quinta-feira, 18 de outubro de 2012

A Revolução da Arte Moderna e a Arte Moderna da Revolução

Manifesto da Seção Inglesa da Internacional Situacionista: Tim Clark, Christopher Gray, Charles Radcliffe e Donald Nicholson-Smith. Crise da Arte Moderna: Dadá e o Surrealismo "Nunca se falou tanto", escreveu Artaud [em O Teatro e seu Duplo],” sobre civilização e cultura como hoje, quando é a vida mesma que está desaparecendo. Existe um estranho paralelo entre o colapso geral da vida, que subjaz a cada sintoma específico de desmoralização, e essa obsessão com a cultura designada a tiranizar a vida". A Arte Moderna está numa rua sem saída. Estar cego a esse fato implica uma ignorância completa das teses mais radicais da vanguarda européia durante os levantes revolucionários de 1910-1925: que a arte deve deixar de ser uma transformação especializada e imaginária do mundo e se tornar a real transformação da própria experiência vivida. A ignorância dessa tentativa de recriar a natureza da criatividade em si, e acima de tudo, todas as suas vicissitudes no Dadá e no Surrealismo, tem tornado todo o desenvolvimento da arte moderna incoerente, caótico e incompreensível. Com a revolução industrial, começou uma mudança em toda definição da arte - lentamente, com freqüência inconscientemente, ela passou de uma celebração da sociedade e suas ideologias para um projeto de subversão total. A "grande" arte, que era foco e garantia do mito, tornou-se uma explosão no centro da constelação mítica. Fora do tempo e espaço míticos, ela produziu uma consciência histórica radical que liberou e reuniu as verdadeiras contradições da "civilização" burguesa. Até mesmo os antigos tornaram-se subversivos – em 50 anos, a arte escapou das certezas dos valores augustos e criou seu próprio mito de uma sociedade primitiva. Para David e Ledoux, era imperativo capturar as formas de vida e a autoconsciência que a cultura do mundo antigo havia produzido; recriar em vez de imitar. O século 19 serviu apenas para dar a essa proposta uma aparência mais demoníaca e dionisíaca. O projeto de arte - para Blake, para Nietzsche - tornou-se a transvaloração de todos os valores e destruição de tudo que o obstaculiza. Arte tornou-se negação: em Goya, em Beethoven ou em Gericault, pode-se ver a passagem da celebração para a subversão no espaço de uma vida. Mas uma mudança na definição da arte exigiu uma mudança em suas formas e o século 19 foi marcado por uma acelerada e desesperada tentativa de improvisar novas formas de ofensiva artística. Coubert começou valorizando seus quadros pelo país em fachadas e terminou na Comuna, supervisionando a destruição da coluna Vendome (a obra de arte mais radical do século e que foi imediatamente renegada por seu autor). Depois da Comuna, os artistas sofreram um esgotamento nervoso coletivo. O tempo mítico renasceu das entranhas da continuidade histórica, mas esse foi o tempo mítico de uma individualidade isolada e finalmente apagada. No romance, Tolstoy e Conrad se esforçaram para manter um sentimento do nada; a ironia oscilava em torno do desespero; o tempo parou e a insanidade prevaleceu. Para os simbolistas, a evasão da história tornou-se um princípio; eles desistiram da luta por novas formas revolucionárias em favor de um culto puramente mítico do gesto artístico isolado. Se era impossível pintar o proletariado, era igualmente impossível pintar qualquer outra coisa. Então, a arte teve de abordar o nada; a vida deve existir para o bem da arte; a feia e intolerável verdade, disse Mallarmé com total desdém, é a "forma popular da beleza". Os simbolistas viveram na esfera de uma infinitamente elegante, porém sufocante, tautologia. No próprio Mallarmé, o tema inescapável da poesia é a morte do ser e o nascimento de uma consciência abstrata: uma consciência ao mesmo tempo multiforme, perfeita, magnificamente antidialética e radicalmente impotente. No final, com toda sua fúria (simbolistas e anarquistas atuaram lado a lado, nos anos 1890), a arte revolucionária era prisioneira de contradições. Ela não podia ou não queria se libertar das formas da cultura burguesa como um todo. Seu conteúdo e método podiam se tornar transformações do mundo, mas enquanto a arte mantinha-se aprisionada no espetáculo social, suas transformações permaneciam imaginárias. Em vez de entrar em conflito social direto com a realidade que criticava, ela transferiu todo o problema para uma esfera abstrata e inofensiva onde funcionava objetivamente como um reforço de tudo que queria destruir. A revolta contra a realidade tornou-se fuga da realidade. A crítica original de Marx, do mito religioso e da ideologia, aplica-se palavra por palavra à rebelião da arte burguesa: ela também “é, ao mesmo tempo, a expressão da miséria real e o protesto contra ela. