer um capitalismo que proteja a natureza ou um capitalismo sem guerras. O que se fez com a tomada de consciência burguesa da "ecologia", por exemplo, nunca foi o melhoramento da produção capitalista em geral para proteger a natureza, senão, pelo contrário, a transformação do "verde" e do "natural" em mercadoria. A busca constante da máxima rentabilidade coexiste com a crescente adaptação das empresas para vender qualquer coisa com imagem ecológica (21), o que obviamente intensifica a ditadura capitalista contra a natureza, ameaçando todas as espécies e, em particular, a espécie humana. Da mesma forma, não se pode pacificar o mundo capitalista - todas as políticas pacifistas do capital só servem unicamente para utilizar a paz como arma de guerra.

Hoje tudo isso fica cada vez mais difícil de esconder. Além do mais, a catástrofe real do capital é de tal magnitude que inclusive as margens de manobra que ele tinha no passado para realizar políticas econômicas um pouco diferentes se reduziu muito: o capitalismo tende hoje mundial e irreversivelmente a unificar sua política, a esquerda e a direita mostram cada vez mais que hoje só existe uma política capitalista possível (e não faltam declarações de esquerdistas que chegaram ao poder neste sentido!). Assim, os "antineoliberais e antiglobalização" de oposição, na medida em que são cooptados para participar nas decisões, se tornam inevitavelmente "neoliberais", "pró-globalização" e se sentem forçados a aplicar o contrário do que disseram. Não, não é que sejam apenas e voluntariamente cínicos e mentirosos, mas é verdade que o capital os força a realizar sua política muito mais do que esses esquerdistas poderiam imaginar antes. A capacidade de restringir a aplicação regional da lei do valor internacional se fez, com o próprio desenvolvimento do capital, cada vez menor, tanto no tempo quanto no espaço. Hoje seria inconcebível o funcionamento do capitalismo ultraprotecionista como funcionou, durante décadas, na Rússia, China, Albânia... e o regime capitalista cubano e os reacionários líderes castristas tem seus dias contados. O stalinismo, como modelo ultra-reacionário (no sentido de fechar as fronteiras para tentar se opor ao progresso no desenvolvimento das forças produtivas para o qual tende normal e internacionalmente o capital, segundo a lei do valor) de desenvolvimento do capital, não foi varrido da face da terra por uma questão de idéias democráticas ou por haver utilizado massivamente os campos de concentração (o capitalismo os empregou sempre!) mas sim pela inviabilidade de impedir a aplicação irrestrita da lei do valor eternamente. Com efeito, quanto maior for a defasagem entre, por um lado, o desenvolvimento das forças produtivas em escala mundial e a desvalorização internacional que isso provoca e, por outro, a restrição protecionista a tal desvalorização num espaço produtivo dado (ou um setor determinado), mais rapidamente ocorre em tal espaço a catástrofe e a implosão econômico-social do tipo que ocorreu no leste europeu.

Tudo isso permanece se acelerando com o desenvolvimento das contradições do capital e resulta cada vez mais difícil manter subsidiados economias ou setores inteiros. Do ponto de vista dos governantes locais, cuja missão é invariavelmente celebrar a melhor taxa de lucro para atrair capitais (política negociada sempre com os organismos de crédito internacionais, particularmente com o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial) isto não só quer dizer aumentar a taxa de exploração ao máximo possível, mas além disso não taxar os setores rentáveis para (redistribuição de mais-valia) financiar os setores não rentáveis. É esse processo inevitável que explica a tendência à homogeneização da política burguesa a longo prazo. Por isso, embora os diferentes políticos burgueses ainda façam um discurso um pouco distinto (e cada vez menos!), quando de governar se trata todos terminam aplicando com maiores ou menores matizes a mesma política do Fundo Monetário Internacional. Essa é uma das razões que levam à suposta "traição" de todos os esquerdistas no governo, que terminam fazendo o que se considera "a política da direita", ou dos ecologistas que terminam patrocinando até o esforço de guerra nacional e internacional (e até da OTAN), e, em geral, a destruição da terra e da vida humana. Se fazem a política da direita, é porque do ponto de vista do capital, não há outra política (22) que a de ser rentável, que a de atrair capitais sobre a base da rentabilidade. Se continua havendo diferenças no discurso não é então por representar políticas econômicas diferentes, senão porque diante do proletariado, em determinadas ocasiões, só podem tornar aceitáveis as medidas de austeridade quando são apresentadas em nome da esquerda ou da ecologia. Por esta razão, nem sequer do ponto de vista capitalista se pode esperar nada extraordinariamente diferente desse conglomerado de frações capitalistas que no discurso se opõe à política do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. Só constituem frações burguesas diferentes na forma como pretendem canalizar os proletários, que se encontram agredidos por todo progresso do capital, e por sentirem nostalgia de um mundo "menos agressivo e destrutivo", que, no entanto, se foi para nunca mais voltar (23). Expressam assim essa nostalgia imbecil da proteção da produção local sem o domínio das gigantescas empresas mundiais que não se preocupam com destruir tudo em nome do capital. Não é outro projeto senão a utópica lamentação de impotência da gestão local e "mais ecológica". Um volante da CNT espanhola de Barcelona, em 23 de setembro de 2000, terminava precisamente com esta palavra de ordem que expressa bem essa reivindicação ideológica, utópica e reacionária do conglomerado de frações burguesas que se definem "contra a globalização": "Apoia a economia local, ecológica e autogerida".

É claro que, além do mais, o desenvolvimento desses pseudoprojetos constitui a expressão ideológica de diversos interesses protecionistas de diferentes frações burguesas particulares e localistas, que, como tais, incentivam a luta (e as guerras) imperialista. Do que se trata não é então de realizar um capitalismo mais humano (apesar de ser isso que declaram), porque o capitalismo sempre foi desumano e o antagonismo entre capitalismo e humanidade tem necessariamente que se agravar, senão que buscam enquadrar o proletariado com essas utopias reacionárias para empurrá-lo a defender os interesses burgueses, e seguir a reboque de seus interesses locais, regionais, nacionalistas... e, por isso, não causa surpresa que em muitos países a extrema direita também se manifeste pela "antiglobalização". Seu verdadeiro projeto social não é portanto o que dizem, mas recredibilizar-se frente aos explorados para dirigir e canalizar a inevitável e sempre crescente raiva proletária, contra tudo o que se passa neste mundo, para a luta entre frações burguesas e para a guerra imperialista.

O papel do proletariado no palco das cimeiras e derivados: a questão da autonomia proletária

Todo o palco está montado para apresentar os protestos em Seattle, Davos, Praga... como a verdadeira alternativa ao mundo atual. Inclusive, além das frações abertamente socialdemocratas, esses encontros de cimeira, essas batalhas de rua, são considerados como a essência mesma da luta que se contraporia ao desenvolvimento atual do capitalismo, como a quintessência do internacionalismo proletário enfim descoberta. Concentremo-nos, portanto, neste capítulo, no papel que se atribui atualmente à ação do proletariado nessas cimeiras, para determinar nossos interesses e definir a política proletária frente a tais armações.

Para aprofundar a questão é indispensável se perguntar: qual é a diferença entre esse tipo de expressão da luta de nossa classe contra as cimeiras e anticimeiras e as lutas proletárias que na atualidade se caracterizam, como dissemos, por seus saltos de qualidade fulgurantes (ainda que os mesmos se produzam de forma esporádica e sem continuidade) concretizados em lutas sumamente violentas, que atacam todo o espectro político e que se desenvolvem se opondo a toda mediação, como as que ocorreram nas últimas décadas por exemplo, na Romênia, Venezuela, Albânia, Argélia... e, mais recentemente, na Indonésia, Equador...? Qual é a interação entre os dois tipos de luta ou formas de expressão proletárias?

A título de exemplo, e para facilitar a compreensão geral, comparemos as lutas que ocorreram em Seattle com as que se produziram em princípios de 2000 no Equador (24). Em ambos os casos, frações do proletariado se chocam contra o capital, milhares de proletários enfrentam diferentes estruturas nacionais e internacionais do estado capitalista mundial. Em ambos os casos se chocam contra os corpos repressivos que protegem a propriedade privada e os centros de decisão do capital. Em ambos os casos enfrentam tanto os dirigentes locais do capital quanto os dirigentes internacionais deste.

Sigamos agora as diferenças (25). Ainda que façamos esta comparação para combater concepções mais sutis, comecemos por colocar em evidência os preconceitos mais grosseiros, derivados da ideologia dominante socialdemocrata. Segundo a visão da ATTAC e companhia, as lutas em cada país não podem ir muito longe porque o centro de decisões do capital, ou melhor dizendo, do capital financeiro, são o Banco Mundial e o FMI, e nessas cimeiras se decide o destino do planeta. É óbvio que eles não reconhecem que o movimento proletário em Seattle é o mesmo que no Equador, mas se o aceitassem diriam que o de Seattle é internacional e decisivo, e o outro, local, indígena, economicista e sem maior importância. Concretamente diriam que graças aos protestos em Davos, Seattle, Washington... onde se enfrenta o centro do sistema, fica cada vez mais difícil para o capitalismo impor as medidas preconizadas pelo banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional.

Respondemos: na luta no Equador, os proletários enfrentam não só a burguesia local, mas também a burguesia internacional. O proletariado com sua ação se contrapôs a todos os planos de austeridade patrocinados pelas famosas instituições Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial. A generalização desse movimento imporia uma correlação internacional de forças que poria em questão todo aumento da taxa de exploração e com seu desenvolvimento qualitativo, a própria exploração. Em troca, o movimento proletário contra as cimeiras e anticimeiras, o máximo a que consegue aspirar, contra os planos daqueles organismos, é impedir que tais reuniões se realizem, aterrorizar os congressistas ou, em geral, quem representa o capitalismo mundial em sua tomada de decisões, mas não se poderá impedir que as decisões sejam tomadas de qualquer forma; com segurança, com menos estardalhaço, a portas fechadas, em contatos interburgueses secretos... Por mais limitada geograficamente que pareça, a outra ação é capaz de impor uma relação de forças (talvez não seja o caso do Equador mas sim de muitos outros exemplos históricos) internacional contra o capital que bloqueie todas as medidas de ataque contra o proletariado (como aconteceu recentemente na Bolívia na questão da água, que o capital internacional e nacional quis impor). Em troca, a ação de Seattle, por mais geral e espetacular que seja, é difícil que se traduza numa relação de forças que, por exemplo, impeça um aumento da taxa de exploração.

Nos últimos dias foi suspensa a reunião do Banco Mundial prevista em Barcelona para o mês próximo (junho de 2001) e nossos inimigos falarão em triunfo. Para nós, mesmo que se chegasse a varrer essas conferências da Terra, ou se chegasse a destruir todos os edifícios de reunião dos organismos internacionais, não se poderia assim impedir que as medidas continuassem se aplicando país por país. É evidente que é preciso deixar isso claro contra o mito inverso. Mas isso não desmerece em absoluto a luta dos proletários que, quando são previstas conferências e anticonferências, lutam contra elas e inspiram um pânico cada vez maior nos congressistas, milicos, governantes e socialdemocratas em toda parte. Ainda mais, como iremos vendo no que se segue, estes setores poderiam chegar a ser decisivos na generalização da luta, na consciência e na direção internacional.

Continuemos, então, com a comparação. No Equador, esse movimento é o resultado de um conjunto de lutas parciais de diferentes setores proletários que defendem seus interesses e enfrentam "seus próprios" burgueses, "seus próprios" sindicalistas, "seus próprios" partidos socialdemocratas... e que, no início, exigem diferentes reivindicações e/ou medidas, até que o descontentamento é tão generalizado que a luta proletária toma a rua, todas as exigências particulares se generalizam (26) e os centros de decisão do estado nesse país são atacados: parlamento, poder judicial, presidência, locais dos partidos políticos...

Em Seattle, o movimento está constituído por quem quer atacar o que considera os centros decisórios do capital e do estado mundial. Isso é válido tanto para os proletários que marcham como cordeirinhos nos desfiles socialdemocratas como para os que os ultrapassam e que enfrentam também a socialdemocracia e se organizam fora e muitas vezes contra ela. O ponto de partida dos que vão a Seattle é aparentemente mais global, mais politizado (27) e mais determinado pela vontade política do que pelo interesse imediato, do que pelo interesse social. Os que vão partem de suas posições, de suas idéias revolucionárias, ainda que, é claro, as mesmas sejam também, por sua vez, o resultado da consciência dos interesses imediatos generalizados do proletariado.

O movimento do Equador, como produto social dos interesses proletários que vão se generalizando, ao se contrapor às expressões do capital e do estado que encontra a sua frente, contém, representa e assume diretamente os interesses do proletariado internacional contra o capital e o estado mundiais. A luta conseqüente por seus interesses leva os proletários a uma contraposição prática às tentativas de enquadramento socialdemocrata, independentemente das idéias dos protagonistas. No Equador, o movimento proletário é impulsionado, por seus interesses surgidos e desenvolvidos nesse movimento, à ruptura com todo tipo de enquadramento socialdemocrata. Em Seattle, pelo contrário, só as posições políticas e a clareza programática permitem desdobrar e aprofundar a ruptura com a socialdemocrata.

No Equador, o proletariado só pode defender os interesses pelos quais desencadeou o movimento rompendo o enquadramento socialdemocrata, assumindo sua autonomia de classe; neste sentido está forçado a fazê-lo. Quando decide ir ao que considera o centro de decisões do capital, a Quito, é porque não agüenta mais, porque quer arrebentar os que estão o esfomeando. Já é um ataque! Porque então todos aconselham a calma e o "retorno a seus lares". Não só ninguém o convocou a Quito, como também não há nenhuma cimeira ou anticimeira para "acolhê-lo". Só o esperam as forças repressivas; farão o possível para que ele não chegue. E apesar disso, o proletariado impõe sua determinação. O enquadramento sindical e da esquerda burguesa evidentemente que vai atrás, para não perder o trem, mas segue o movimento para enquadrá-lo.

Em Seattle, pelo contrário, a razão inicial são as cimeiras e elas determinam os lugares, as datas. Não é a organização da força proletária que decide ir a Seattle, mas são as convocatórias ao proletariado para desfilar como rebanho que o convidam a ir. E só ao lado e, em alguma medida fora e contra, vão grupos de proletários pelejar também contra esse enquadramento.

É óbvio que estes é que não são convocados e que são temidos. É contra estes que as forças repressivas se organizam. É contra estes que são feitos controles nas fronteiras. Estas frações proletárias em ruptura vão a Seattle por suas posições programáticas, vão para ressaltar e desenvolver essa ruptura com todo capital. Só a percepção dos interesses do proletariado internacional transformados em consciência de classe e em posições (e, em todo caso, filtrados pela ideologia burguesa, ainda que se lute contra) permitirá se contrapor à socialdemocracia e desenvolver a autonomia proletária. Mais ainda, a maioria dos proletários que vão a Seattle desenvolver a luta proletária pertence a alguma organização, a alguma rede (como está na moda dizer hoje), algum movimento, algum grupo, ou são considerados por estes como formando parte de sua periferia organizada.

É uma diferença importante. A ruptura no Equador está determinada pelo desenvolvimento inevitável dos interesses antagônicos; em Seattle, depende quase exclusivamente dos programas e bandeiras dos grupos que atuam. Isso faz com que nos cenários estilo Seattle adquira uma importância ainda maior a discussão política com os grupos e organizações participantes, faz com que a crítica programática das organizações que pretendem impulsionar e desenvolver a ruptura proletária tenha uma importância decisiva, assim como também a denúncia de toda ideologia centrista, que se caracteriza por impedir a ruptura e/ou por querer, em nome dos limites da consciência proletária, empurrar para fazer um papel de ala extrema da socialdemocracia, representando o papel de tornar mais violento o protesto da esquerda burguesa.

