quinta-feira, 30 de agosto de 2012

AUTOGESTÃO E REVOLUÇÃO ESPANHOLA




I

“Pela primeira vez, desde as tentativas de estabelecer o socialismo na Rússia, Hungria e Alemanha, a luta revolucionária dos trabalhadores espanhóis posterior à primeira guerra mundial demonstra um novo tipo de transformação do modo de produção capitalista para modos de produção coletivistas, a qual, apesar de sua natureza incompleta, foi levada a cabo numa escala impressionante.” Karl Korsch - 1939
Trinta e seis anos depois de suas primeiras vitórias, a revolução espanhola continua a ser a mais significantiva das várias experiencias práticas de autogestão ocorridas neste século.
A experiência dos conselhos de trabalhadores espanhóis forma um importante ponto de partida para o proletariado moderno, seja em termos de seus êxitos ou de suas falhas. A generalizada dissimulação de sua natureza, enquanto história criada pelo proletariado, apenas confirma fundamentalmente seu caráter radical. Suprimido pelos historiadores burgueses e leninistas, e transformado num mito irreconhecível pelos anarquistas, que o consideram como um de seus “momentos de ouro”, o movimento revolucionário na Espanha continua sendo uma fonte de embaraço para a ideologia. As atividades dos “elementos incontroláveis” do proletariado espanhol escandalizaram todos os partidos. A revolução foi derrotada, muito antes da vitória dos fascistas, por uma força combinada de stalinistas, liberais e burocratas ‘libertários’ do mesmo movimento anarquista em cujo nome os militantes proletários mais radicais haviam atuado. A ‘Guerra Civil’ espanhola somente começou depois da derrota da revolução.

A revolução na Espanha representa a última posição do tradicional movimento proletário e em sua história estão contidos todos os aspectos desse movimento assim como as forças contra-revolucionárias e as ideologias que eram opostas à ele. A luta que havia se desenvolvido entre o leninismo e os conselhos, na Rússia, foi repetida na Espanha, numa escala maior e mais profunda. Redescobrindo a forma conselhista em sua própia prática, o proletários espanhóis foram os herdeiros de Kronstadt e dos conselhos na Alemanha e Itália; com os conselhos espanhóis o movimento revolucionário, que havia sido derrotado pela social-democracia e o bolchevismo, reapareceu. A revolução espanhola foi uma luta internacional, não apenas no sentido de que seus combatentes vieram de muitos países, mas porque afirmou-se em oposição à todos os poderes dominantes do mundo. Como o anarquista italiano Berneri observou: “Hoje estamos lutando contra a burguesia, mas amanhã lutaremos contra Moscou para defendermos nossa liberdade.” Essa guerra de classes contra a hierarquia, era também uma luta contra toda ideologia.

Antes da revolução, a CNT havia tentado integrar os conselhos em seu esquema ideológico. O documento produzido pelo congresso da CNT em Saragoça (Junho de 1936) foi um programa essencialmente conselhista e reivindicou o conselho como órgão básico da revolução. Embora assumisse a teoria revolucionária dos conselhos operários, a CNT não era uma organização conselhista - o princípio da democracia direta, sob o qual os conselhos operam, não se refletiu na estrutura da organização anarquista. Mas, se as lições da contra-revolução bolchevique não foram esquecidas pelos anarquistas espanhóis, sua recusa de uma representação “revolucionária” - um partido com poder em nome do proletariado - foi puramente formal. O problema da organização democrática estava arruinando o anarquismo. Ainda que convocasse explicitamente à luta pela revolução social - na qual o proletariado assumiria a gestão dos meios de produção sem a mediação do estado - a CNT se atribuía, como um dos méritos anarquistas, a tarefa prática de fazer a revolução ir além disso.

Compreender a revolução espanhola não é meramente uma questão de "conscientização de suas tendências inconscientes”, mas consiste em explicar as ações de um proletariado consciente, distinguindo-as das ações que foram veladas pela ideologia, que, todavia, as transcendeu. O aparecimento dos conselhos em 1936 foi resultado de 50 anos de atividade revolucionária, a maioria sob a direção do movimento anarquista espanhol. Porém, a revolução de 1936 marcou uma derrota tática dos anarquistas: as expropiações de julho foram uma resposta ao termidor fascista e não uma insurreição anarquista. A fé anarquista nos poderes apocalíticos de uma guerra geral era, em grande medida, quimérica. A CNT-FAI havia falhado, levante após levante, não tendo sido capaz de estender a revolução além dos confins paroquiais de umas poucas cidades ou regiões. Em 1936, a ideologia do anarco-sindicalismo já estava comprovadamente obsoleta. O desenvolvimento espontâneo dos conselhos operários, durante a insurreição de Aragão e a revolta dos mineiros de Astúrias, significava um indiscutível avanço prático em relação ao programa anarco-sindicalista de construir uma sociedade revolucionária baseada em sindicatos. Os comitês revolucionários de Aragão e Astúrias, que haviam se estabelecido como um poder autônomo - social e econômico, dotado de capacidade militar -, reapareceram em toda Espanha republicana em julho de 1936, e sua existência imediatamente ameaçou a liderança da CNT-FAI, aliada e integrante do governo republicano.