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, o espírito de uma situação carente de espírito. É o ópio do povo.” [Marx, Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel] A separação e a hostilidade entre o "mundo" da arte e o "mundo" da vida cotidiana finalmente explodiu em Dada. "A Vida e a Arte são uma só," proclamou Tzara; "o artista moderno não pinta, ele cria diretamente." Mas essa emergência do real, criatividade direta, teve suas próprias contradições. Todas as verdadeiras possibilidades criativas do tempo eram dependentes do livre uso das forças produtivas reais, no uso livre de sua tecnologia, da qual os dadaístas, como os demais, foram excluídos... Apenas a possibilidade de uma revolução total poderia ter liberado Dada. Sem isso, Dada estava condenado ao vandalismo, e, finalmente, ao niilismo - incapaz de ultrapassar o estágio da denúncia de uma cultura alienada e as formas auto-sacrificiais de expressão que ela impôs aos seus artistas e ao seu público. Eles pintaram quadros de Mona Lisa, em vez de sublevar o Louvre. Dada brilhou e queimou como uma arte que sabota a arte em nome da realidade e a realidade em nome da arte. Um tour de force de gaiatice niilista. A variedade, exuberância e audácia da criatividade lúdica que liberou, vital o bastante para transformar o objeto ou evento mais banal em algo vívido e inédito, apenas revelaram sua orientação real na agitação revolucionária da Alemanha no final da primeira guerra mundial. Em Berlim, onde sua expressão foi mais coerente, Dada ofereceu um breve olhar da nova praxis além da arte e da política: a revolução da vida cotidiana. O surrealismo foi inicialmente uma tentativa de forjar um movimento positivo a partir da devastação deixada pelo dadaismo. O grupo surrealista original compreendeu claramente, pelo menos durante seu apogeu, que a repressão social é coerente e se repete em cada nível de experiência, e que o significado essencial da revolução só poderia ser a liberação e a imediata gratificação do desejo de viver reprimido em cada pessoa – a liberação de uma subjetividade agitada com revolta e criatividade espontânea, com reinvenções soberanas do mundo em termos de desejo subjetivo, cuja existência Freud havia lhe revelado (mas cuja repressão e sublimação Freud, um especialista que aceita a permanência da sociedade burguesa no seu todo, só poderia crer que fosse irrevogável). Os surrealistas viram acertadamente que o papel mais vital que uma vanguarda revolucionária poderia assumir era criar um grupo coerente que experimentasse um novo estilo de vida, esboçando novas técnicas que seriam simultaneamente auto-expressivas e socialmente explosivas, estendendo os limites da experiência vivida. A arte era uma série de experimentos livres na construção de uma nova ordem libertária. Mas seu gradual deslizar nas formas tradicionais de expressão – as mesmas e próprias formas cujas pretensões de imortalidade os dadaístas já haviam rechaçado, implacável e definitivamente – foi sua queda: aceitaram uma posição fundamentalmente reformista e sua integração ao espetáculo. Tentaram introduzir a dimensão subjetiva da revolução no movimento comunista no exato momento em que a hierarquia stalinista se aperfeiçoava. Tentaram usar as formas artísticas convencionais quando a desintegração do espetáculo, cuja responsabilidade era em parte deles mesmos, havia transformado os gestos mais escandalosos de revolta espetacular em mercadorias eminentemente vendáveis. Como todas as possibilidades revolucionárias reais do período foram varridas, sufocadas pelo reformismo burocrático ou assassinadas pelo pelotão de fuzilamento, a tentativa surrealista de superar arte e política num tipo de expressão completamente novo degenerou gradualmente numa caricatura de seus elementos originais: a arte mais celestial e o comunismo mais abjeto. A Transformação da Pobreza e a Transformação do Projeto Revolucionário De então até hoje... nada. Por quase meio século, a arte tem se repetido, cada repetição mais fraca e mais vazia do que a anterior. Somente hoje, com os primeiros sinais de uma revolta mais altamente desenvolvida num capitalismo mais altamente desenvolvido, o projeto radical de uma arte moderna pode ser assumido – novamente e mais coerentemente. Não basta que a arte busque sua realização na prática; também é preciso que a prática busque sua arte. Os artistas burgueses, rebelando-se contra a mediocridade da mera sobrevivência, que era tudo que sua classe podia garantir, estiveram sempre tragicamente em oposição de propósitos com o movimento revolucionário tradicional. Enquanto os artistas – de Keats aos Irmãos Marx – tentavam inventar a experiência mais rica possível