Esta crítica companheira que realizamos é parte do próprio movimento de ruptura que se desenvolve na atualidade tanto em Seattle quanto no Equador, ou em qualquer parte do globo. Apesar das diferenças assinaladas num caso ou noutro, trata-se de um mesmo movimento do qual assumimos sua prática, de nosso movimento, de nossa luta mundial contra todo o capital. Mas quando, no interior do mesmo, fazemos um balanço crítico das forças e debilidades de um movimento como o do Equador, sentimos que o mais importante é sua dinâmica prática e a análise das bandeiras; os grupos políticos e as posições consideramos em segundo plano. Em Seattle, em troca, como o ponto de partida do agrupamento de forças são as posições políticas, a análise e a crítica das mesmas devem ser postas em primeira lugar, sem esquecer, é claro, que também aí o que está em jogo é a luta autônoma do proletariado internacional contra a sociedade burguesa, contra todas as reciclagens da esquerda para impedi-lo.

Nos subtítulos seguintes analisaremos como se coloca nesses cenários a luta pela autonomia do proletariado, dando prioridade às posições políticas dos protagonistas com relação à autonomia física de cada manifestação de rua.

Entretanto, antes de passar a essa análise nos parece imperioso deixar claro que também a autonomia nas ruas é sumamente importante e que, por isso, a palavra de ordem "fora e contra as cimeiras e anticimeiras" e a crítica dos proletários aos que se fazem marchar como cordeirinhos é fundamental. O Grupo Comunista Internacionalista, através de vários panfletos e outras ações de propaganda, expressou claramente esta posição em tais lutas.

Também é fundamental (e assumimos na medida de nossas forças) criticar na prática as colunas radicais das manifestações e impulsioná-las a não participar nos cortejos socialdemocratas nem sequer "para ultrapassar a manifestação" ou "para radicalizá-la". Mas no que se segue, pelo fato de que a ruptura proletária nessas ocasiões só pode se operar pela ruptura política, pelo avanço programático e organizativo das frações mais radicais é que, como dissemos, nos concentramos nas posições programáticas expressas em tais eventos.



A violência de classe. Revolucionários ou ativistas e oportunistas?

Entremos mais no terreno da ruptura classista. Deixemos agora os cordeirinhos e nos concentremos nas expressões proletárias que mais nos interessam, os militantes ou grupos militantes mais próximos de nós que vão a esses eventos decididos a enfrentar o capital e o estado, que assumem como decisiva a luta revolucionária. É sem dúvida um salto de qualidade considerar-se revolucionário; assumir de forma voluntária, organizada e consciente uma atividade dirigida à destruição do capitalismo e do estado. A respeito, devemos assinalar na comparação efetuada anteriormente, que, quando o movimento do Equador declina, só ficam, no melhor dos casos, alguns pequenos grupos de militantes revolucionários que tratam de extrair as lições e entrar em contato com outros revolucionários através do mundo e que, em Seattle, pelo contrário, já existem minorias que se organizam permanentemente e que darão constância a sua organização, independente de determinada data, o que é uma afirmação importantíssima da tendência do proletariado a se organizar em força e uma afirmação histórica da militância revolucionária. Nós somos parte desse mesmo processo e, dentro do mesmo, consideramos indispensável a crítica companheira.

Mas não se é revolucionário em função da vontade, senão da prática social, do papel prático que se desempenha, do que se defende na prática. E isso é válido tanto para os militantes como para as organizações políticas. É a prática social, o projeto social real, que situa um grupo, um militante, num ou noutro lado da barricada.

A história está cheia de exemplos de organizações que em nome da revolução defenderam a contra-revolução, de estruturas políticas nacionais e internacionais que em nome do socialismo, do comunismo e/ou do anarquismo defenderam exatamente o contrário: o capitalismo e seu estado. A base de todos os oportunismos, de todas as renúncias ao programa da revolução, o determinante decisivo da traição se encontra sempre na ideologia do mal menor, na política "realista", no "não assustemos os proletários com questões radicais", no "as massas não compreenderão", no etapismo, na dissolução do programa revolucionário para "ir às massas", enfim, na substituição do programa comunista por um conjunto de reformas parciais ou programas de transição, que conduzem sempre à defesa do capital. A contra-revolução não tem infinitas maneiras de se impor, suas formas são em última instância sempre as mesmas, por isso é tão importante extrair as lições do passado das lutas revolucionárias e da imposição da contra-revolução.

Nas organizações e grupos presentes em Davos, Seattle, Praga... tanto pelos panfletos, volantes e publicações, como pelas discussões que tivemos, a primeira coisa que constatamos é que o principal elemento unificador e demarcatório, entre os que se dizem revolucionários, é assumir e reivindicar a violência de classe e, obviamente, a violência organizada de minorias da classe (28). Contra toda ideologia da "não violência" tão comum nos cortejos oficiais, que favorecem enormemente o trabalho policial até o ponto de permitir aos agentes da ordem fichar, espancar, lançar gases e humilhar milhares de seres humanos sem que estes possam reagir, é totalmente lógico e inestimavelmente importante que os grupos que se reivindicam da revolução assumam e chamem à violência revolucionária. Trata-se também de um invariante necessário, de um elemento básico de ruptura com a ideologia socialdemocrata e que, em escala internacional, está afirmando objetivamente a tendência proletária para a ruptura com todo teoricismo e ideólogos de salão.

Este reconhecimento social da violência como algo elementar, como uma necessidade humana indispensável contra a sociedade do capital, volta a se por na ordem do dia em todos os movimentos do proletariado. Há uma evidente tomada de consciência internacional da necessidade da violência minoritária de classe contra a ideologia pacifista socialdemocrata, o que é, e será, decisivo na atual tendência do proletariado a reemergir como força em escala mundial. Sem dúvida, essa tendência atual se deve à intensificação de todas as contradições do capital, mas, também, à ação e a denúncia que as minorias revolucionárias levamos adiante durante estas últimas décadas. E isso queremos deixar bem claro, porque é um ponto forte e muito válido do movimento atual e de suas expressões de vanguarda, se encontrem estas em Seattle, Equador, Paris, Moscou...

Hoje, como ontem, todo grupo que se oponha à violência das minorias proletárias em nome do anti-substitucionismo, do antiterrorismo, da mítica "violência de classe em seu conjunto" constitui de fato uma parte da socialdemocracia e do estado burguês.

No entanto, esse elemento não é suficiente para uma verdadeira ruptura. A violência por si só não constitui uma verdadeira fronteira demarcatória entre reforma e revolução, como o esquerdismo burguês nos quer fazer crer. Entre a reforma (que também utiliza a violência para defender o sistema) e a revolução há um verdadeira abismo de classe, de projeto social, de programa. O proletariado necessita se organizar praticamente fora e contra a socialdemocracia, delimitar o máximo possível os campos. A afirmação prática do proletariado como classe independente implica, ao mesmo tempo, a delimitação teórica, de métodos e objetivos, com relação às forças burguesas. É absolutamente insuficiente, e desenvolve a confusão, crer que essa demarcação possa se realizar exclusivamente com base na oposição entre violência e não-violência.

Mas, no movimento presente nesses eventos, constatamos um grande desprezo pela teoria revolucionária, pelo programa da destruição do capitalismo, pela luta por acordos programáticos precisos, pela questão do partido, pela questão do poder. Pelo contrário, na sombra da socialdemocracia e como sua expressão violenta se desenvolveu toda uma ideologia que, em nome da liberdade ou do "libertário", da "ação direta" e da "prática revolucionária" nega e tira a importância de tudo isso. Essa concepção se baseia na "atividade", na prática, na união baseada na "luta na rua". Nossa posição é a de crítica impiedosa de tal concepção, que sempre conduziu ao oportunismo.

Em primeiro lugar é preciso dizer claramente que a posição de negar a importância da teoria revolucionária, da discussão programática, é, evidentemente, e, ainda que incomode seus defensores reconhecê-la, uma teoria "revolucionária" bem precisa. A não delimitação do programa revolucionário do proletariado, conjuntamente à apologia da "ação direta" no imediato e do libertário no plano político é um programa totalmente concreto, que, por outro lado, tampouco é novo: não são os primeiros a declarar "o objetivo não é importante, o movimento é tudo". Os oportunistas do século XIX e princípios do XX, a começar pelo próprio Bernstein, basearam sua concepção em tal máxima.

Desnecessário é dizer que esse movimentismo, esse empirismo, também se considera estrategicamente forte por atrair as massas à ação sem afugentá-las com questões como a da necessária ditadura do proletariado para abolir o trabalho assalariado. Do ponto de vista do proletariado, essa ausência de direção, de programa e de perspectiva, de organização permanente e de reconhecimento da necessidade de se centralizar é uma grande debilidade histórica, que hoje, mais uma vez, permite que continuem nos manobrando. Do ponto de vista dos grupos que desenvolvem, sustentam e impulsionam essa prática empirista e antiprogramática é uma enorme porta para todos os oportunismos, para o frentismo, para o mal menor e, em geral, para a passagem para o campo da socialdemocracia, para o campo da contra-revolução.

Precisamente, o que mais está faltando ao movimento hoje existente no mundo, dadas as características das lutas proletárias na atualidade (tanto as de um tipo como as de outro) é a perspectiva, a continuidade, a direção revolucionária, a preparação insurrecional, ou seja, afirmar-se como força que sabe aonde vai, que luta por se dar uma centralização e por se dotar de uma direção. O proletariado só se sente uma classe quando reaparece violenta e fulgurantemente nessas grandes lutas e só no nível em que as mesmas se desenvolvem, que, até agora, é limitado geograficamente. Essa é a grande debilidade atual de nossa classe, que assim não chega a se reconhecer em cada luta no outro extremo do planeta, em cada uma das quais, o movimento parece partir do zero, sem nenhum acúmulo de sua experiência histórica. Ao não se sentir classe mundial, nem reconhecer seu próprio passado, não pode tampouco afirmar (nem conhecer) o programa revolucionário de destruição do capitalismo. Por isso, todas as ideologias libertárias, praticistas, movimentistas, que opõem a "ação direta" ao programa revolucionário são hoje mais nefastas do que nunca e fazem o mesmo papel dos oportunistas de sempre: impedem a ruptura revolucionária com a socialdemocracia.

O fato de que esses grupos e organizações se considerem revolucionários, lutando contra o capital e o estado, não os situa no campo da revolução se sua prática real é precisamente a da defesa dessa ideologia empirista, antiteoria revolucionária, que vai invariavelmente acoplada à prática ativista.

A maioria desses militantes que se dizem revolucionários consideram que a atividade central da revolução é a de agitar, ativar, de suscitar a luta do proletariado, realizar permanentemente campanhas contra determinada empresa multinacional, contra determinada instituição do capital e, obviamente, contra as cimeiras burguesas. O que é criticável não é, do nosso ponto de vista, que tais ativistas se considerem profissionais da revolução, que se organizem e que busquem por todas as forças ao seu alcance desenvolvê-la, mas que considerem que a revolução seria o resultado da generalização dessa ação, desse ativismo (29) e não das lutas históricas de uma classe social. Essa ideologia da especificidade da ação agitativa, do recrutamento para ela, da ilusão de destruir o capitalismo pela generalização do ativismo (há quem acredite que se triunfará se continuar agregando centenas ou milhares de ônibus para ir à próxima reunião de cimeira!) põe em evidência o desconhecimento e o desprezo objetivo pelo movimento histórico a que pertencem, pela relação entre as lutas levadas por eles e outras lutas proletárias atuais ou as lutas proletárias do passado; isto é, sobre o que é o programa revolucionário. O ativismo fecha assim os olhos para a amplitude histórica da luta comunista contra o capital, defende "a atividade" contra a teoria revolucionária, a "ação direta" contra a necessidade de se organizar em força política, em partido revolucionário, em força centralizada para abolir a ordem social capitalista. Inclusive quando fala de organização, o ativismo não fala nunca em constituição em força mundial, de desenvolver a permanência e a centralização, de partido mundial, mas, pelo contrário, de redes informais, de unificação pela atividade, de entrar em acordo para determinada campanha. Reiterando a velha separação socialdemocrata entre prática e teoria, desprezando esta última e utilizando como argumento dizer que atua em nome da massa, da vontade dos que lutam, da democracia dos operários, o ativismo conduz sempre à degeneração dos grupos políticos. Em nome do imediato, terminam correndo atrás das massas e sacrificando o essencial do programa.

Como dizia Amadeo Bordiga numa de suas melhores épocas: "Um desvio banal, que se encontra na origem dos piores episódios da degeneração do movimento, é subestimar a clareza e a continuidade dos princípios (30) e empurrar o "ser político" ao fundir-se na atividade do movimento que indicará as vias a tomar. É não parar para decidir, referindo-se aos textos, passando-os pelo crivo das experiências anteriores, mas para continuar sem paradas o vivo da ação... Nunca houve um traidor e vendido à classe dominante que tenha abandonado o movimento sem haver argumentado: primeiro, que era o melhor e mais ativo defensor "prático" dos interesses operários; segundo, que atuou assim devido à vontade manifesta da massa de seus discípulos..." (31)

Internacional revolucionária? Mentira ativista!

O ativismo se reflete na concepção segundo a qual a internacional revolucionária se constitui com base na ação imediata. Hoje, diferentes grupos que questionam a posição socialdemocrata clássica se fazem presentes nos cenários das cimeiras e anticimeiras e, em toda sua propaganda, sustentam que estamos diante de um confronto entre a internacional capitalista e a internacional revolucionária. por exemplo, o secretário Internacional da FSA-AIT chega a intitular seu informe sobre Praga como A internacional Capitalista contra a Internacional Anarco-sindicalista.

Para nós, por mais fortes que tenham sido alguns enfrentamentos de nossa classe contra as cimeiras e contracimeiras, por mais violentas que tenham sido as ultrapassagens, os confrontos com a polícia ou a quebra de vidraças, nos parece totalmente impróprio falar de internacional revolucionária, porque uma internacional revolucionária deve necessariamente ser muito mais do que isso, não só em termos quantitativos ou de violência expressa, mas em termos qualitativos. Vangloriar-se dessa ação do proletariado e identificá-la com uma internacional revolucionária é uma grosseira distorção dos fatos e do que deve ser uma internacional revolucionária. E isso por várias razões.

A primeira delas é que os níveis de autonomia do proletariado, apesar dessa ação na rua, são muito relativos, já que a própria ação na rua não está determinada pelo próprio proletariado, enquanto os lugares, as datas, as modalidades... são impostas pelo inimigo de classe (32). O lugar e as datas são decididos nas cimeiras e/ou cimeiras paralelas, e apesar de ser parte de nosso protesto buscar impedir sua realização ou nos manifestar contra as mesmas, não há autonomia de ação se dependemos de suas cimeiras para nos manifestar.

Justamente, muitos grupos militantes ou companheiros próximos extraem de Seattle e Praga a lição de que "não é preciso se meter na boca do lobo", "nós é que deveríamos decidir onde, quando e como nos manifestar" (33). De fato, um dos pontos mais fortes entre as minorias que impulsionam a ação violenta é que cada vez se toma maior consciência disso e que diferentes organizações e grupos manifestam a necessidade de se organizar independentemente dos cenários montados: existem diversas associações, redes e assembléias que começam a se dar esses objetivos. Nós pensamos que justamente nessa crítica e tendência a se organizar de maneira diferente está se forjando uma comunidade de luta que poderá ser decisiva no futuro para ir marcando, com sua prática, a direção de que necessita o proletariado.