Desde o começo, o movimento anarquista havia conservado uma hierarquia implícita, numa estrutura dualista que separava os setores político e econômico. Enquanto o sindicato anarquista, a CNT, organizava a classe operária para a revolução social, a recentemente formada FAI constituía uma “vanguarda consciente” de anarquistas militantes. A CNT-FAI foi modelada por uma concepção elitista de organização muito parecida com a Aliança pela Democracia Socialista, que Bakunin havia fundado e definido como sendo composta de “federações de trabalhadores, fazendo pactos livres umas com as outras, e com um pequeno grupo secreto revolucionário que as controlava.” A clandestina FAI viu-se como um “motor produzindo uma quantidade fabulosa de energia, necessária para mover os sindicatos, numa direção tal em que a maioria obedece os desejos da humanidade por renovação e emancipação”. Na prática, essa organização agiria quase como um partido de vanguarda leninista. As latentes divisões hierárquicas no interior da CNT-FAI manifestaram-se depois de julho de 1936. Então, a imensa atividade revolucionária das massas anarquistas foi enquadrada e canalizada para a luta entre frações do Capital, em que a CNT-FAI seguiu a reboque do estado burguês republicano, atrelada a seu principal aliado, o partido "comunista" espanhol. A iniciativa autônoma dos trabalhadores se expressou nos conselhos de fábricas, coletividades agrárias e milícias, no ano de 1936-7, apesar das ações políticas da organização anarquista oficial. Enfrentando inúmeros obstáculos erguidos em seu caminho, o movimento pela autogestão na revolução espanhola proporcionou o mais claro exemplo histórico de socialismo genuíno.

II
“A consciência de estar prestes a realizar uma explosão histórica é um traço característico das classes revolucionárias no momento em que atuam.” (Benjamin)

A explosão histórica que foi a revolução espanhola não pode ser explicada sob a rubrica conveniente de uma “Guerra Civil”. A revolução foi o desdobramento de uma aguda luta de classes na qual o proletariado Espanhol atuou tanto para si mesmo quanto contra Franco. O levante fascista foi respondido não pelo impotente governo republicano, mas por uma insurreição popular em que homens, mulheres e a juventude destruíram, em menos de um mês, toda a infra-estrutura da sociedade espanhola. Em julho de 1936, o proletariado em armas realizou uma abolição de fato da Igreja e do Estado e iniciou a superação do modo de produção capitalista mediante novas formas econômicas e sociais. No ano seguinte, mediante os conselhos, a classe operária iria se tornar uma terceira força lutando contra ambos, fascistas e antifascistas, rechaçando as tentativas do governo republicano de restabelecer sua autoridade. O sucesso das milícias dos operários e camponeses não pode ser medido em termos puramente militares. Enquanto resistiam ao avanço fascista, essas milícias implementaram um programa revolucionário de expropiação e coletivização. O slogan “guerra e revolução” orientava as ações das milícias. Onde foi possível, através da espanha republicana, os trabalhadores ocuparam as fábricas, os camponeses coletivizaram as terras e a força revolucionária estava organizada para generalizar e defender a revolução: “Nós levamos um novo mundo em nossos corações, um mundo que está nascendo neste exato momento.” Durruti