de uma vida ausente, a classe operária – no nível de sua organização e teoria oficial, pelo menos – lutava pela mesma sobrevivência que os artistas rejeitavam. Só agora, com o Welfare State, com o acesso gradual do proletariado ao padrão, até então ´burguês´, de conforto e lazer, os dois movimentos podiam convergir e perder sua animosidade tradicional. Como, numa sucessão mecânica, os problemas da sobrevivência material são resolvidos, e considerando que a vida, numa sucessão igualmente mecânica, torna-se cada vez mais asquerosa, toda revoltas se torna essencialmente uma revolta contra a qualidade da experiência. Conhecemos poucas pessoas que estão morrendo de fome. Mas todos sabem o que é morrer de tédio. Hoje, é dolorosamente evidente para todos – excetuada uma tartamuda esquerda radical – que não é um ou outro aspecto isolado da civilização contemporânea que é horroroso, mas nossas próprias vidas na totalidade, assim como as vivemos no cotidiano. O colapso repentino da esquerda decorre de sua incapacidade para compreender a transformação da pobreza que é a característica básica da vida nos países altamente industrializados. A pobreza ainda é considerada nos termos do proletariado do século 19 – em sua luta brutal para sobreviver ao frio, à fome e às doenças – e não em termos tais como a inaptidão para viver, a letargia, o tédio, o isolamento, a angústia e a completa sensação de perda de sentido que estão matando como um câncer, no século 20. A esquerda aceita levianamente todas as mistificações do consumo espetacular. Não consegue ver que o consumo não é mais do que um resultado da produção moderna – funcionando como estabilizador econômico e justificativa ideológica – e um setor é tão alienante quanto o outro. Não percebe que todas as pseudo variedades do tempo livre mascaram uma experiência única: a redução de todos a um papel passivo de espectadores isolados, forçados a abandonar seus desejos individuais e aceitar um substituto puramente fictício e produzido em massa. Com essa perspectiva, a esquerda tem se tornado uma vanguarda do reformismo permanente a que o neocapitalismo está condenado. A revolução, pelo contrário, exige uma mudança total, e hoje ela pode apenas significar a superação total do sistema atual de trabalho e lazer. O projeto revolucionário, sonhado em meio às satânicas e sombrias fábricas da sociedade de consumo, só pode ser a criação de um novo modo de vida como um todo e a subordinação das forças produtivas a esse fim. A vida deve se tornar um jogo de desejo, jogado consigo mesma. Mas a redescoberta e a realização dos desejos humanos é impossível sem uma crítica da fantástica forma pela qual esses desejos têm sempre encontrado a realização ilusória que permite sua repressão real continuar. Hoje, isso significa que a ´arte´ – fantasia erigida em cultura sistemática – se tornou o Inimigo Público Número Um. Isso também significa que o tradicional farisaísmo da esquerda não é apenas mais um embaraço incidental. Ele se tornou mortífero. Doravante, a possibilidade de uma nova crítica revolucionária da sociedade depende da possibilidade de uma crítica sexual-revolucionária da cultura e vice-versa. Não há porque subordinar a arte à política ou vice-versa. Trata-se de superá-las, como formas separadas que são. Nenhum projeto, por fantástico que seja, poderá ser rejeitado como "utópico". O poder da produtividade industrial tem crescido imensamente mais rápido do que previam os revolucionários do século XIX. A velocidade em que a automação está sendo desenvolvida e aplicada indica a possibilidade da completa abolição do trabalho – premissa absoluta da emancipação humana real – e, ao mesmo tempo, a criação de um novo tipo, puramente lúdico, de atividade livre, cujo alcance exige a crítica da alienação da criatividade “livre” na obra da arte. A arte deve ser curto-circuitada. Todo o poder acumulado das forças produtivas deve ser colocado diretamente a serviço da imaginação do homem e da vontade de viver. A serviço dos incontáveis sonhos, desejos e projetos meio esboçados que são nossas obsessões comuns e nossa essência, e que todos nós abandonamos calados, na troca por um substituto qualquer sem valor. Nossas mais loucas fantasias são os mais ricos elementos de nossa realidade. Elas devem ser poderes reais e não abstratos. Dinamite, castelos feudais, selvas, licores, helicópteros, laboratórios... tudo isso e mais ainda deve ser posto a seu serviço. "Há muito tempo, o mundo engendra o sonho de uma coisa, da qual lhe falta consciência para possuí-la verdadeiramente" (Marx, Carta a Ruge, setembro de l843) Traduzido de http://www.notbored.org/english.html . Biblioteca virtual revolucionária

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