Mas nesses cenários, é necessário dizer claramente, os níveis de autonomia do proletariado, mesmo se desenvolve a violência de classe, são débeis, muito débeis. Isso facilita enormemente o trabalho policial de preparação, conhecimento do terreno, tanto para a "batalha" quanto para filmagens, fichamento e identificação dos elementos mais perigosos.

Mais ainda, devemos compreender que a burguesia teve um êxito importante em tais operações. Com efeito, constatamos uma quase perfeita divisão do trabalho na canalização, dispersão e repressão do proletariado: se convoca a maior quantidade de gente possível, a maioria passeia como carneirinhos atrás dos clássicos grupos pacifistas e se cuida para que os que querem ir mais longe formem cortejos separados ou de outra cor com o objetivo de se expressar violentamente e quebrar vidraças, o que, obviamente, facilita a ação da polícia. Sonífero para a maioria, porrada e fichamento para os que querem o enfrentamento constituem uma divisão idônea do trabalho burguês contra o proletariado, que nossos inimigos sempre utilizaram. É como se peneirassem o movimento, selecionando e identificando perfeitamente os que devem ser bem fichados, os que devem ser presos.

Inclusive a ideologia que predomina em muitos desses grupos ativistas facilita esta divisão do trabalho. Com efeito, o fato de que não se definem fora e contra os cortejos oficiais de protesto, mas muitos aceitem constituir outras colunas nos mesmos cortejos, contribui para o trabalho realizado pelo estado. Mais ainda, em alguns casos, quem aparece na cabeça das ultrapassagens na rua não é outra coisa senão as "seções jovens" dos mesmos grupos ou as frações esquerdistas da mesma socialdemocracia (maoístas, trotskistas, guerrilheiristas...), cuja ação não é nunca contra a socialdemocracia, contra os planos de humanizar o capitalismo, mas de "radicalizar" (34) esses planos.

Outra coisa muito diferente aconteceria se os setores mais decididos do proletariado atuassem para impedir essa divisão do trabalho; se atuassem recusando essa separação entre quem vai para desfilar como cordeiro e quem vai para "quebrar", organizando a violência para arrebentar antes de tudo o próprio cortejo oficial de protesto, e impulsionar assim o conjunto ao protesto violento, para enfrentar não apenas as polícias oficiais, mas as polícias sindicais e de esquerda que asseguram junto com as outras a divisão necessária do trabalho e o terrorismo de estado.

Mas nos dirão que não existe uma correlação de forças para o confronto com a burguesia de esquerda, que as forças de choque da esquerda e as polícias sindicais ainda podem assegurar a ordem pacífica de sua manifestação; mas isso confirma uma vez mais a falta de ação realmente autônoma.

Mais ainda, isso mostra que a ideologia que domina nesse meio é a do mal menor, que faz com que a organização da violência proletária não se expresse nunca abertamente contra a socialdemocracia e as anticimeiras, mas contra a direita e suas cimeiras oficiais, que se constitua ao lado da socialdemocracia (como se assim o proletariado pudesse conquistar sua autonomia!) e se chocar não contra esta (que no entrevero fica muito bem parada apesar das críticas verbais que a acusam só de "pacifismo e outros desvios"), mas contra o escudo de toda burguesia: a polícia oficial (35).

Tudo isso é típico do esquerdismo burguês para desviar o proletariado de sua crítica da sociedade. Uma direção revolucionária deve lutar precisamente pelo contrário, para impedir o êxito da divisão do trabalho que faz a burguesia entre discursos soníferos e porrada e fichamento. Muito mais importante que enfrentar policiais preparados e que estão esperando, seria atacar os socialdemocratas menos preparados e que ainda não esperam, assim como atacar as polícias quando não estão nos esperando, quando decidimos nós. Para o proletariado, é nefasto marchar ao lado da socialdemocracia ou em colunas com tipos diferentes mas junto dela, como para radicalizar suas manifestações. É preciso se organizar fora e contra esses passeios socialdemocratas, se constituir em força para impedi-los, também eles, de realizar seus foros porto alegres. Seria decisivo estruturar a força proletária, decidir nossos próprios objetivos e não considerar, como a ATTAC, o Fórum de Porto Alegre e Tutti quanti, que o inimigo é o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional.

Lutar com os mesmos objetivos da socialdemocracia, mas de forma mais violenta e radical, é cair no mal menor e aceitar o princípio do frentismo. Trata-se do mesmo princípio que, em nome do antifascismo, levou marxistas leninistas, anarquistas sindicalistas e trotskistas a se aliarem com o estado burguês contra a revolução (primeiro em 1936 e 1937 na Espanha, e depois em todo mundo).

Até agora só se fala em impedir pela violência as reuniões do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial..., mas não da ATTAC, não da Internacional Socialista, não dos Fóruns Sociais... o que mostra às claras a debilidade de nossa classe e, sobretudo, o predomínio do centrismo, inclusive nas manifestações mais radicais do proletariado.

Nessas manifestações conjuntas com a socialdemocracia contra os mesmos inimigos dela, apesar das colunas e tipos diferentes, ainda se está no início da autonomia de classe. O proletariado, para se autonomizar, deve romper também com os (autoproclamados) "autônomos" que o incentivam a permanecer nos cortejos fundamentalmente socialdemocrata e ir às mesmas missas cidadãs que os socialdemocratas organizam (mesmo que seja para radicalizá-las) e que, portanto, impedem uma verdadeira autonomia de classe.

Guerrilha urbana? Insurreição?

Diz-se também que esse tipo de enfrentamento é uma espécie de "guerrilha urbana, insurreição ou prática insurrecional", concepção que pode ser muito interessante quando realmente a mesma se organiza com bases próprias, não as que predominam na atualidade. A verdadeira luta revolucionária insurrecional não pode se basear em ir aonde estão nos esperando para nos dar porrada, não pode consistir em enfrentar com muito menos meios um inimigo muito mais preparado, potente e que, além do mais, está nos esperando. A burguesia e os chefes da repressão nos enviam para enfrentar a tropa mercenária melhor preparada e a utilizam de escudo, enquanto ficam muito bem preservados atrás; o que mais poderiam desejar que o fato de que nossa força se estraçalhe contra seu escudo protetor e que eles fiquem intactos?!

Mais ainda, as leis da insurreição se baseiam no contrário de tudo isso: na concentração de forças proletárias contra um inimigo que não espera nosso ataque; escolher o lugar e o momento em função de nossos objetivos e atacar onde e quando menos nos esperam; evitar o combate militar quando o inimigo é superior; fazer acreditarem numa data e atacar antes, quando ainda não esperam, ou depois, quando estão cansados de esperar; evitar a resistência em pontos fixos, utilizar a dispersão diante de um inimigo que avança e a concentração só para o ataque onde ninguém espera; atacar os quartéis e preparação da repressão antes que tal aquartelamento e organização da tropa possa obedecer; atacar os capitalistas, governantes e chefes da repressão em suas próprias casas; impedi-los de dirigir as operações terroristas da repressão, seja prendendo-os, cercando-os ou bloqueando as vias de acesso para a direção das tropas...

Mais ainda, o interesse da insurreição não é enfrentar e destruir os policiais em geral (ainda que obviamente deva ser implacável com todo agente da ordem conseqüente!), mas destruir a coerência do corpo da repressão e o que atualmente se patrocina; pelo contrário, confrontar a força que a burguesia usa de escudo favorece esse mesmo espírito de corpo.

Por isso, merece toda nossa crítica essa concepção "guerrilheirista" que está na moda. Porque é uma caricatura, pois incentiva à luta aparato contra aparato, que sempre favorece o estado.

Pareceria que a "direção das operações insurrecionais" quer, na falta de perspectiva revolucionária, se vangloriar dos policiais feridos e a quantidade de feridos e fichados que ficam em nossas filas. Não faltam relatos de esquerdistas burgueses na Internet ou vídeos que circulam, onde se somam feridos e se reproduzem imagens de confrontos espetaculares, fazendo crer que isso fará avançar a revolução social. Ver, por exemplo, as feiras de troca de imagens de "ações" e "revoltas" na Internet, como por exemplo, o Indymedia, onde os ativistas asseguram benevolamente um trabalho que só pode servir ao espetáculo e à... polícia.

A luta revolucionária terá feridos, presos e mortos proletários, mas nosso interesse é que isso ocorra o menos possível. Estamos cansados de tantas vítimas! Todos os exemplos históricos mostram que quando uma insurreição proletária se desenvolve não há muitas vítimas, que quando se ataca os chefes da repressão e o estado burguês, o número de companheiros caídos é muito reduzido e que, pelo contrário, o maior número de vítimas se produz sempre, quando nos chamam para resistir ou manifestar contra a potência repressiva concentrada do estado.

Falta de programa revolucionário, espetáculo da violência

Ligado a tudo isso está, mais uma vez, a falta de programa e perspectiva que existe em tais confrontos; a falta de uma crítica profunda e real da sociedade burguesa; a falta de uma estratégia de liquidação da sociedade capitalista. Sem tudo isso, falar de internacional da revolução contra a internacional do capital, como muitos fazem, é falsificar o próprio conteúdo do que é uma internacional revolucionária. De que internacional revolucionária nos falam? Da coluna de tal ou qual cor na mesmíssima manifestação socialdemocrata! E qual é a diferença entre as colunas? Que algumas enfrentam violentamente monstros FMI e BM?!

O secretário da FSA-AIT não tem escrúpulos ao nos dizer que eles eram o bloco azul (blue) que com a ajuda da televisão deveria mostrar (36) aos pobres do mundo que havia na Europa quem lutava contra o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial: "Aquilo foi uma avalanche desencadeada pela guerra de classes, sabíamos que aquele não era o nosso método de trabalho, mas todos sabíamos que devíamos mostrar aos pobres e moribundos proletários do mundo que aqui, na Europa, há pessoas valentes que não só moralizam e criticam, mas pessoas que não temem enfrentar fisicamente o FMI e o BM, que estão determinadas a impedir seu congresso, que arriscam sua vida e sua saúde para arrebentar com o macabro acontecimento dos engenheiros da fome e a destruição ecológica".

Veja-se até que ponto essa violência está sindicalmente enquadrada para que não ultrapasse e pense atacar, por exemplo, a esquerda burguesa, o que, evidentemente, não se pode garantir quando a manifestação proletária não está enquadrada pelos sindicalistas (chamem-se libertários ou anarco-sindicalistas), como a que se dá, por exemplo, no momento em que escrevemos este artigo, em Cabila, Argélia, onde toda imprensa reconhece que os revoltosos atacam igualmente os partidos oficiais e os partidos da oposição (37). Veja-se a pretensiosa diferença estabelecida entre os especialistas da mudança social, os anarco-sindicalistas e os proletários do mundo. Veja-se a distinção euro-racista entre o decisivo que acontece na Europa e a miséria em outra parte. Como se os proletários do mundo fossem moribundos que esperam o que os senhores sindicalistas europeus lhes mostrem o caminho! Que falsificação gigantesca do movimento atual do proletariado!

Wohlmuth acrescenta: "Mas a rua em luta era algo muito diferente do usual. Pouco a pouco, conhecíamos todos aqueles que com grande valentia haviam carregado contra os policiais, sabíamos que, nesse momento, as forças do capital e do estado não eram atacadas por punks, arruaceiros ou adolescentes enfurecidos, em suma, por delinqüentes de rua sem um sentido político, em meio aos grupos atacantes víamos por toda parte bandeiras vermelhas e negras e escudos e máscaras antigás com os distintivos AIT-IWA".

E, para que fique bem claro que não se trata de uma ultrapassagem genérica, da destruição da propriedade privada, como a que faz precisamente o proletariado contra todas as forças burguesas, mas só contra a direita, acrescenta quase em tom de desculpa: "Este não é nosso estilo de trabalho; [...] mas frente ao fato de que 10000 políticos e economistas estão no Congresso no centro de Praga negociando e planificando a miséria e a morte de milhares de pessoas, isso era talvez a única coisa que podíamos fazer. São os políticos e os capitalistas que devem se envergonhar pelos danos materiais e pessoais, não os valentes revolucionários do bloco rubro-negro que demostraram na rua Lumir que Seattle já não é válido como símbolo; eis aqui o novo: Praga!"

Tudo isso nada tem a ver com uma internacional revolucionária contra o capital, cujo ABC seria, pelo contrário, colocar em evidência o papel que jogam a direita e a esquerda do capital; demonstrar que atacar o Fundo Monetário Internacional sem atacar seus complementares da ATTAC contribui em últimas instância para fortalecer o inimigo do proletariado; que só tem sentido falar de internacional revolucionária a partir de uma prática organizada fora e contra as manifestações socialdemocratas. A internacional revolucionária de que necessita o proletariado para triunfar contra o capital não pode nunca ter a pretensão de atacar o capital enfrentando só uma fração dele, pois isso não faz mais do que fortalecê-lo a longo prazo.

Sim, é claro, que se trata de definir os objetivos da maneira mais precisa possível. Trata-se de afirmar a luta do proletariado contra o capital e o estado sem esquecer a socialdemocracia, que é a parte dele especialmente destinada para nos domesticar. Encontramos grupos proletários em Seattle, Praga, Buenos Aires... que levantam este tipo de palavra de ordem, mas a falta de autonomia política e organizativa do proletariado faz reaparecer, inclusive nos setores em ruptura, velhas palavras de ordem sindicalistas, que, por mais que cacarejem contra o capital, fazem o seu jogo. O slogan "mais intenso" na tal coluna blue, em Praga, segundo disse Wohlmuth, era: "Contra o capital, trabalho anarco-sindicalista!".

Mais ainda, o que nós proletários necessitamos é desenvolver um associacionismo de classe, afirmar hoje o centro do programa revolucionário, que nada tem a ver com sindicatos (chamem-se anarquistas ou não!), a luta pela revolução proletária internacional, a questão central da luta contra o poder do estado, a luta por sua destruição, pelo poder revolucionário do proletariado, a questão da insurreição proletária, da ditadura contra o mercado e a taxa de lucro. Falar de internacional revolucionária sem esses elementos básicos nos parece não só contraproducente, mas diretamente farsante, e sustentamos que isso só serve a reação. Que alguns façam isso conscientemente e outros queiram dessa maneira fazer avançar a revolução, lamentavelmente não muda as coisas!

Acerca da crítica das falsas rupturas: ruptura proletária contra o centrismo

Antes de continuar a crítica das falsas rupturas, que sempre é importante para nossa classe, devemos voltar a situar esta questão no contexto atual da correlação de forças entre as classes. Em todo esse espetáculo de cimeiras e manifestações coloridas, o proletariado é, como vimos, o principal convidado a aplaudir e marchar nos cortejos oficiais.

Como a impostura é demasiado grosseira, porque quem pretende se situar, com esses espetáculos, na cabeça dos protestos são as mesmas figuras, as mesmas estruturas e os mesmos programas socialdemocratas. E, ainda que consigam domesticar muitos (sempre há e haverá carneiros!), o proletariado ultrapassa e tende, na medida em que se torna autônomo, a se situar totalmente fora e contra essas missas cidadãs.