O período da ocupação revolucionária, que começou em julho de 36, demostrou a viabilidade da forma conselhista. Os conselhos espanhóis (ao contrário daqueles da Rússia, Alemanha e Itália) foram capazes de colocar a questão da autogestão práticamente, procedendo, além do armamento necessário dos trabalhadores, a organização da produção. Nas áreas industrializadas da Catalunha, uma fortaleza anarquista, o proletariado provou ser capaz de administrar e desenvolver uma economia urbana moderna, aumentando a produtividade enquanto mantinha os serviços necessários à população. Barcelona revolucionária é um testemunho do sucesso da autogestão na Espanha. Resultados similares foram alcançados nas regiões rurais de Aragão e Valência, onde técnicas modernas de agricultura foram introduzidas no processo de coletivização. O aspecto mais radical desse movimento, entretanto, não foi uma simples racionalização da economia espanhola mas a tentativa de realizar uma crítica prática da economia política. Desde o início das ocupações, o proletariado espanhol proclamou um comunismo libertário no qual dinheiro e trabalho, enquanto mercadoria foram abolidos. Apesar das condições econômicas primitivas admitidas, os conselhos operários e as coletividades agrárias foram capazes de inventar um sistema de distribuição e troca que representou uma tentativa de mudança qualitativa das relações de produção capitalista. O dilema dos incentivos ‘econômicos’ ou ‘morais’, um problema para a classe dominante dos países pseudo-socialistas não ocorreu na Espanha revolucionária. A tradução radical do lema “de cada um de acordo com suas capacidades, para cada um de acordo com suas necessidades” na prática foi estimulante o suficiente para o proletários, que tinham de levar em conta as exigências impostas pela guerra.

A espôntanea capacidade de auto-organização demonstrada pelo proletariado espanhol durante o período revolucionário refutou, de uma vez por todas, as imposturas leninistas sobre a necessidade de uma “liderança correta”. A tomada dos meios de produção foi acompanhada pelo estabelecimento de uma democracia direta do proletariado, na qual os órgãos básicos de poder eram os conselhos - “comitês revolucionários criados pelas pessoas que estão fazendo a revolução”. (CNT, 20 de Dezembro de 1936). Apesar das diferenças, os conselhos e coletividades, operavam essencialmente nas mesmas bases: delegados eram eleitos para executar tarefas específicas e coordernar a produção - esses delegados tinham poderes limitados e estavam sujeitos a reconvocações pelas assémbleias gerais de trabalhadores e camponeses, na qual todas as questões importantes eram decididas. Além de estabelecer uma democracia interna, os conselhos viram seu poder se estender ao coordenarem suas atividades. A união entre os conselhos de fábricas e as coletividades agrárias ocorria não apenas nas milícias, onde os trabalhadores e camponeses lutaram lado a lado, mas na federação dos movimentos e no permanente envio de delegados entre eles. Enquanto sociólogos e historiadores esforçam-se tentando menosprezar a atividade revolucionária dos camponeses anarquistas como um “movimento religioso primitivo”, basta examinar o Programa da Federação dos Coletivos de Aragão para perceber a avançada consciência do proletariado rural: “Nós propomos a abolição dos limites da propiedade que cultivamos...grupos de desempregados serão usados para reforçar as coletividades que estão precisando de força de trabalho.” Portanto, o movimento espanhol pela autogestão não foi uma simples exigência de autonomia regional. Uma federação conselhista foi designada para suplantar a autoridade tradicional em sua totalidade.

A forma que os conselhos assumiram foi imediatamente transposta para a organização das milícias de trabalhadores, onde os princípios da democracia direta haviam se desenvolvido antes. Em julho de 36, as colunas armadas do proletariado espanhol eram, de fato, a revolução. Sua função foi tanto social como militar; a liquidação dos elementos burgueses pelas milícias não foi cometida "em defesa da República” mas como uma fase inicial na transformação radical da sociedade espanhola. As milícias nunca aceitaram ser parte de um exército regular. Em si mesma, sua estrutura representou uma ruptura radical com os modos convencionais de guerra, simplesmente porque eram o resultado da auto-organizaçao revolucionária do proletariado. Como os exércitos insurgentes das revoluções Russa e Alemã, as milícias espanholas eram o destacamento armado do poder conselhista. Os milicianos, assim como as assembléias das fábricas e coletividades, elegiam e revogavam seus delegados. O caráter não-hierárquico dessas colunas de milícias é evidenciado pelo fato de que as diferenças de graduação em suas fileiras e de pagamento não existiam. A história das milícias continua sendo a do poder proletário armado: as colunas revolucionárias resistiram até o fim a qualquer tentativa de ‘militarização’, dos que pretendiam subordiná-las ao exército regular. Audaciosamente seu slogan era: “milicianos, sim! Soldados, nunca!”

