quinta-feira, 18 de outubro de 2012

CONTRA-REVOLUÇÃO NA ESPANHA 1.2

Jean Barrot ÍNDICE: Detalhes da Publicação 01. TOTALITARISMO E FASCISMO 02. ANTIFASCISMO, PIOR PRODUTO DO FASCISMO 03. ITÁLIA E ALEMANHA 04. CHILE 05. PORTUGAL 06. ESPANHA: GUERRA E REVOLUÇÃO? 07. OUTUBRO 1917 E JULHO 1936 08. A « COMUNA » DE 1871 09. MÉXICO 10. GUERRA IMPERIALISTA 11. O CENTRISMO 12. O P.O.U.M. 13. O ANARQUISMO E SEUS DEFENSORES 14. A REVOLUÇÃO PROLETÁRIA 15. O ANARQUISMO DE ESQUERDA 16. ANTISTALINISMO 17. A UNIÃO COMUNISTA 18. A LIGA DOS COMUNISTAS INTERNACIONALISTAS 19. A ESQUERDA ALEMÃ 20. ESQUERDA ITALIANA? 21. QUESTÃO NACIONAL 22. REVOLUÇÃO POLÍTICA E SOCIAL 23. FORÇA E FRAQUEZA DO COMUNISMO NA ESPANHA 24. REFORMA E REVOLUÇÃO Siglas usadas no texto Detalhes da Publicação Estes textos serviram como introdução para uma coleção de artigos - publicados em 1930 pelo jornal Bilan, da esquerda comunista italiana - « Bilan » Contre-Révolution en Espagne, editados por 10/18, em Paris, no ano de 1979. O autor, Gilles Dauvé, escreveu-os sob o pseudônimo de Jean Barrot. Os dez primeiros capítulos foram traduzidos para o inglês e publicados como Fascism/Antifascism, no Canadá em 1982. Essa tradução se tornou mais conhecida do que o original francês, embora omitisse a segunda metade do artigo (capítulos 11 a 24), tornando imcompreensível o propósito do autor [1]. Em 1998, uma carta de Dauvé permitiu completar o texto. No mesmo ano, Dauvé retomou essas idéias no artigo “Quand Meurent les Insurrections...”. Uma versão em inglês pode ser encontrada no site Antagonism. Notas dos tradutores: [1] Os 10 primeiros capítulos foram traduzidos para o português a partir dessa versão em inglês. Posteriormente, os demais capítulos foram traduzidos do original francês. Traduzido pelo Grupo Autonomia. INTRODUÇÃO: TOTALITARISMO & FASCISMO Os horrores do fascismo não foram os primeiros, nem os últimos de sua espécie. Tampouco foram os piores, não importa o que se diga [1]. Esses horrores não foram piores do que os massacres ocasionados pelas guerras, pela fome e outras calamidades consideradas normais para o bom funcionamento do capitalismo. No que diz respeito aos proletários, o fascismo nada mais foi do que uma versão sistemática e compacta dos terrores experimentados em 1832, 1848, 1871, 1919... Todavia, o fascismo tem ocupado uma posição destacada no circo de horrores do Capital. É verdade que, durante o fascismo, alguns capitalistas e uma parte da oligarquia política foram reprimidos, junto com os líderes e militantes das organizações tradicionais da classe operária. Para a burguesia e a pequena burguesia, o fascismo foi um fenômeno anormal, uma degradação dos valores humanitários que tentam explicar recorrendo à psicologia. O antifascismo liberal considerou o fascismo uma perversão da civilização ocidental, cujos efeitos seriam observáveis, como o fascínio sadomasoquista que os badulaques nazis exercem sobre seus colecionadores. Assim, o humanista burguês jamais compreendeu que os Hell´s Angels usavam as suásticas para expressar a imagem invertida de sua própria visão do fascismo. A lógica dessa agressão simbólica pode ser assim resumida: "Se o fascismo é o pior de todos os males, então inverteremos todos os valores ao escolher o mal." Este fenômeno é típico de uma época desorientada. As análises marxistas não costumam enfatizar o uso da psicologia. A caracterização do fascismo como instrumento do grande capital tornou-se clássica desde Daniel Guérin [2]. Contudo, a seriedade de suas análises não impediu a ocorrência de um erro central. A maioria desses estudos sustenta que, apesar de tudo, o fascismo foi evitado em 1922 e 1933. O fascismo é, além disso, reduzido a uma tática usada pelo capitalismo, num certo momento. Afirmam, também, que o fascismo não teria triunfado se o movimento dos trabalhadores tivesse resistido a ele, em vez de dividir-se em disputas sectárias. Admitem que não ocorreria uma "revolução", mas garantem que no mínimo a Europa teria escapado do nazismo, dos campos de concentração, etc. Apesar de algumas observações corretas sobre as classes sociais, o Estado, e a íntima conexão entre o fascismo e o grande capital, os defensores dessa opinião ignoram ou fingem esquecer que o fascismo foi a