Mas essa ruptura não se opera da noite para o dia. Todas as afirmações da mesma são ainda parciais, e é essa parcialidade da ruptura de nossa classe que permite a diferentes frações da socialdemocracia reinterpretá-las, recanalizá-las e, sobretudo, impedir que a ruptura seja total. Obviamente, essas frações, que tomam pontos decisivos da crítica comunista e dizem defender a revolução, tentam por todos os meios continuar aferrados ou dependentes sob a palmatória socialdemocrata. Esse é o papel clássico das frações que os revolucionários definem como centristas, porque, apesar de retomarem pontos fundamentais do programa revolucionário, fream o salto de qualidade indispensável que consiste precisamente em se situar fora e contra toda organização capitalista.

Tanto ontem quanto hoje, contra o velho revisionismo e oportunismo da socialdemocracia, que sustentavam que o desenvolvimento do capitalismo seria cada vez mais favorável aos proletários e que, portanto, deveria-se banir a revolução e adotar a evolução (38), se desenvolve o centrismo. Retomando uma crítica proletária contra a socialdemocracia, que opõe ao reformismo aberto essa luta revolucionária contra o capital e o estado, o centrismo atua parecendo assumir as mesmas bandeiras, mas se opõe ao chamamento a constituir um partido à parte, fora e contra a socialdemocracia; um partido contraposto às eleições, ao parlamentarismo, o sindicalismo, o frentismo... e que leve às últimas conseqüências a guerra social contra o capital e o estado. Neste sentido, ainda que o centrismo retome aspectos centrais da crítica proletária, na medida em que não só não leva esta crítica a suas conseqüências necessárias, mas se opõe com todas as suas forças a isso, não deixa de ser parte da socialdemocracia e constitui assim o último baluarte do capital.

Por natureza, o centrismo é oscilante entre as bandeiras revolucionárias que levanta e a política de impedir a ruptura com a socialdemocracia histórica, daí que muitos considerem que se encontram suspensos entre as classes. Mas, na realidade, a política oscilante realizada em nome do proletariado não está, nem pode estar, no meio de nada, mas freia a constituição do proletariado em força e cumpre um função objetivamente contra-revolucionária; constitui de fato uma fração extrema da socialdemocracia.

Nos cenários atuais contra as cimeiras, a necessária ruptura proletária se choca com um conjunto de ideologias presentes em muitos grupos e organizações, que, apesar de falar de luta contra o capital e o estado, impedem a mesma. São essas barreiras centristas que queremos denunciar.

Anticapitalismo? Contra o estado?

Diante da raiva proletária contra as cimeiras e anticimeiras, frente ao caráter ridículo e timorato da crítica da ATTAC e outras estruturas socialdemocratas - que em tudo são cúmplices das outras -, milhares e milhares de proletários, durante essas manifestações (e não apenas aí), opuseram a esta crítica burguesa o ABC da crítica de nossa classe. Dezenas de grupos nos cinco continentes, centenas de folhetos, pedradas, molotovs, panfletos e artigos denunciam as críticas que os socialdemocratas fazem do Fundo Monetário e do Banco Mundial, e contrapõem a elas a luta contra o capital e o estado. Mas não basta dizer que se é anticapitalista para lutar contra o capitalismo, não basta se dizer anarquista ou comunista para lutar contra o estado. Quando se vai ao conteúdo mesmo dessa crítica, pode-se constatar, por um lado, muita confusão no que isso significa e, por outro, uma ideologização de um conjunto de pseudo-rupturas que de fato constitui uma posição centrista que impede a verdadeira ruptura proletária e sua prática insurrecionalista.

Assim, há toda uma moda "anticapitalista"; muitíssimos grupos e organizações se chamam de "anticapitalistas", mesmo que, em sua prática, muitas vezes constatamos que unicamente denunciam as multinacionais, os monopólios, o capital financeiro, o "imperialismo" (39), determinado país ou o Fundo Monetário Internacional e outras instituições similares; o que, na realidade, é um apoio apenas dissimulado da ideologia de humanização do capitalismo da socialdemocracia. O "anticapitalismo" deste tipo tampouco é novo, é também uma velha história socialdemocrata. Desde a época de Marx havia todo tipo de ideologias anticapitalistas, de socialismos, que aquele já denunciava como socialismo burguês e pequeno-burguês. Foi mais tarde que a socialdemocracia teorizou que "o capitalismo, agora, é monopolista e imperialista" (40) e pode justificar desta maneira o oportunismo e o reformismo, contribuindo à guerra imperialista em nome de um capitalismo mais democrático.

Hoje está cheio desses anticapitalistas burgueses, que invariavelmente defendem um estado burguês contra outro. Mais ainda, também aqui vemos frações inteiras da burguesia internacional que sempre apoiaram, com o conto do socialismo, a política capitalista e imperialista do bloco russo, quando não foram diretamente parte do próprio estado russo, e que agora estão tratando de se reciclar. Entre elas se encontram muitos setores esquerdistas que sempre falaram de anticapitalismo, para melhor defender, no confronto imperialista, uma fração contra outra. Por exemplo, na Guerra do Golfo, em suas contradições "com os ianques" , não apoiavam o proletariado, mas o partido baasista, a guarda republicana e Saddam Hussein.

Do nosso ponto de vista, é imprescindível denunciar essas posições como faz, muito corretamente, um folheto difundido no Canadá em abril de 2001, assinado "Libertários": "Mas muito mais insidiosa, porque se encontra próxima de nós, andando no nosso passo, é esta nova tendência para o extremo da cidadanização respeitável: se trata, é claro, de todo esse movimento que se proclama "anticapitalista", "anti-autoritário", "autogestionário" e Tutti quanti. Abaixo o novo anticapitalismo: o capital!"

A essa ala radical, que conhece muito de retórica anticapitalista e maneja bem as declarações de princípios, estaríamos tentados a responder: Continuem tagarelando, papagaios! (41). De fato, eles culpam o capital financeiro, as corporações, é o velho antiimperialismo que volta pela porta dos fundos. O socialismo pueril de ontem se transformou num anticapitalismo de qualidade, complementado por uma exigência de democracia total. Todas as separações capitalistas são magnificadas como identidades reais a salvaguardar e promover (sexo, idade, raça, nacionalidade, papéis sociais ou econômicos, minerais, vegetais e cosmos, a lista é infinita...). Esta ala turbulenta mescla bem timidamente o jargão de seus mais veneráveis mestres, mas só para acusá-los de traição. Além do mais, atua em geral como tropa de choque dos partidos e sindicatos, que por sua vez, se servem deles como espantalhos.

Parece-nos sumamente adequada a crítica que estes companheiros "libertários" realizam da ideologia da afinidade, tal como está na moda atualmente, que, ao invés de impulsionar o proletariado a se unir com base na homogeneidade de interesses, perspectiva e projeto social, fortalece todas as divisões e separações do capital, magnificando-as como identidades reais a salvaguardar: cultura, sexo, raça, idade, região... e até, às vezes, crenças, opiniões, religiões... Até a música da moda pode ser um critério de afinidade, mas o agrupamento com base nisso só pode separar os proletários em células desenvolvidas pela sociedade burguesa, quando do que se necessita é romper com todas essas células e desenvolver uma força homogênea contra o capital (42).

Expressões contraditórias da ruptura proletária

Mas esse "anticapitalismo", tipicamente burguês e esquerdista, coexiste ainda (mesmo que lutemos contra essa coexistência) com uma crítica profunda da socialdemocracia, que denuncia seu papel burguês, que está expressando, bem ou mal, a incipiente e difícil ruptura que o proletariado leva adiante contra a socialdemocracia em escala internacional. Esta ruptura é, evidentemente, dificultada, obstruída, por essa ideologia esquerdista da socialdemocracia, que também está em pleno processo de reciclagem de lixo e se tinge de "anticapitalismo" e "anti-estatismo".

Em alguns casos, as rupturas proletárias são claras e demarcatórias; em outros, encontram-se ainda impregnadas dessa ideologia esquerdista dos anos sessenta e setenta, por onde continua retornando pela porta dos fundos o marxismo-leninismo, o trotskismo, o castrismo, o guevarismo, o antiimperialismo burguês e a conciliação de todo esse coquetel sob a moda de libertário.

Para expressar essa contradição, escolhemos como exemplo o Manifesto dos jovens anticapitalistas contra o Fórum Social Mundial (ver quadro).



---------------------------------

Manifesto dos jovens anticapitalistas contra o Fórum Social Mundial

De Seattle, passando por Washington, Londres, Milão, Melbourne, Seul, Praga, até Nice, uma e outra vez dezenas de milhares de jovens anticapitalistas vêm denunciando, com a ação direta, os grandes monopólios e os organismos internacionais como o FMI, Banco Mundial, OMC, e União Européia. Essas instituições são as responsáveis pela exploração de milhões de trabalhadores, pela destruição do meio ambiente e por colocar milhares de pessoas nas mais baixas condições de pobreza. A denúncia desses jovens anticapitalistas é muito clara quando gritam pelas ruas do mundo que o "capitalismo mata, matemos o capitalismo" e "abaixo o FMI".

Agora, aqui, em Porto Alegre, no Fórum Social Mundial, as ONGs, as burocracias sindicais e as direções de partidos institucionalizados, trocam o conteúdo da luta dos jovens anticapitalistas pela reacionária política de "humanização do capital". Humanizar o capitalismo com os ministros franceses que perseguem imigrantes, que são parte do governo que, junto com a OTAN, bombardeou a Iugoslávia, matando milhares de pessoas e que reprimiu os anticapitalistas em Nice; humanizar o capitalismo junto com os banqueiros e multinacionais; humanizar o capitalismo junto com governos que, como o do PT, continuam pagando a dívida, reprimiram a greve dos professores, no Rio Grande do Sul, e a ocupação do MST [Movimento Sem Terra] a um prédio público federal em Porto Alegre; reprimem, diariamente, os camelôs e os sem-teto em ocupações urbanas portoalegrenses e continuam dando dinheiro às multinacionais.

Na verdade a estrela [se refere à estrela que é o símbolo do PT, Partido dos Trabalhadores, de Lula] que dirige essa prefeitura e governo, que se dizem democráticos e populares, interessados na eleição de 2002, resolveram servir de tubo de ensaio para uma nova forma de gestão do capitalismo sustentada numa socialdemocracia (43) que permite a exploração burguesa e agrada a classe média com encenações de democracia, como o Orçamento Participativo, que visa a impedir o protesto pela cooptação dos movimentos populares. Completam este quadro os demais partidos de "esquerda", que mesmo criticando essa política, capitulam em vez de um questionamento mais contundente.

Humanizar o capitalismo é utópico e reacionário. Por isso, jovens anticapitalistas do Acampamento da Juventude, nos sentimos parte do movimento anticapitalista e solidários com os jovens que, em Davos, denunciam o Fórum Econômico Mundial. E dizemos que: O Fórum Social Mundial é um engodo dos que querem desviar a luta anticapitalista para a política de colaboração de classe e eleições, continuando a aplicação da miséria do capitalismo. Por isso, nós realizamos nossas próprias oficinas encaminhando a construção de uma rede nacional anticapitalista sob o grito de: "Abaixo o Fórum Econômico Mundial, FMI, Banco Mundial e OMC", para os quais o Fórum Social Mundial não é uma alternativa, "Abaixo o Plano Colômbia!", "Viva a Intifada Palestina!", "Não ao pagamento da dívida externa!", "Não às privatizações!".

O capitalismo mata, matemos o capitalismo. Cabe à juventude, os trabalhadores e o povo pobre, anticapitalistas, fiéis ao espírito de Seattle, Nice, Praga e Davos, impedir que a intervenção anticapitalista seja distorcida e utilizada por seus inimigos. (44)

---------------------------------

Tal documento faz uma crítica proletária do Fórum Social Mundial organizado, como vimos, pela socialdemocracia em Porto Alegre. Por toda parte, deixa claríssimo que "outro mundo é possível... slogan dominante na anticimeira de Porto Alegre, só destruindo o capitalismo". Parece-nos muito importante que este ponto decisivo se concretize também na denúncia dos partidos e sindicatos da socialdemocracia, por sua prática social cotidiana repressiva e antiproletária, particularmente dos partidos socialdemocratas brasileiros, como o partido dos Trabalhadores desse Walesa brasileiro que é Lula. Deste manifesto, vale a pena destacar também a denúncia frontal que faz da ideologia, tão presente nas cimeiras e anticimeiras, de humanizar o capitalismo, assim como do fato de que o capitalismo é que mata e que, portanto, é preciso matar o capitalismo.

No entanto, tal manifesto, apesar de constituir uma contribuição à crítica deste mundo (é por isso que o publicamos!), talvez por ser o resultado de um grande número de grupos com programas políticos diferentes, é confuso e denota a falta de ruptura, em outros pontos. Através dos exemplos que damos a seguir, afirmamos a crítica que o proletariado faz e impulsionamos o aprofundamento da ruptura com a socialdemocracia e suas expressões centristas. Tentaremos fazer estas críticas chegarem aos diversos grupos que assinam o texto.

* Não se fala de proletariado contra o capitalismo, mas de "jovens anticapitalistas" (e até de "povo pobre"), o que é uma concessão à moda (e de povo, à socialdemocracia frente populista!).

* Vê o FMI e o Banco Mundial, a OMC e União Européia como responsáveis pela "exploração de milhões de trabalhadores", o que é uma típica concessão ao antiimperialismo e o antimonopolismo socialdemocrata dominante no FSM de Porto Alegre. Não são estas instituições "as responsáveis" pela exploração, como a socialdemocracia quer nos fazer crer, mas o próprio capitalismo, todas as empresas capitalistas, grandes, pequenas ou médias, as burguesias de cada país, sejam estes grandes, médios ou pequenos (45).

* É dito "Viva a Intifada Palestina " e não a luta do proletariado na Palestina contra o capital e o estado. Fala-se como se na Palestina não houvessem as mesmas contradições de classe de todos os lugares, o que, ligado ao ponto anterior, resulta problemático. Essa palavra de ordem na Palestina não é classista; pior ainda, é que ela exalta a burguesia da OLP e dos estados nacionais árabes (como a Líbia). No Brasil ou em qualquer parte do mundo não pode tampouco, e pela mesma razão, ser uma palavra de ordem proletária. Pelo contrário, a mesma favorece à burguesia, assim como seus aliados imperialistas e até a política torturadora de tal região, que também apoia a "Intifada palestina".

* São levantadas palavras de ordem típicas de lutas de frações interburguesas como: "Não ao pagamento da dívida externa" (46), que, como explicamos, é uma negociação entre frações do capital internacional. O não pagamento da dívida externa não alteraria em nada a taxa de exploração e, portanto, não melhoraria o futuro do proletariado. Só beneficiaria à burguesia nacional. São os governos de direita e de esquerda, mais uma vez, que pretendem que nossa miséria se deve ao "nosso estado" e "nossa burguesia" estarem endividados; são eles e toda concepção socialdemocrata que sempre pretendem nos convencer de que a dívida não é dos burgueses, mas do "povo deste ou daquele país".

"Não as privatizações", como se o fato de o capital mudar de mãos aumentasse ou diminuísse a miséria de nossa classe! É a socialdemocracia que sempre sustentou que a estatização do capital melhora a situação da classe operária! Como se nos países onde o capital é juridicamente mais estatal houvesse menos miséria, como sustentam as frações leninistas, trotskistas e stalinistas da socialdemocracia!