III
“Devemos fazer uma revolução total. A expropriação também deve ser total. Não é hora de dormir, mas de construir... Se o trabalhador espanhol não esculpir sua liberdade, o estado irá retomar e reconstruir a autoridade do governo, destruindo pouco a pouco as conquistas obtidas à custa de milhares de atos de heroísmo.” - Solidariedad Obrera, 26 de Agosto de 1936

Apesar do rápido avanço das milícias proletárias na Espanha republicana, a revolução social, que começou em julho, falhou no estabelecimento da absoluta autoridade do poder conselhista. Embora seriamente debilitado, o governo republicano não abdicou, é claro, em favor do proletariado. Depois de julho, existiu um poder dual na Espanha ‘antifascista’ entre as forças de uma nova ordem revolucionária e os remanecentes da república burguesa. Os conselhos operários, que em julho de 1936 haviam tornado o governo virtualmente inofensivo e praticamente ultrapassado a estrutura sindicalista da CNT-FAI, foram derrotados porque não reconheceram a necessidade da consolidação de seu poder. Essa consolidação conduziria inevitavelmente à ruptura com todas as organizações tradicionais. O slogan de Astúrias, UHP (Unívos, Hermanos Proletários! - Unam-se irmãos proletários!), reapareceu em julho e uniu várias facções do proletariado em torno de um programa comum de ação revolucionária. Mas as divisões ideológicas logo se manifestaram entre eles, impedindo a unidade. O proletariado dividiu-se em partidos, os militantes anarquistas e o POUM (um pequeno partido recém-saído do trotskismo) eram os únicos a apoiar a revolução. O proletariado revolucionário estava em maioria, mas, infelizmente, eles não conseguiram tirar vantagem de sua posição. A ingênua e mal empregada confiança nos líderes da CNT-FAI levou a uma situação onde as massas anarquistas aceitaram o gradual esvaziamento de seu poder. Repetindo os lemas stalinistas de “unidade” e “disciplina”, a CNT-FAI persuadiu o proletariado de que a eliminação dos conselhos e das milícias era uma necessidade imposta pelas exigências da guerra civil.

Enquanto o proletariado anarquista encarregava-se da reconstrução da sociedade mediante a autogestão, CNT-FAI se limitava aos termos de seu compromisso com a burguesia. A política colaboracionista dos anarco-burocratas tornou-se clara quando eles abandonaram sua ideologia anti-estatista e de fato aliaram-se ao governo. Jogando nos braços dos stalinistas, que estavam organizando rapidamente a pequena-burguesia republicana num movimento contra-revolucionário, os ministros da CNT consentiram numa ação governamental contra os conselhos. O governo republicano impôs os conselhos municipais, nos quais exigiram representação extra-proporcional para a UGT e o Partido Comunista, numa tentativa de domesticar os conselhos do proletariado. Adicionalmente, a liderança da CNT concordou em baixar o decreto da coletivização, de 24 de outubro de 1936, que limitava o poder dos conselhos operários e, no lugar da autogestão, estabelecia um ‘controle dos trabalhadores’, no qual os comitês dos trabalhadores desenvolveriam um papel meramente consultivo.

A derrota da revolução espanhola decorreu de sua inabilidade de estender-se a um ponto em que os conselhos e as milícias assumiriam o poder total no movimento revolucionário e, como consequência, sobre a Espanha republicana como um todo. Embora tenham sido bem sucedidos na organização da produção e das milícias, os conselhos espanhóis falharam na tentativa de dar uma expressão prática e teórica positiva para sua própia existência. Incapazes de se definirem em relação à CNT-FAI, eles se deixaram manipular por toda a parte. Cada tentativa de agir contra os inimigos da revolução no campo republicano foi boicotada. Stalinistas e liberais foram capazes de reconstruir a maquinaria de um governo efetivamente desimpedido. Sucessivos ministros republicanos sabotaram as tentativas de autogestão, negando crédito para as fábricas e coletividades, etc., sem qualquer retaliação. As milícias anarquistas, às quais foram negadas armas, não desarmaram aqueles que ostensivamente estavam preparando sua destruição. A morte da revolução espanhola não aconteceu, é claro, sem resistência, mas o reconhecimento pelo proletariado de sua traição não veio à tona até os primeiros movimentos contra os conselhos e as milícias. Berneri foi um dos primeiros a expor abertamente a questão crucial da revolução. Numa carta aberta à ministra anarquista Federica Montseny, ele escreveu: “O dilema guerra ou revolução não possui mais significado algum. O único dilema é este: A vitória sobre Franco através da guerra revolucionária ou derrota. O seu problema e dos outros companheiros é escolher entre os versalheses de Thiers e a Comuna de Paris, antes de Thiers e Bismarck fazerem sua sagrada aliança.” Infelizmente, as forças do Thiers espanhol já haviam agido. As massas anarquistas revolucionárias, que cooperaram com militantes do POUM, não ofereceram oposição significativa até o início de 1937. O grupo anarquista Amigos de Durruti conduziu uma agitação generalizada entre as milícias dos trabalhadores em defesa da revolução, mas nesse momento a iniciativa havia passado do proletariado para os seus inimigos.