conseqüência de dois fracassos: o primeiro, dos revolucionários, que foram massacrados pelos sociais democratas e seus aliados liberais; o segundo, dos liberais e social-democratas incapazes de gerenciar efetivamente o capital. A natureza do fascismo e seu ascenso ao poder continuarão incompreensíveis se não estudarmos as lutas de classes do período anterior e os erros cometidos pelo movimento revolucionário. Uma coisa não pode ser entendida sem a outra. Significativamente, Guérin se equivoca não apenas quanto ao fascismo, mas também quanto à Frente Popular Francesa, que ele rotulou de "revolução esquecida". O essencial da mistificação antifascista consiste em que os social-democratas representam e difundem uma imagem distorcida do fascismo, usando e abusando do radicalismo verbal, denunciando isso e aquilo, por toda parte. Isto ocorre mesmo nos dias de hoje. Boris Souvarine escreveu, em 1925 [3]: "Fascismo aqui, fascismo lá. Action Française - isto é, fascismo... Diariamente, há seis meses, a humanidade é apresentada a uma nova surpresa fascista. Num dia, um enorme título de seis colunas, em letras garrafais: `O Senado é fascista até a medula´. Noutro dia, uma gráfica - por recusar-se a imprimir um jornal comunista - foi denunciada como ´uma ameaça fascista à liberdade de imprensa´... Hoje, na França, o que existe não é bolchevismo nem fascismo, porém algo mais do que simples kerenskismo. O fascismo que preparam para nós não é viável, as condições objetivas para a sua existência ainda não estão dadas... Pode-se ou não deixar o campo livre para reação. Mas não é necessário batizar a reação de fascismo para lutar contra ela." Numa época de inflação verbal, "fascismo" é apenas uma palavra-chave usada pelos esquerdistas para ostentar radicalismo. Seu uso indica, além de confusão mental, uma importante concessão teórica ao Estado e ao Capital. A essência do antifascismo consiste em lutar contra o fascismo apoiando a democracia. Em resumo, o antifascista não luta contra o capitalismo, mas para impedi-lo de assumir uma forma totalitária. Ao identificar o socialismo com a democracia total, e o capitalismo com o crescimento do fascismo, os antifascistas abandonam a contraposição proletariado/capital, comunismo/trabalho assalariado, proletariado/Estado em favor da oposição democracia/fascismo, que apresentam como a quintessência da perspectiva revolucionária. O antifascismo confunde dois fenômenos: o fascismo, propriamente dito, e a evolução do Capital e do Estado rumo ao totalitarismo. Quando substitui o todo pela parte - isto é: o totalitarismo pelo fascismo - o antifascismo mistifica as causas do fascismo e do totalitarismo, reforçando, consciente ou inconscientemente, o que pretendia combater. Em síntese: o fascismo foi apenas um episódio na evolução do Capital rumo ao totalitarismo, uma evolução na qual a democracia desempenha uma função diferente mas tão contra-revolucionária quanto a do fascismo. Mas falar hoje em dia de um fascismo não-violento, "amigável", que deixa intactas as organizações tradicionais do movimento dos trabalhadores é um deboche macabro. O fascismo foi um movimento limitado no tempo e no espaço. A situação na Europa, depois de 1918, deu-lhe suas características originais, que nunca mais se repetirão. Basicamente, o fascismo está vinculado à unificação econômica e política do Capital, uma tendência que se generalizou a partir de 1914. O fascismo foi a maneira como o Capital realizou seu objetivo em certos países - Itália e Alemanha, principalmente - onde o Estado era incapaz de manter a ordem (no sentido burguês da palavra), mesmo depois que a revolução proletária já tinha sido esmagada. O fascismo tem as seguintes características: 1) nasce nas ruas; 2) gera desordem, enquanto prega a ordem; 3) reduz mais ou menos violentamente a classe média; e, por fim, 4) regenera, de fora para dentro, o Estado tradicional, incapaz de resolver as crises capitalistas. Inegavelmente, o fascismo foi uma solução para a crise do Estado, durante a fase de transição para o total domínio do Capital sobre a sociedade. Antes, o enquadramento dos trabalhadores pela social-democracia impediu a revolução proletária; depois, o fascismo entrou em cena com objetivo de "pôr um fim à desordem