É evidente que em todos estes pontos que criticamos encontramos como denominador comum o fato de que a crítica revolucionária do capital está ainda impregnada de uma crítica "antiimperialista", terceiromundista, ou seja, de uma crítica burguesa. Em todos eles encontramos reivindicações da socialdemocracia, apesar da pseudo-radicalização:

* a socialdemocracia fala de povo; aqui, de povo pobre;

* a socialdemocracia concentra toda responsabilidade no livre-cambismo e nas políticas do FMI, do Banco Mundial...; aqui se diz que o capitalismo mata, mas estas instituições são consideradas responsáveis pela exploração;

* a socialdemocracia sempre apoiou as libertações nacionais e, portanto, a guerra imperialista; aqui se apóia a "intifada Palestina" e não o proletariado em luta contra o capitalismo na Palestina (contra o estado de Israel, contra o da OLP, contra o capital e o estado enquanto tais);

* a socialdemocracia, como a direita, sempre apresentou a dívida dos burgueses como um problema de países, para buscar a solidariedade dos proletários com os burgueses de cada país; aqui é aceita a questão da dívida como um problema de todos e não só dos burgueses, e se reivindica o "não pagamento da dívida", o que só serve para mobilizar o proletariado em apoio a essa ação de não pagamento que sustentam algumas frações das burguesias nacionais e internacionais que se beneficiam diretamente com isso, mas com o que o proletariado não tem nada a ganhar;

* enfim, continua opondo as privatizações às estatizações e defendendo estas últimas, defendendo o estado capitalista frente ao capital privado; é a clássica posição socialdemocrata, tão cara aos marxistas leninistas, de defesa da estatização jurídica dos meios de produção (47).

É certo que alguns destes pontos, como os dois últimos, foram abandonados por amplos setores da socialdemocracia por oportunismo. Mas isso não outorga aos mesmos nenhum caráter proletário, nem sua defesa faz avançar um só centímetro (senão ao contrário) a luta contra o capital e o estado.

Destruição da mercadoria?

É lógico que os revolucionários retomem hoje a crítica que o proletariado sempre fez da mercadoria; que as lutas do proletariado hoje tendam a assumir, de forma cada vez mais clara, o objetivo de destruir a sociedade mercantil.

Mas, muitas vezes, essa tendência é compreendida e propagandeada de forma totalmente imediatista, pretendendo-se destruir o mundo mercantil e o império da mercadoria com base em ações como as efetuadas em Seattle.

Assim, o Chamado por um Black Block na Cimeira das Américas do 20 a 22 de abril de 2001 dizia: "Um espectro ronda a América, o espectro do casseur (48) anarquista. Sua máscara negra bem conhecida, feita necessária pelo desenvolvimento vertiginoso da vigilância eletrônica, é hoje reconhecida como o símbolo do terrorismo social, que nos parece, mais do que nunca, um imperativo humano e um dever moral. Os casseurs e causseuses de Seattle, esperamos, abrirão a via da destruição do império mercantil. Atacando o próprio coração da fortaleza norte-americana, que ninguém imaginava tão frágil, o objeto de culto moderno capitalista, quebrando as vitrines que refletem nosso estatuto de consumidores e consumidoras fiéis; aqueles e aquelas que assumem a revolta (49) deram o único conteúdo libertador possível à luta contra a mundialização dos mercados. De golpe, uma luta que parecia se encerrar definitivamente no precipício do compromisso servil, que nos apresentam há sessenta anos os mesmos sindicatos colaboradores e as mesmas burocracias da subcontratação estatal comunitária; de cara, tal luta se faz perigosa... Ao atacar diretamente os objetos postos na vitrine, os casseurs e casseuses de Seattle não fizeram mais do que saciar seus desejos de possessão desses produtos, demasiado amiúde inacessíveis, que a publicidade nos faz desejar como o máximo da felicidade. Eles e elas atacaram sobretudo o objetivo principal para o qual tende todo sistema de opressão atual; elas e eles atacaram a principal realização de nossa sociedade: a mercadoria."

O proletariado, em todas essas ações, expressa de forma elementar sua crítica à sociedade burguesa e, de passagem, também contra todos os programas que propõem um capitalismo mais humano, e é correto afirmar que a mesma expressa incipientemente a contraposição proletária ao mundo da propriedade privada e da mercadoria. Mas imaginar que assim se destrói a mercadoria ou que esta é a via para fazê-lo é fechar totalmente os olhos para a perspectiva revolucionária; é confundir uma ação totalmente limitada e de protesto elementar com a revolução.

A apropriação e/ou destruição das mercadorias particulares é um ato elementar de toda revolta proletária. Como ataque à propriedade privada e como ato de protesto, sempre foi parte de toda revolta, mas não é um ato de destruição da mercadoria. A mercadoria não pode ser destruída atacando fisicamente a coisa, mas é preciso destruir seu outro polo, o valor; não se pode aboli-la atacando sua imediatez como objeto, para aboli-la é imprescindível destruir a forma social da qual é essencial. Entre essa forma elementar de mostrar repulsa pelo capitalismo e a destruição do capitalismo falta nem mais nem menos que o fundamental: a própria revolução social, a insurreição proletária, a ditadura revolucionária do proletariado, a destruição despótica do mercado, da "igualdade, liberdade e fraternidade" que lhe são inerentes, a demolição da propriedade privada, da democracia, da lei do valor e, com isso, e de forma absolutamente imprescindível, a organização da produção social em função das necessidades humanas (50).

Poderá ser dito que se fala simbolicamente, que se quer reivindicar uma direção, que isso é o que se quer transmitir quanto à destruição da mercadoria (51). Entretanto, não é assim, o cego otimismo e imediatismo é evidente e contraproducente quando se afirma: "Nós anarquistas (não todos os casseurs e as casseuses!) em revolta, ou simplesmente cidadãos responsáveis, quebraremos tudo no nosso caminho. E pela manhã varreremos os vidros quebrados e as mercadorias que transformamos em projéteis, fazendo-as, dessa maneira, ao menos uma vez, úteis, serão as ruínas da opressão que serão varridas".

Imaginar que se pode varrer as ruínas da opressão sem uma revolução social, que se pode destruir o capitalismo sem revolução, sem ditadura revolucionária, é tão utópico, por mais pedras que se atirem, por mais mercadorias e vitrines que se destruam, como imaginar um capitalismo mais humano, como dizem os da ATTAC e/ou os burgueses do fórum de Porto Alegre. É a mesma ilusão imbecil de pretender destruir a polícia metendo porrada em algumas centenas ou dezenas de representantes da ordem. Não, e mil vezes não, o capitalismo, em seu funcionamento normal, sempre destruiu e destrói (em geral, para impedir a desvalorização desse tipo de mercadoria em particular) permanentemente mercadorias, sem que isso afete em nada a mercadoria: liquidação e queima de estoques, destruição durante guerras... Muito pelo contrário, a destruição particular de uma mercadoria afirma sempre o mundo da mercadoria e da valorização.

Enfim, sustentar que o proletariado finalmente descobriu, à base do que se chama "ação direta", durante essas cimeiras e anticimeiras, a via atual do internacionalismo proletário ou que temos entrado, com base nessas ações, como já dizem alguns grupos, num enfrentamento direto entre a internacional capitalista e a internacional revolucionária, é não só desconhecer totalmente o funcionamento do capitalismo, mas do próprio programa da revolução, da estratégia revolucionária, e conduz inevitavelmente a fazer confusão, desempenhando um papel centrista (ao impedir a ruptura necessária) no movimento proletário.

Simplesmente, para reafirmar como esse tipo de ideologia ativista leva a "esquecer" aspectos fundamentais do programa revolucionário, citemos mais uma vez esse chamado pelo Black Block, que pretende lutar contra o capital, o estado e o patriarcado, e que, no entanto, diz num texto intitulado Abaixo os reformistas: "A ordem social deveria se fazer pela solidariedade de interesses e a livre associação, e não pela opressão de idéias e pessoas. O estado, inclusive se está composto por pessoas "eleitas", está também formado por funcionários. Deve-se compreender que esses funcionários não existem por necessidade, mas como resultado da ausência de democracia em nosso sistema".

Ou seja, que nem sequer critica a democracia, mas atribui os males do estado à ausência de democracia, como faz qualquer tipo de reformista. Dirão que esta posição socialdemocrata não é compartilhada por muitos dos militantes organizados nesse movimento chamado Black Block, e estamos certos de que é assim, o lamentável é que sobre questões tão decisivas e centrais do programa socialdemocrata, como a famosa denúncia da ausência de democracia, possa haver posições tão contrapostas. É uma conseqüência inevitável da ideologia libertária, do livre pensamento. Para nós, pelo contrário, a crítica à socialdemocracia é a chave da crítica do estado burguês. Não é reivindicando mais democracia que se destrói o estado, mas, pelo contrário, abolindo prática e autoritariamente a famosa democracia, por mais pura que ela seja (52).

Comunização?

Outra ideologia, supostamente nova, é a que hoje se denomina "comunização". Diz-se, por exemplo, no mesmo volante que citamos anteriormente por sua válida crítica ao pseudo-anticapitalismo e assinado por "libertários": "Para tender à produção de novas relações sociais, os ataques contra o capitalismo devem conter já uma comunização da luta e das relações que se derivam dela. Não há nenhum projeto positivo, nenhuma afirmação proletária possível no interior do capital".

É evidente que estamos de acordo em que na luta contra o capital devemos desenvolver relações novas e que não pode haver nenhuma afirmação proletária possível no interior do capital. O problema é essa "palavrinha", que em alguns meios pseudo-revolucionários virou moda: "comunização"; como se o comunismo fosse se fazendo pouco a pouco, como se o comunismo pudesse se desenvolver sem destruir o capitalismo antes, como se o comunismo pudesse surgir sem demolir o capitalismo de cima a baixo, como se o mercado capitalista pudesse desaparecer sem o exercício de um despotismo humano contra o mesmo. No fundo, esta teoria tampouco é nova. Desde o início e, particularmente nas primeiras décadas do século XX, também setores da socialdemocracia desenvolveram a mesma teoria, só que a chamavam de "socialização"; a sociedade se "socializaria" pouco a pouco.

É claro que os defensores da teoria da "comunização" considerarão ofensivo este paralelismo e protestarão dizendo que se trata de algo muito diferente. No entanto, na prática, nos dois casos, está se introduzindo uma concepção gradualista e negando abertamente o próprio salto qualitativo da insurreição revolucionária, da ditadura contra a taxa de lucro e o valor, sem o qual falar de socialização ou comunização é desenvolver a confusão e servir à reação.

Por outro lado, a ideologia da "comunização" atual surge de um grupo que nunca rompeu com a socialdemocracia, com o leninismo, nem com o eurocentrismo: Theorie Communiste. Típico grupo eurocentrista, para o qual tudo o que se passa na Europa é feito pelo "proletariado", e tudo o que acontece longe, é feito pelas massas populares (chegando ao extremo de qualificar a revolta proletária no Iraque, em 1991, de "sublevação popular"!), sustenta abertamente que o que houve na Rússia, na época de Lenin, foi a ditadura do proletariado, quando, para os revolucionários internacionalistas, é claro que tal ditadura foi contra o proletariado e, mais concretamente, a velha ditadura capitalista, como temos demostrado nos diferentes trabalhos efetuados por nosso grupo a respeito (53). Com tais bases (que associam o programa proletário ao programa ao desenvolvimento do capitalismo defendido por Lenin) e a teorização segundo a qual a questão da transição revolucionária estaria historicamente superada, porque o programa do proletariado teria sido realizado pelo capital (54), consideram que o proletariado poderia negar a si mesmo e realizar o comunismo, (e isto é abertamente revisionista!) sem se fortalecer como classe e impor sua ditadura. Por mais linda e atrativa que possa parecer esta teorização, não fica nada clara a questão essencial da própria revolução, da insurreição e da ação revolucionária e ditatorial de destruição da sociedade burguesa. Como o proletariado pode se negar, a não ser se constituindo em força? Não, não dentro do capitalismo, como pretende a socialdemocracia, mas organizando-se fora e contra ele. Organizando-se fora de suas estruturas, parlamentares, sindicais, contra os cortejos e manifestações de carneirinhos, constituindo-se em força contraposta a tudo isso. Só se constituindo em força internacional, em partido revolucionário de destruição do mundo burguês, o proletariado pode, nesse mesmo processo, se autonegar e destruir o capital e o estado. Fazer crer que o mundo pode se "comunizar", se não é pela potência organizada do proletariado em partido, é colaborar com todo espectro político esquerdista burguês, que se empenha em negar justamente o mais importante: a ruptura violenta e total da ordem capitalista por meio da revolução; o salto de qualidade, a conspiração revolucionária e a insurreição, a organização internacional do proletariado em partido comunista, sua obra destrutiva de toda a sociedade burguesa. Sem isso, falar de comunismo é utópico e reacionário.

Se o que molesta os companheiros "libertários" que escreveram esse volante é a terminologia clássica dos revolucionários de luta pelo partido revolucionário, pela ditadura revolucionária do proletariado ou por um semi-estado proletário..., que empreguem a terminologia que queiram, mas que não renunciem ao essencial: a luta insurrecional, a destruição pela violência do capitalismo. Muitos revolucionários, de Bakunin a Flores Magón, utilizaram terminologias diferentes, como ditadura dos irmãos internacionais, ditadura da anarquia, ditadura dos conselhos operários e até "partido liberal", mas não renunciaram ao principal, e por isso foram consequentemente revolucionários: a necessidade da concentração da violência revolucionária, a necessidade da luta armada revolucionária, a necessidade de liquidar pela violência, de classe contra classe, o capitalismo.

Pelo contrário, o que ocorre nesse meio não é uma questão de palavras; com essa fábula de comunização sem ditadura revolucionária do proletariado estão realmente renunciando à revolução social (55).

Ação direta?

Historicamente, frente a socialdemocracia - força burguesa de contenção e canalização da luta proletária que baseia sua estratégia na representação e a mediação nos sindicatos, parlamentos, eleições, apoio a delegados e líderes políticos... -, o proletariado contrapôs sempre a ação direta. A ação sem intermediários, nem delegados, a ação direta protagonizada por todos, na greve, na manifestação, na ocupação da rua, na violência revolucionária, na insurreição, na ditadura revolucionária. Essa ação é, claro, direta, porque para protagonizá-la não é preciso mediações, delegações e, neste sentido, é a contraposição histórica da ação democrática, da vida cidadã.

Hoje, em Davos, Seattle, Praga... alguns grupos de militantes enchem a boca de ação direta e a assimilam simplesmente à ação violenta na rua, como se fossem sinônimos.

Entretanto, uma vez mais, embora a violência seja uma característica necessária da ação direta, ela não é suficiente para que se possa falar corretamente de ação direta. Quando o proletariado historicamente contrapõe sua ação direta ao parlamentarismo, ao sindicalismo, ao eleitoralismo... da socialdemocracia, ele protagoniza uma ação que não tem nenhum tipo de mediação, delegação, eleição de representantes, e que ao mesmo tempo é generalizável e reproduzível em todos os lugares e por todos os proletários.

Ou seja, a chave da ação violenta na rua, para ser direta, no sentido histórico da palavra, é que não se baseie em delegações e seja potencialmente realizável pelos proletários onde quer que estejam. A chave da ação direta que contrapomos à socialdemocracia é precisamente que qualquer grupo proletário pode protagonizá-la onde quer que esteja, contrapondo-se, por essa prática, à delegação, à mediação, que é um elemento chave da democracia e, portanto, de toda dominação política burguesa.

Em troca, a ação direta que se reivindica em Seattle, Praga, Davos... não é precisamente essa, mas a que mistifica a própria violência como sinônimo de ação direta, ainda que, na prática, para realizá-la, seja necessário enviar delegados para esse centro onde se desenvolveria a ação direta por excelência.