A ofensiva das forças republicanas burguesas (o governo, os partidos comunista e socialistas) contra os conselhos dos trabalhadores tornou-se violenta em Maio de 1937, quando os stalinistas e os nacionalistas catalães atacaram a autogerida Companhia Telefônica de Barcelona. Em resposta a essa ação, a classe operária da cidade levantou-se espontâneamente para defender sua revolução: barricadas foram erguidas, a polícia desarmada e os trabalhadores em armas tinham o controle da cidade. Nesse momento, a contra-revolução poderia ter sido derrotada, pelo menos na Catalunha. As milícias anarquistas no front de Aragão estavam preparadas para marchar sobre Barcelona; a vitória nem de longe estava assegurada para o governo e os stalinistas. Os trabalhadores de Barcelona, entretanto, permaneceram em posições puramente defensivas e hesitaram em se moverem além de seus distritos. O impasse foi capitalizado por aqueles que, como sempre, se ofereceram para pacificar a situação e, mais uma vez, os dirigentes da CNT-FAI ofereciam seus serviços. Desde o início da insurreição proletária, esses conciliadores pediram aos trabalhadores que desmantelassem suas barricadas e voltassem ao trabalho. A CNT foi repudiada, com seus apelos à pacificação, pelos Amigos de Durruti e outros, que clamavam pela defesa dos conselhos operários e por uma conclusão vitoriosa da luta. Apesar dessa resistência, a CNT continuou suas tentativas de ‘mediar’ a disputa e impediu os milicianos anarquistas de entrarem na cidade. Isolados de qualquer apoio externo, os insurgentes de Barcelona foram facilmente cercados. Enquanto a CNT pregava o retorno à ‘normalidade’, agentes stalinistas desencadeavam a repressão, liquidando os grupos específicos que continham os elementos radicais, assassinando-os e desarmando os trabalhadores, estabelecendo a ‘unidade’. Nos meses seguintes, pequenas táticas foram empregadas pela Espanha republicana: as tropas de Lister eliminaram as coletividades agrárias, as milícias foram dissolvidas, o POUM foi suprimido e a CNT, agora desmoralizada, foi ignorada pelo governo. Os conselhos operários foram derrotados um ano depois de seu aparecimento: “os milhares de atos de heroísmo” do proletariado Espanhol não foram suficientes para evitar a vitória da contra-revolução.

IV
O que havia sido tão difícil de fazer na Espanha de 1936 é hoje o mínimo para qualquer revolução proletária. A experiência dos conselhos dos trabalhadores espanhóis ilustra um exemplo apenas do começo do poder conselhista. Os recursos técnicos da sociedade capitalista contemporânea capacitam o proletariado moderno a efetuar em poucos dias o que os revolucionários espanhóis não foram capazes de completar: a autogestão da produção. As possibilidades para a transformação radical da sociedade são muito maiores agora, porque a questão econômica pode e deve se tornar uma banalidade. Enquanto na Espanha o “emprego total” foi um objetivo revolucionário, o sucesso de quaisquer conselhos futuros serão medidos pelas suas tentativas concretas de eliminar o trabalho tanto quanto possível. Constrangida pelas extremas condições em que teve que atuar, a revolução espanhola nunca foi uma festa, assim como a Comuna de Paris também não o foi. O prazer inacessível ao proletariado espanhol aguarda os revolucionários de hoje.

Além dos desenvolvimentos econômicos e técnicos que separam o proletariado moderno da experiência dos conselhos espanhóis, ainda existe um elo especial - muitos dos problemas encontrados em 1936 continuam a confrontar todo movimento revolucionário. Em sua derrota, a revolução espanhola desmascara o papel desempenhado pelos inimigos que atuam dentro das fileiras do proletariado e que não são tão facilmente reconhecidos como os crápulas dos diversos partidos leninistas. Como a Espanha mostrou claramente, o poder conselhista não sucumbe sempre ao ‘vilão’ externo convenientemente jogado pelos reformistas e trostskistas do mundo. Os conselhos podem derrotar a si mesmos se falharem em tomar a ofensiva e estabelecer seu poder em todo lugar. O proletariado moderno saberá evitar o que sucedeu em Kronstadt e em Barcelona se e apenas se reconhecer a imensa tarefa que o espera. As ações exemplares dos conselhos operários e milícias poderiam não compensar a incapacidade do proletariado espanhol em perceber os obstáculos que ainda se mantêm em seu caminho. A revolução proletária do futuro será radicalmente consciente ou será nada.


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