Atenção, o que afirmamos não é que a ação que se leva adiante nesses eventos não seja parte da ação direta do proletariado. É óbvio que é. O que criticamos é que muitas das organizações presentes não impulsionam a ação cotidiana de luta aqui e agora e em todos os lugares (o capital está por toda parte), mas magnificam seu próprio ativismo e sua própria "ação direta" que levam a esses palcos como a mais válida de todas. A mistificação de Davos, Seattle, Praga..., como centros decisivos do capital, junto ao fato de que se atribui a esses enfrentamentos características semi-insurrecionais, que, como vimos, não têm, faz com que tais grupos considerem que a "ação direta" por excelência é ir lutar contra capitalismo ali, nos mesmos lugares e seguindo o mesmo calendário dos congressos burgueses, como se isso fosse a essência da ação direta contra o capitalismo mundial; como se todas as outras fossem locais e menos importantes. Esquecem que, além dos proletários desses lugares que saem à rua para enfrentar esse tipo de cimeira, o que obviamente estimulamos, quem pode ir a conferências para desenvolver a "ação direta" na rua não pode ser mais que um punhado de militantes, de delegados do proletariado de diferentes países, e que, portanto, continua mantendo uma mediação. Por mais que esses delegados atirem pedras e molotovs, isso não mudará o fato de que se trata de uma mediação, na qual pretendem que a maioria do proletariado se sinta representada, como diz o sindicalista citado anteriormente "para que os pobres do mundo vejam..." que na Europa há sindicalistas... que o representam!

Evidentemente, é importante que o proletariado de cada país onde se realizam essas festas capitalistas vá à rua e ataque com toda sua raiva esses eventos, e também que outros grupos de proletários de outros países colaborem na organização de tais ações nesse país e, mais ainda, que as organizem (e/ou coordenem e centralizem a organização) também em outros lugares. Não é isso que criticamos, a coordenação e a organização além das fronteiras é fundamental na formação e fortalecimento da comunidade de luta que destruirá o capital.

O que afirmamos é que a maioria dos proletários de outros países não pode, nem tem nenhum interesse em ir a tais eventos, e que, portanto, esta não pode ser a perspectiva, contrariamente ao que publicam todos os tipos de grupos centristas, que já medem os próximos triunfos em função dos milhares de ativistas ou das centenas de ônibus que irão à próxima cimeira.

Os que vão a tais eventos não podem ser mais do que uma pequena minoria que tem condições muito especiais para isso: condições de trabalho excepcionais, tanto em tempo livre quanto em remuneração, para os deslocamentos. Em alguns casos, grupos de centenas de proletários e militantes revolucionários fazem um enorme esforço para enviar algumas dezenas de militantes a tais eventos, mas é evidente que em geral só os aparatos sindicais e os partidos políticos preparados para funcionar por delegação e que são fundamentais na dominação democrática podem se permitir tais deslocamentos permanentemente. Logo, não há o que estranhar se, nas ruas das cidades onde tais eventos ocorrem, predominam, além dos policiais e serviços secretos de muitos países, os delegados políticos e sindicais.

Não, mil vezes não, a ação direta proletária é a de todos os dias contra os patrões, contra a burguesia que está diante de nós, contra os partidos e os sindicatos que querem nos enquadrar. Sim, é preciso generalizá-la, sim, é preciso fazê-la mundial, sim, é necessário coordená-la, sim, é preciso fomentar o intercâmbio militante entre países, sim, é preciso lutar juntos por toda parte contra o capital mundial, mas imaginar que quanto mais forem ao mesmo lugar será melhor, é um absurdo. O proletariado mundial não se concentrará numa única cidade porque não se trata de destruir a mercadoria em determinada cidade ou país, mas no planeta inteiro e, para isso, não se trata de enfrentar a polícia de um país, mas de destruir o poder burguês por toda parte.

É nefasto e contraproducente para o movimento crer que os proletários do mundo irão de forma cada vez mais massiva se expressar contra essas conferências até liquidar o capitalismo. Mais do que se iludir estupidamente, isso é deturpar o próprio conceito de ação direta. O proletariado combativo não irá a essas manifestações burguesas por mais que o convidem, no máximo irão alguns grupos que o representam e os delegados sindicalistas que pretendem representa-lo. Inclusive, o interesse dos grupos revolucionários que vão não é fazer a apologia da "ação direta" que esses representantes desenvolvem, mas, pelo contrário, centralizar a ação direta do proletariado que devemos impulsionar em todos os lugares.

Interesse proletário e ideologia centrista

Resumamos alguns aspectos da contradição entre o interesse proletário e a ideologia centrista. O interesse proletário é a unificação programática e a descentralização operativa, a unidade de direção e perspectiva revolucionária e - simultânea e contraditoriamente - a ação em todos os lugares contra o mesmo inimigo.

Mas a ideologia dominante, inclusive entre os grupos em ruptura com a socialdemocracia, parece incentivar precisamente o contrário: que concentremos todas as forças em tal parte do globo, em tal dia e tal hora (e o pior, seguindo os ditames das cimeiras e anticimeiras), mas que politicamente cada um faça o que quiser, que cada grupo se constitua segundo suas afinidades, que cada qual se unifique segundo suas idéias (e, evidentemente, nada de centralização).

O interesse do proletariado é um só e mundial, e só pode se impor unindo-se contra todas as divisões produzidas pela sociedade do capital, cuja lei é a luta de todos contra todos. Mulheres, velhos, crianças, desempregados, árabes, negros, mineiros, operários agrícolas, "estudantes", jovens, asiáticos, latino-americanos, europeus, africanos, amarelos, "sem terra", habitantes das favelas, cortiços, subúrbios e periferias, alunos..., independente do que crêem, pensem ou lhes tenham feito crer e pensar, todos têm o mesmo interesse em abolir a sociedade burguesa.

Mas a ideologia dominante usa qualquer coisa para impor as divisões de raça, sexo, cultura, religião, etnia... e inclusive entre os grupos em ruptura ainda predomina a ideologia da liberdade e da afinidade, que, em vez de desenvolver a unidade proletária, repercute em nome da especificidade, a liberdade de cada um e de cada local, todas as separações da sociedade burguesa e conclama a constituir tantos agrupamentos quantas divisões o capital impôs, não só de cultura, raça, religião... mas de gostos e costumes, como os aficionados de tal música, os homossexuais, os protetores de animais, os colecionadores de latas de Coca-Cola...

O interesse da revolução comunista é repor na ordem do dia a crítica do capital até os seus fundamentos, a destruição do trabalho assalariado, da mercadoria, do estado... e, para isso, por como sempre no centro a questão do poder, da necessidade da insurreição proletária, da destruição do estado.

Mas a ideologia que predomina é que cada um imagine as mudanças que quiser e faça sua crítica ao capitalismo, que cada grupo elabore seus planos e se agrupe por afinidades..., como se fosse possível destruir o capitalismo sem a destruição do poder armado da burguesia, como se houvesse mil e uma maneiras de destruir a formação social burguesa, como se todos estes séculos de enfrentamentos de classe não tivessem delimitado na prática o que é revolucionário e o que é contra-revolucionário.

O interesse da revolução comunista é a ação proletária em todos os lugares contra o capital mundial, a ação direta contra a burguesia e o estado que se tem adiante (56), a generalização desse enfrentamento contra o capital e o estado mundial.

A ideologia que predomina, inclusive em muitos dos grupos proletários em ruptura com a socialdemocracia que centram sua atividade nessas cimeiras e anticimeiras, é fazer o maior esforço no envio de ativistas a essas manifestações.

O interesse proletário é a ruptura total e irreversível com a socialdemocracia e todo seu programa: ruptura com a democracia, com o imperialismo, com o terceiro-mundismo.

A ideologia dominante, em nome da liberdade, estimula uma unidade sem princípios, sem programa, sem rupturas claras, que algumas vezes recai nas redes da socialdemocracia que incentiva o apoio crítico da democracia.

O interesse proletário é a organização como força, como potência internacional, coordenando e centralizando programaticamente as ações de todos os lugares.

Quanto mais descentralizada for a ação e mais centralizada a direção, mais potência de luta terá o proletariado (57).

A ideologia ativista defende, pelo contrário, a descentralização política e a centralização operativa; nenhuma unidade de direção e todos no mesmo palco.

Mas o movimento do proletariado é um só

Entretanto, o movimento do proletariado mundial, nosso movimento, é um só, tenham ou não consciência disso os protagonistas em cada caso; saibam ou não que lutam pelo mesmo objetivo os que entraram em Quito pelejando, como os que quebraram vidraças em Seattle, ou os que agora estão enfrentando o estado burguês na Argélia, e poderíamos acrescer, provocativamente, os sem terra do Brasil, os desertores e derrotistas revolucionários do mundo inteiro e os "anticapitalistas" e "antiestatistas" que constituem pequenos grupos para combater nas barricadas o capitalismo.

Mas nenhum desses movimentos, que explodem separadamente, é consciente de até que ponto é o mesmo movimento de abolição das condições existentes. O proletariado ainda não se reapropriou como classe nem de sua experiência, nem de sua força. Em outros artigos explicamos as razões dessa generalizada inconsciência de classe que hoje caracteriza o proletariado; em muitos deles esclarecemos as razões históricas disso: o triunfo da contra-revolução no século XX e o conseqüente encobrimento de toda a história da luta revolucionária.

Neste artigo, optamos por nos concentrar nas barreiras atuais que impedem o proletariado, em suas diferentes expressões internacionais, de se sentir uma só classe revolucionária, para terminar com o tema do "que fazer", do "aqui e agora". Para isso voltemos aos exemplos de Equador e Seattle, como paradigmas da atual separação existente entre movimentos, que parecem totalmente diversos.

Apesar da separação existente e da inconsciência de que se trata de um mesmo movimento, é evidente que num e noutro caso o proletariado luta contra os mesmos inimigos e, em certa medida, os mesmos limites ideológicos. Em ambos os casos, o confronto com o capitalismo, a separação que se dá no terreno, tendendo a se organizar fora e contra sua fração socialdemocrata, não é teorizada nem assumida praticamente de forma permanente, por isso, a mesma, quando o movimento deixa a rua, volta sempre, ainda que de muitas maneiras diferentes, a impedir o avanço das lutas.

Porém, a ruptura com a socialdemocracia e a consciência do movimento do proletariado mundial como um só movimento é o mesmo problema. É só fazendo essa ruptura permanente e organizada, levando até as últimas conseqüências a crítica aqui desenvolvida, que o proletariado de todos os lugares irá reconhecendo a si mesmo. E, reciprocamente, só se reconhecendo como um mesmo movimento, organizando-se como tal em escala internacional, o proletariado poderá assumir a ruptura com a socialdemocracia de forma permanente. Só assim, cada ação direta do proletariado em qualquer parte se reconhecerá nas outras como a afirmação do mesmo ser orgânico e poderá se dotar de uma verdadeira direção internacional; só assim fará sentido falar de combate histórico entre a internacional do capital e a internacional revolucionária.

O que fazer?

O objetivo da análise da correlação de forças não é, para nós, a contemplação do mundo "tal como é"; pelo contrário, esta análise é para os revolucionários a base da ação subjetiva. Não se trata de descrever o mundo, mas de transformá-lo.

De Equador a Seattle, estamos todos no mesmo barco, todos na mesma sociedade capitalista e lutando como podemos contra ela. Trata-se de uma comunidade de luta que se afirma e se demarca.

Nós estamos profundamente implicados em ambos os tipos de movimento, através do mundo, lutando para que cada expressão de luta do proletariado assuma a contraposição a todo o capital e, conseqüentemente, a consciência de pertencer ao mesmo movimento mundial de abolição do capital e do estado. É evidente que, quando dizemos nós, não nos referimos somente ao nosso pequeno grupo formal, mas às minorias revolucionárias organizadas que, contracorrente, lutam pela constituição do proletariado em classe e, portanto, em partido em escala mundial, e que, contra a moda e os eternos inventores do "neo", que dizem que isso está superado, não têm medo em afirmá-lo.

O desenvolvido aqui é ao mesmo tempo centralização do debate que cresce no seio dessas minorias revolucionárias e parte da ação delas, que, mal ou bem coordenadas entre si, lutam, da Albânia à Bolívia, da Rússia ao Irã..., contra a corrente para afirmar essa força única do proletariado mundial. A denúncia da socialdemocracia que realizamos neste texto e que gritamos em qualquer assembléia ou barricada é parte dessa mesma comunidade de luta. A crítica sem contemplações do ativismo e do centrismo efetuada por nossos companheiros nas cinco partes do mundo, também.

Mas isso não nos impede de afirmar consignas na gestação da direção que o proletariado necessita. O que fazer então para impulsionar a reunificação do proletariado, conjuntamente à sua ruptura com a socialdemocracia? De onde pode vir um salto de qualidade nesse sentido?

Em princípio, pode vir de todas as partes. A generalização geográfica de um movimento como o que se desenvolveu no Iraque há alguns anos, Albânia ou Equador pode ser decisiva nesse salto de qualidade. Se eles não se estenderam mais, foi pela incapacidade do proletariado em outros lugares de se identificar com ele e tomar o mesmo caminho. No entanto, num período que se caracteriza pela inexistência de associações permanentes de proletários em escala mundial, só a coordenação e a centralização das minorias comunistas nas regiões em luta aberta com as de outras partes do mundo poderá dar continuidade a esse movimento e tender a unificar a sua direção.

Isto é, inclusive nesse caso, a ação voluntária e consciente das minorias revolucionárias será decisiva. Concentremo-nos então no que é que estas precisam fazer.

E, mais concretamente, devemos impulsionar essas idas massivas às cimeiras e anticimeiras "para enfrentar o capital e o estado" ou, pelo contrário, devemos nos organizar de outra maneira e impulsionar outra perspectiva?

Ainda que reconheçamos esse movimento proletário de ruptura contra as cimeiras e anticimeiras como nosso movimento, defendemos no interior do mesmo, por todo o exposto aqui, a palavra de ordem de se organizar fora e contra as cimeiras e anticimeiras, e desenvolver nossa força de outra maneira, em outras datas e, tanto organizativa como politicamente, com total autonomia com relação à direita e à esquerda do sistema.

Mas nos dirão: como então internacionalizar o movimento? Como unificar a luta, a não ser concentrando nossas forças num lugar, num dia determinado?

Apesar de todas as críticas efetuadas, consideramos fundamentais essas tentativas de organização de minorias para a ação direta, que pelo momento dependem dessas cimeiras e anticimeiras; mas dentro da mesma defendemos a perspectiva de decidir os momentos, as datas nas quais por toda parte os proletários saem à rua para enfrentar o capital, o que irá afirmando a consciência de pertencer à mesma classe, que tem exatamente os mesmos inimigos em toda parte, como foi o primeiro de maio! Como continuamos lutando para que volte a sê-lo! A respeito, deve-se assinalar que diferentes grupos e organizações que vão rompendo com o ativismo estéril e contraproducente que viemos criticando e que se opõem a "ir todos a tal cidade em tal data", já propõem se organizar de outra maneira e sem depender dos calendários das cimeiras.

Mas entenda-se bem que isto deve se efetuar numa ruptura total com todo espetáculo ativista que se montou nos palcos das cimeiras e anticimeiras. Não deve se tratar nunca, como pretendem os sindicalistas, de "mostrar aos pobres e moribundos proletários do mundo", mediante a televisão, que "aqui na Europa, há gente valente". Não se deve partir dessa separação entre os "moribundos", por um lado, e "os que sabem", por outro; de consagrar o dualismo entre "os que não podem fazer nada" e os "ativistas" que lutam em determinado evento, como a mentalidade do espetáculo desenvolve.

Pelo contrário, em cada ação desse tipo defendemos que ela deve tender a se organizar em todos os lugares, que se pode levar adiante em todos os pontos do planeta, mesmo onde nunca se reunirão as cimeiras e onde a socialdemocracia jamais organizará anticimeiras. A ação direta se contrapõe totalmente à lógica do espetáculo. O espetáculo mostra os atores e paralisa os espectadores, que, quando muito, aplaudem, e leva a um enfrentamento espetacular entre especialistas da repressão e especialistas da mudança social.

A ação direta da vanguarda proletária é, pelo contrário, a que impulsiona a sua reprodução por toda parte. O salto de qualidade neste sentido é a ruptura com esse conceito de solidariedade que expressa no fundo um conceito fundamentalmente caritativo, e que nasce da educação judaico-cristã: atua-se pelos pobres e os moribundos de longe. Pelo contrário, nós revolucionários dizemos abertamente que nada fazemos pelos "pobres do mundo", porque nós mesmos somos em todos os lugares explorados e oprimidos pelo mesmo sistema social; porque temos por toda parte os mesmos interesses e os mesmos inimigos; porque somos a mesma carne e mesma luta histórica dos explorados de sempre contra todos os sistemas de exploração e opressão. A revolução social não é uma necessidade de um ou outro grupo de ativistas, mas do proletariado mundial.

Tampouco temos que mostrar algo, e muito menos na televisão ou na Internet (mesmo que utilizemos algum meio de comunicação) , mas, pelo contrário, praticamos em toda parte o tipo de ação direta que é perfeitamente reproduzível pelo proletariado em todos os lugares.

Um avanço decisivo, que impulsionamos, é que os militantes e revolucionários do mundo, que hoje se definem por sua luta contra o capital e o estado, que sabem da importância histórica que tem a ruptura com a socialdemocracia (a organização em força, fora dela e contra ela), que em vez de juntar forças para ir às cimeiras e anticimeiras, nos concentremos no tempo mas não no espaço. Por considerá-lo muito mais forte e eficaz do que enviar "todos" a determinada cidade, por considerá-lo de acordo com a ação direta e porque estimula sua reprodução em todos os lugares, defendemos a coordenação para atuar tal dia e tal hora em todos os países contra os mesmos objetivos. Já existe embrionariamente em diferentes lugares uma tendência revolucionária que estimula isso. Na Espanha, por exemplo, nessas jornadas que chamam "jornadas de luta social ou jornadas anticapitalistas" já se expressa, de forma minoritária, uma tendência a definir outros objetivos, fixar outras datas, desenvolver outras formas de luta que não sejam a luta contra as cimeiras, nem o espetáculo ativista.

Mas o salto de qualidade necessário consiste em que essa potência de luta que se objetiva exclusivamente como manifestações contra as cimeiras e anticimeiras se assuma como parte do mesmo movimento do proletariado no Equador, Albânia, Indonésia... e que, quando amanhã acontecer outra explosão dessas, saibamos concentrar nossas forças para afirmar a solidariedade com a mesma. Mas não a solidariedade do espetáculo, não a demonstração de que aqui se fazem coisas pelos "moribundos" proletários do mundo acolá. Mas, pelo contrário, fortalecermo-nos em todos os lugares, generalizando o movimento proletário que ocorre num país; saindo à rua e enfrentando a burguesia e o estado que temos diante de nós para afirmar praticamente que somos o mesmo movimento de abolição da sociedade burguesa, que temos exatamente os mesmos objetivos pelos quais o proletariado está lutando nesse país, que nesse momento está em plena efervescência contra o sistema social burguês.

Com efeito, a maior desgraça dessas explosões proletárias em diferentes partes do mundo, como repetimos em cada ocasião, em todas as nossas publicações, nos diferentes países e idiomas, é precisamente seu isolamento, que a burguesia continua atacando caso a caso, país por país, o proletariado e que, quando essas respostas proletárias se desenvolvem, os proletários de outros países nem percebem a luta que aqueles desenvolvem. E insistimos que foi a burguesia mundial contra o proletariado de cada país. Com efeito, a debilidade da ação proletária, por exemplo, nos países europeus e nos Estados Unidos, permitiu que a OTAN pudesse intervir alegremente, sem um derrotismo revolucionário conseqüente em seus países de origem, para desarmar e reprimir o proletariado insurrecto na Albânia. E o pior é que toda essa força proletária que se expressa contra as cimeiras e anticimeiras, pela ideologia ativista dominante, nem sequer é consciente de que nossa força é também aquela, e que aqui e agora se pode impedir que o proletariado fique só enquanto a burguesia recebe apoio incondicional de seus pares.

Se há algo fundamental em toda essa luta contra os eventos das cimeiras e anticimeiras, é que muitos proletários se organizam querendo enfrentar o capitalismo mundial, que se consegue concentrar forças, que se consegue combater ao mesmo tempo o mesmo inimigo, que já há minorias que, em nome da revolução, vão à rua para afirmar o internacionalismo proletário e que se volta a discutir o como e o que fazer. O importante é também que as questões centrais da luta proletária, da destruição do capitalismo e do estado, do como, quando e a estratégia, voltam a ser terreno da polêmica.

Mas ainda não somos capazes de dirigir bem essa força que conseguimos concentrar, ainda não somos capazes de impedir que o suborno e a porrada liquidem o movimento em determinado país no maior e mais triste isolamento.

Utilizemos essa força capaz de manifestar, irromper, atacar a burguesia e o estado em cada país, fazendo-o coincidir com o movimento explosivo de algum outro país para impedir que se isole; levantemos nessas lutas a bandeira revolucionária de unificação da luta contra o capital; mundializemos a realidade e a consciência de nosso movimento; desenvolvamos a força única do proletariado internacional.

Assumamos então essa tendência histórica do proletariado a se reconstituir e se reconhecer como classe, a afirmar seu programa revolucionário, a se constituir em força, em partido mundial de destruição do capitalismo.

Notas:

Neste texto, denominamos "cimeiras" as reuniões de diferentes organismos internacionais do capital mundial que suscitam os protestos proletários. Denominamos "anticimeiras" todos os protestos oficiais organizados pela esquerda burguesa, por seus partidos e sindicatos oficiais, consistam eles em manifestações de rua, em cimeiras paralelas, assim como reuniões ou fóruns alternativos.
Ver: La catástrofe capitalista, em Comunismo nº 32.
Ver a respeito: Avante os que lutam contra o capital e o Estado!, em Comunismo nº 4 (português).
Ver nosso artigo: Características gerais das lutas da época actual, em Comunismo nº 4 (português).
Tampouco se deve crer que dizer que são novas as velhas coisas seja novidade. Neste sentido, a pretensão burguesa de produzir tantas idéias quanto mercadorias percorre, pelo menos, todo século XX: idéias modernas, economistas neoclássicos, neoclassicismo, nova onda, new age...
É difícil imaginar os truques e as piruetas ideológicas que esses marxistas leninistas devem ter usado para explicar como a passagem do "capitalismo ao socialismo" requer uma revolução violenta e como a passagem inversa não a requereu.
O de esquerdista, como o de esquerda, não tem na realidade uma base objetiva, mas é algo totalmente ideológico e muda em função das regiões. Assim, por exemplo, na América Latina, a defesa fanática do stalinismo e do castrismo passa ainda por uma política de esquerda, enquanto que nos países do leste europeu, é assimilado ao fascismo e, em geral, à extrema direita.
Postulados do terrorismo de estado burguês, que se fazem universais a partir de então.
Uma explicação mais detalhada das contradições gerais entre as frações capitalistas pode-se encontrar em Comunismo nº 46, tanto na apresentação geral da revista, quanto no artigo La guerra en los Balcanes y la agudización de la lucha entre los estados burgueses, nesse mesmo número.
Claro que, como veremos, ela também se complica aqui, porque o proletariado ultrapassa todas essas tentativas de enquadramento socialdemocrata e desenvolve sua ruptura também em Seattle, Washington, Praga...
Não queremos, nem pretendemos aqui criticar os companheiros revolucionários que chamam a si mesmos de libertários ou anarquistas. Temos explicado suficientemente nossa posição a respeito, que não depende de nenhuma denominação ou ideologia, e, nas próximas publicações, explicaremos mais globalmente a relação entre comunismo e anarquismo. Do que se trata aqui é de combater a ideologia dominante, que se baseia, na realidade, no famoso livre pensamento burguês, a divisa "cada qual ou cada grupo que faça o que quiser", no indivíduo e na famosa "liberdade de crítica" que teve uma enorme influência nos eventos de Seattle, Davos, Porto Alegre..., e que acompanha sempre a ideologia ativista e imediatista, constituindo em todos os casos um freio à necessária organização do proletariado em força política unificada, capaz de se dotar de uma direção única para a ação e preparação insurrecional.
A título de exemplo, o Fórum Social Mundial de Porto Alegre, de que falaremos depois, foi organizado por todas estas organizações, quase todas internacionais, e contou com o apoio nacional do Partido dos Trabalhadores, do Brasil, a Central Única dos Trabalhadores desse mesmo país, e a representação oficialista do Movimento Sem Terra, também do Brasil.
O imperialismo é um fenômeno muito anterior à data em que a socialdemocracia o fez célebre. O capitalismo sempre foi imperialista e a luta imperialista entre as classes dominantes para se apropriar das forças de produção precede inclusive o capitalismo como modo de produção. Se a socialdemocracia e o marxismo-leninismo em particular (incluídas, é claro, todas as formas de stalinismo, trotskismo, maoísmo e castrismo) fizeram do imperialismo um fenômeno novo, foi para justificar todas as mudanças oportunistas em sua política em nome precisamente de que as coisas teriam mudado. Assim, a renúncia da luta contra o capitalismo e sua substituição pela luta contra o imperialismo (confundido em geral com determinado país) constituiu a norma geral.
Síntese textual do programa efetuada no número dedicado ao Fórum Social Mundial, sob o título do mesmo, Es posible otro mundo, por Hika (P.K. 871, 48080 España ou hikadon@teleline.es).
Mais adiante, o leitor entenderá porque dizemos "tratando de impor sua ação direta" e não assumindo sua ação direta.
Já dissemos que crer que o futuro do capital mundial é decidido principalmente nesse tipo de conferência é uma mitificação, o que evidentemente não implica que os burgueses não devam se centralizar formalmente para realizar acordos, tentar delinear planos e impor políticas econômicas mais uniformes, como as que caracterizam o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Por sua parte, a burguesia de cada país utiliza cada vez mais tais alinhamentos e as negociações e exigências com essas instituições para justificar toda política de aperto de cintos. Daí a "natural" raiva proletária contra tudo isso, e que em cada país também se enfrente cada missão desses organismos ou cada pacote de medidas que queiram implementar.
O que está entre aspas não são exageros nossos, mas fruto das paixões virtuais dos próprios protagonistas de Porto Alegre e o extraímos de forma textual de diferentes informes de participantes desse Fórum, em particular do número dedicado, pela revista Hika, ao Fórum Social Mundial já citado na nota 14.
Alguns companheiros que leram este texto antes de levá-lo à imprensa diziam que não podíamos criticar Hebe Bonafini, lutadora proletária de anos, em especial agora que leva uma dificílima luta contra a corrente e contra a recuperação democrática de uma fração das Madres. Digamos simplesmente que o objetivo não é esse, mas denunciar o espetáculo burguês contra-revolucionário que se faz, e lamentamos muito que alguém tão admirável por sua luta como Hebe Bonafini tenha se prestado a isso. Nosso interesse é, como dissemos em todo o texto, chamar militantes como ela a não se fazer cúmplices da socialdemocracia e do espetáculo da contestação, a se situar fora e contra eles. Deixemos muito claro que para a pseudocontestação socialdemocrata vem muito a calhar que haja militantes históricos revolucionários como Hebe Bonafini para mostrar a cara radical do Fórum de Porto Alegre e a "antiglobalização", dirigida pela ATTAC e o resto. O frentepopulismo sempre utilizou militantes proletários para afirmar seus interesses: em 1936, na Espanha, a Frente Popular, que logo liquidou a revolução social, se afirmou também graças a militantes como Durruti, que contra a posição histórica dos revolucionários chamou a votar pela Frente Popular.
O extrato pertence a um folheto assinado pelo Movimento Anticapitalista Revolucionário (Ap. de Correos 265, 08080, Barcelona, Espanha) que expressa bem e sem papas na língua a contraposição real entre burguesia e proletariado. Entretanto, não podemos deixar de assinalar que isso de "juventude proletária" (em vez de falar de proletariado) é uma concessão à moda. Nesse documento, se recomenda para "uma informação verdadeira do ocorrido em Nice..., a leitura do Boletín de Contrainformación de Barcelona, ano III, nº 144".
Quando ocorreu a cimeira de Washington, foi publicado que se gastaram 32 milhões de dólares em segurança! Não temos nem idéia do que inclui tal cifra e muito menos do que, tendo sido publicado, não se inclui na mesma "por razões de segurança".
Veja em nosso número anterior: La eco-guerra ya se encuentra en el mercado!, Comunismo nº 46, página 53.
Claro que dentro dessa política geral pode haver matizes, como o regime de Sadam Hussein, no Iraque, ou o de Chávez, na Venezuela, mas, repetimos, não são comparáveis a um fenômeno generalizado e muito mais duradouro como foi o stalinismo.
Porque a catástrofe capitalista continua e continuará se intensificando, e voltar a roda da história para trás é uma utopia reacionária. Só destruindo o capital a humanidade pode construir outro mundo, que evidentemente não terá nada em comum com o capitalismo de décadas passadas.
Ver sobre o movimento proletário no Equador em Avante os que lutam contra o capital e o estado!, em Comunismo nº 4 (português). A comparação que fazemos pode ser válida se em vez desse país se toma qualquer outra grande revolta proletária, como a da Venezuela, Albânia, Iraque...
Nosso interesse não é a separação desses movimentos, mas insistir no conteúdo único do movimento do proletariado e na necessidade de sua centralização revolucionária. Entretanto, no momento, a separação e a distinção existem; o desconhecimento, inclusive entre os próprios protagonistas (de um e outro exemplo), de que se trata de um único movimento é tão grande que consideramos pertinente insistir nas diferenças e até levar as tendências que existem num ou noutro caso à sua expressão extrema (apresentando as diferenças de forma muito mais pura do que como se dão na realidade), para que seja possível expô-las. Com efeito, essa análise das diferenças mais extremas permite, ao mesmo tempo, o desenvolvimento da crítica companheira diferente no interior de cada uma de suas expressões, e simultaneamente mostrar que estamos diante de um mesmo movimento. A caricatura seguinte permite compreender a metodologia: se disséssemos que o movimento no Equador parte da miséria econômica e o de Seattle, da consciência política, ficaria evidente que tal separação é uma caricatura, mas esta pode nos ajudar a vislumbrar as ações diferentes num e noutro caso, ao mesmo tempo em que ajuda a compreender, ou, melhor dizendo, a assumir que se trata de um mesmo movimento, como se insiste no final deste artigo, do movimento social pela abolição do capital. Se não fizéssemos assim e só insistíssemos em que tudo é um só movimento, que tudo é o mesmo, o que é verdade em última instância, seria quase impossível realizar uma explicação baseada na comparação como a que desenvolvemos aqui.
A socialdemocracia, o marxismo-leninismo, o anarco-sindicalismo falam de passagem do econômico ao político ou de transformação das lutas imediatas em lutas históricas, como se as mesmas fossem de natureza diferente, e, em geral, atribuem tal mudança à contribuição da consciência ou da ação política do partido. Para nós, que recusamos tal separação (ver as Tesis de orientación programáticas, GCI, números 15, 31, 32 e 33), trata-se da generalização das reivindicações imediatas. Isto é possível porque as próprias contradições de classe contêm sua generalização, pois toda luta contra as condições concretas de exploração, contra as medidas burguesas de austeridade (aumento da taxa de mais-valia), ainda que a mesma se desenvolve num só lado, contêm a luta contra a sociedade de exploração. A ação política dos elementos de vanguarda não é o determinante deste salto, pelo contrário, é o desenvolvimento dos interesses do proletariado, que não pode obter a vitória em nenhuma luta particular, que não pode obter satisfação em nenhuma reivindicação particular e que tende, inclusive contra a intervenção dos ativistas políticos, a se generalizar em luta contra o capital e o estado. Em geral, como dissemos na tese número 15 (ver idem), o salto qualitativo se concretiza na superação das organizações que expressam reivindicações parciais (organizações de trabalhadores, associações classistas, comitês de fábrica...) e a passagem a organizações territoriais onde se encontrem todos os proletários, mulheres e homens, empregados e desempregados, velhos e crianças... como os conselhos operários, os comitês de abastecimento, as assembléias de uma ou várias cidades.
Já em meados do século XIX, Marx criticava a pretensão de que um movimento seria mais global pelo fato de ser mais político e se basear na vontade política revolucionária, e mostrava que, pelo contrário, a rebelião proletária, mesmo que acontecesse num só distrito, contêm a totalidade. Ver, a propósito, a discussão com Ruge: Notas críticas al artículo 'El Rey de Prusia y la reforma social. Por un prusiano'.
Conscientes ou não, os proletários que assumem e reivindicam a ação violenta minoritária estão rompendo com a democracia, mesmo que ela se chame "democracia operária"; estão assumindo o fato de que a ação revolucionária não tem nada em comum com as consultas democráticas ou os congressos, que o proletariado só pode se constituir em força, coordenando e centralizando as diferentes expressões que assumem, sem nenhuma consulta prévia, as diferentes tarefas revolucionárias. É através desse processo, dessa afirmação da comunidade de interesses e de luta, que o proletariado vai se reconstituindo como classe, e portanto se organizando em partido, oposto a todos os partidos existentes.
Uma crítica dessa ideologia tal como se apresenta hoje pode ser encontrada no texto Abandona o ativismo, publicado em inglês, em Reflections on June 18. Contribution on the politics behind the events that ocurred in the city of London on June 18, 1999. Edit. Collective, outubro de 1999. Existe versão em castelhano. O texto tem várias contribuições interessantes, no entanto devemos assinalar que seus autores têm uma concepção ideológica e intelectualista na medida em que não analisam o ativismo como parte da prática social do proletariado internacional, de suas forças, suas debilidades (e portanto da correlação de forças em relação ao capital), como um produto objetivo do movimento, mas exclusivamente como o produto subjetivo dos "ativistas", e mais ainda na medida em que realizam essa crítica sem apresentar nenhuma contraproposta revolucionária, sem reivindicar a atividade revolucionária específica que caracterizou sempre as frações mais decididas do proletariado, sem reivindicar a necessidade da organização revolucionária internacionalista.
Nós não retomamos nunca a palavra "princípios" para definir nosso movimento histórico, porque o mesmo não parte de princípios. Recorde-se que a primeira formulação do que depois seria o Manifesto do Partido Comunista, de 1847, efetuada por Engels, levava o título de Princípios do comunismo, e que os próprios Marx e Engels consideraram inadequada esta formulação.
Ver Falso recurso al activismo, en Invariance, número 3.
Claro que se poderá dizer que a classe explorada sempre atua determinada pela classe que domina, que o capital é o sujeito desta sociedade e que o proletariado só pode aparecer como negação. Se bem que isto é verdade, no caso analisado não estamos diante de uma reação espontânea e generalizada do proletariado frente a um ataque burguês, onde, embora este último determine a ação também pelo ataque, não sabe nunca como reagirá, quando decidirá sua ação, nem que tipo de ação desenvolverá. Pelo contrário, no caso das cimeiras, este último também está totalmente determinado e inclusive se conhece publicamente de antemão.
Extratos de panfletos de companheiros, conversações e cartas recebidas.
"Radicalizar", no sentido imediato e errôneo que utiliza a maioria desses grupos, na realidade pseudo-radicais, significa dar um caráter violento ao cortejo socialdemocrata, ultrapassar com a "ação direta" (ver, mais adiante, a crítica desta utilização do termo "ação direta") a missa da ATTAC, mas que no fundo se opõem à única política que interessa ao proletariado, que é a de se situar fora e contra essa manifestação contra-revolucionária. Para nós, radicalizar quer dizer, pelo contrário, ir à raiz, lutar para destruir as próprias raízes da sociedade burguesa, ou seja, para destruir seus fundamentos, a mercadoria, o valor, o trabalho assalariado..., "pequenas questões" programáticas das quais esses grupos nem falam.
Este é um dos grandes problemas do proletariado. A socialdemocracia não deve ser criticada por ter desvios, mas por ser parte do capital; não deve ser denunciada como pacifista, deve ser enfrentada pela violência revolucionária porque seu pacifismo não é mais do que um elemento ideológico para aplicar melhor sua violência contra-revolucionária (recordar que a socialdemocracia sempre usou a violência... contra a revolução).
A "ação direta", com tanta mediação, também se transforma numa caricatura!
Eis aqui a grande preocupação da burguesia, em especial, a partidária da libertação nacional, expressa por um jornalista francês: "[...] Os jovens em Cabila não crêem em nada, só crêem na violência, não lhes interessa em absoluto o independentismo, as organizações independentistas fazem o possível, mas não conseguem controlá-los".
Bernstein queria suprimir o "hegelianismo" em Marx, porque lhe incomodava tudo isso de transformação da quantidade em qualidade, da transformação da evolução da contradição em revolução..., e seu "blanquismo", porque o horrorizava ainda mais a questão de que aquela revolução proletária implicava necessariamente a conspiração revolucionária e a insurreição. Hoje também é moda no movimento esta tendência a evitar a ruptura, o salto de qualidade, a revolução, a insurreição.
O "antiimperialismo" é, na realidade, sempre a defesa do capitalismo imperialista. Ser antiimperialista sem ser anticapitalista não só é um absurdo, porque todo capitalismo é necessariamente imperialista, porque todo estado (é imperialista, pois), ao mesmo tempo que assegura a exploração e opressão de "seu" proletariado, representa no campo da luta imperialista uma fração burguesa contra outra, mas de fato é pró-capitalista. Isso se traduz na oposição exclusiva a determinada fração, determinada instituição (OTAN, FMI, BM, como antes o Pacto de Varsóvia) ou determinado país, o que de fato é capitalista e, por acréscimo, totalmente imperialista.
A essência do capitalismo é invariante. Todas as oposições entre fases de capitalismo competitivo e monopolista, de livre concorrência e imperialista, só serviram como cobertura ideológica do oportunismo, para sua defesa do "bom lado" do capitalismo: "democracia", industrialização, e, na realidade, a tal ou qual bloco na guerra imperialista.
É difícil traduzir do francês esta expressão: cause toujours, mon lapin.
A organização do proletariado em força histórica requer uma estruturação totalmente antagônica a essas divisões burguesas. Tanto mais rica será uma organização proletária, quanto mais saiba juntar em suas células proletários de culturas, sexos, origens, idades, raças, práticas anteriores... diferentes e superar as barreiras e os compartimentos que o capital nos impõe, para a reformação da comunidade humana mundial.
O que terão visto de novo!!!
Assinam este folheto as seguintes organizações: Juventude em Luta Revolucionaria, Jornal Espaço Socialista, Comitê Marxista Revolucionário, Anarko-Punks, Movimento Che Vive (RJ), Coletivo pela Universidade Popular (Porto Alegre), Secretaria Estadual de Casas de Estudantes de Goiás, Grupo Cultural Semente de Esperança, Ação Global por Justiça Local, Resistência Popular - RJ/PA, Núcleo Zumbi Zapatista - Abc Paulista, Estratégia Revolucionária, Socialismo Libertário -Brasilia, Federación Anarquista Uruguaya, Ação Revolucionária Marxista (RJ), Frente de Luta Popular, Juventude Avançar na Luta, Liga Bolchevique Internacionalista, Agrupación En Clave ROJA, Espaço Popular. Endereço para contato: gnilock@hotmail.com.
Considerar que estas instituições são as que exploram é evidentemente uma revisão, uma falsificação do próprio conceito de exploração como explicamos noutra parte deste mesmo artigo
Ver nosso artigo La cuestión de la deuda: basta de versos, em Comunismo nº 19, e Deuda externa: las fantasías sin salida, em Comunismo nº 21, e nos Cuadernos para pensar y actuar, revista editada na Argentina
O que se chama erroneamente de capitalismo de estado, como se o capitalismo mudasse de natureza pela estatização jurídica, que não coincide necessariamente com a real concentração, centralização e estatização econômica do capital, tal como expusemos em reiteradas ocasiões.

Decidimos não traduzir este termo e deixá-lo em francês, porque qualquer uma das traduções propostas tem um significado social ainda mais pejorativo que em francês. A palavra casseur, casseuse, vem de casser, ou seja, "quebrar", e significa literalmente "quebradores" e "quebradoras". A imprensa burguesa utiliza outros como destruidores, vândalos, arruaceiros, delinqüentes, kaleborrokas (termo usado no País Basco)...

No original francês de que traduzimos se diz: les emmeutières et emmeutiers, literalmente "as revoltadas e os revoltados". Além de nossa recusa da moda do politicamente correto da esquerda em geral, de pôr cada sujeito em feminino e masculino ou com a @, pretendendo assim mostrar que os autores se opõem assim (!) ao patriarcalismo da sociedade capitalista, devemos assinalar que, não pondo esses sujeitos em função dos sexos, não quisemos nunca distorcer o conteúdo, quando decidimos traduzir por: "as e os que assumem a revolta". Também seria possível traduzir como "amotinadas" e "amotinados", mas isto faz referência a um tipo de revolta particular, um motim, que nos parece também inadequado.

Em diferentes insurreições proletárias, como na Alemanha, em 1919, ou na Espanha, nos anos trinta, os revolucionários, quando impunham a violência de classe numa cidade, queimavam, por exemplo, o dinheiro, em seu combate para destruir o dinheiro e o capital. Mas é claro que estamos num caso totalmente diferente; tratava- se de um ato simbólico em pleno desenvolvimento insurrecional da revolução.

Sem obviamente entrar aqui em todas as confusões que estes "anarquistas" aceitam da ideologia dominante. Um único exemplo basta: dizer "contra a mundialização dos mercados" implica um leque muito grande de concessões à ideologia do novo da socialdemocracia.

Seria impossível citar aqui todos os nossos trabalhos de crítica à democracia que põem em evidência que a mesma é a chave da dominação capitalista. Só mencionaremos dois: em Comunismo nº 1 (português): Contra a democracia: contra o mito dos direitos e das liberdades democráticas, e em Comunismo nº 32 (espanhol): Memoria obrera: La mitificación democrática.

Ver nossa série de trabalhos sobre o período de 1917 a 1923, e, em particular: Comunismo nº 15 e 16 (espanhol): Rusia, contrarrevolución y desarrollo del capitalismo, em especial os artigos La concepción socialdemócrata de transición al socialismo e Contra el mito de la transformación socialista. La política económica y social de los bolcheviques y la continuidad capitalista; e em Comunismo nº 17 e 18, em especial o artigo La política internacional de los bolcheviques y las contradicciones en la Internacional Comunista.

Citemos uma pérola de tal concepção que não requer nenhum tipo de comentário: "De todas as formas, o programa de proletariado teria sido realizado pelo capital! A república democrática universal existia: era a ONU (Organização das Nações Unidas) mais o FMI (Fundo Monetário Internacional). O desenvolvimento das forças produtivas também: as cadências infernais mais a alimentação".

Não consideramos pertinente nem importante entrar em outras elocubrações de Theorie Communiste, porque é um grupo de iniciados que redefiniu tudo e uma discussão a respeito implicaria longuíssimos esclarecimentos terminológicos. Digamos simplesmente que os aspectos mais sobressalentes deste grupo, como a teoria da superação do programatismo, a superação histórica da transição, a teoria da autonegação do proletariado sem sua afirmação como classe, se baseiam em utilizar como sinônimo de "programa", o programa da esquerda da socialdemocracia; como concepção da transição, a leninista, como afirmação do proletariado, a afirmação do poder dos bolcheviques na Rússia... Se, pelo contrário, definimos aqueles termos em função da crítica comunista contra os bolcheviques (crítica reiniciada durante a Terceira Internacional pelo que se chamou Esquerda Comunista Alemã, italiana..., e em geral internacional), toda essa construção baseada nos conceitos socialdemocratas não apresenta absolutamente nenhum interesse.
Luta de sempre, que durante a guerra, se concretiza no derrotismo revolucionário. Ver Invarianza de la posición de los revolucionarios frente a la guerra. Significado de la consigna de siempre de «derrotismo revolucionario», em Comunismo nº 44.

Centralização da direção, direção centralizada não quer dizer nunca (mesmo que a antiautoritária ideologia dominante grite ao céu!) chefetes, burocracia ou regime de quartel, como temos invariavelmente no capitalismo e no estado capitalista, e até nos grupos marxistas-leninistas ou nos libertários. Muito pelo contrário, por mais descentralizada que seja a ação, que o proletariado revolucionário saiba para onde deve se dirigir o movimento; que cada parte do movimento saiba onde concentrar suas forças e como golpear, inclusive simultaneamente o inimigo; que cada parte ou fração local do proletariado mundial atue como parte de um mesmo corpo. Isso é o que os revolucionários denominam "centralismo orgânico", em contraposição ao centralismo democrático do capitalismo.
---------------------------------

Acerca do mito da globalização

"Bretton Woods era um sistema global, assim, o que realmente ocorreu foi a mudança de um sistema global (hierarquicamente organizado e em sua maior parte controlado politicamente pelos Estados Unidos) para outro sistema global mais descentralizado e coordenado mediante o mercado, fazendo com que as condições financeiras do capitalismo sejam muito mais voláteis e instáveis. A retórica que acompanhou essa mudança implicou profundamente a promoção do termo "globalização" como uma virtude. Nos meus momentos mais cínicos encontro-me pensando que foi a imprensa financeira que levou todos (eu, inclusive) a crer na "globalização" como em algo novo, quando não era mais do que um truque promocional para fazer melhor um reajuste no sistema financeiro internacional".

Globalisation in question, David Harvey, 1995.

---------------------------------

"Uma parte da burguesia deseja remediar os males sociais com o fim de consolidar a sociedade burguesa. A esta categoria pertencem os economistas, os filantropos, os humanistas, os que pretendem melhorar o destino das classes trabalhadoras, os organizadores de beneficência, os protetores dos animais, os fundadores das sociedades de temperança, os reformadores domésticos de toda laia. E até se chegou a elaborar este socialismo burguês em sistemas completos."

Manifesto do Partido Comunista, 1947








Biblioteca virtual revolucionária

Nenhum comentário:

Postar um comentário