reinante". Mas a crise nunca foi realmente superada pelo fascismo: a eficiência do Estado fascista era apenas superficial, porque se baseava na exclusão sistemática da classe operária da vida social. Sem dúvida, a crise tem sido melhor administrada pelo Estado em nossa época. De fato, o Estado democrático usa todas as técnicas do fascismo, mas, de um modo geral, tem preferido integrar as organizações dos trabalhadores a destruí-las. Hoje, a unificação social vai além daquela imposta pelo fascismo, que desapareceu após cumprir sua tarefa de expandir a capacidade disciplinadora do Estado, numa situação verdadeiramente única. A burguesia tomou emprestado o nome "fascismo" das primitivas organizações dos trabalhadores rurais da Itália, que se autodenominavam "fasci" (feixes). Não deixa de ser sintomático que o fascismo primeiro se definiu como uma forma de organização, e não como um programa. Seu objetivo declarado era unir todos em fasci, arregimentar todos os elementos dispersos em corporações. "O fascismo roubou do proletariado seu segredo: a organização... Liberalismo é somente ideologia sem organização, fascismo é só organização sem ideologia." (Bordiga) Apesar do que afirma um certo antifascismo radical, a ditadura não é uma arma do Capital, mas uma tendência do Capital que se materializa sempre que necessário. Retornar ao parlamentarismo democrático após um período de ditadura - como na Alemanha, depois de 1945 - significa apenas que a ditadura é desnecessária (por enquanto) para submeter as massas proletárias ao Estado. Não se trata de negar que a democracia oferece uma exploração mais suave do que a ditadura. Qualquer um, em sã consciência, preferiria ser explorado à maneira sueca do que à brasileira. Mas, a questão é: temos escolha? O que sabemos é que a democracia se transforma em ditadura tão logo seja necessário para assegurar os lucros do Capital. Assim, o Estado tem desempenhado sua função, democrática ou ditatorialmente. Pode-se preferir o primeiro modo ao segundo, mas ninguém pode forçar o Estado a manter-se democrático. Historicamente, constata-se que as formas políticas oferecidas pelo capital não dependem mais da ação da classe operária do que das intenções da burguesia. A República de Weimar não "capitulou diante de Hitler". Na verdade, deu-lhe boas-vindas e recebeu-o de braços abertos. A Frente Popular francesa não "evitou o fascismo", pelo simples fato de que a França não precisou unificar seu capital nem reduzir sua classe média, em 1936. Tais transformações não requerem qualquer escolha política da classe operária. Hitler foi subestimado por ter adaptado aos seus objetivos os métodos de propaganda que aprendera, quando jovem, com a social-democracia vienense. E daí? A social-democracia é mais conhecida por esses métodos do que por qualquer outra coisa. O problema da social-democracia e do nazismo era: como enquadrar as massas trabalhadoras e, se for o caso, reprimi-las. Foram os socialistas e não os nazistas que massacraram as insurreições proletárias. Isto não impediu que o SPD (partido social-democrata alemão), outra vez no governo, cinicamente lançasse um selo em homenagem a Rosa Luxemburgo, por ocasião do aniversário de sua morte, fingindo esquecer que ela foi assassinada pelo mesmo SPD, em 1919. A ditadura se instala sempre depois que os proletários foram derrotados pela social-democracia, com a ajuda dos sindicatos e partidos da esquerda. Por outro lado, tanto a social-democracia como o nazismo contribuíram para a melhoria temporária do nível de vida. Como o SPD, Hitler tornou-se o instrumento de um movimento social que julgava controlar. Como o SPD, ele lutou pelo poder, pelo exercício da mediação entre os trabalhadores e o capital. Mas Hitler e o SPD, cada um à sua maneira, eram instrumentos do capital e foram descartados por ele, quando suas respectivas tarefas haviam sido cumpridas. NOTAS [1] Ver Auschwitz: o Grande Álibi [Auschwitz ou le grand alibi], publicado em Programme Communiste, nº 11, abril-junho de 1960. Se a opinião pública condena o nazismo não é tanto pelos horrores que cometeu. Desde então, outros Estados – mais ou menos subordinados à organização capitalista da economia mundial – provaram ser tão destruidores da vida humana, através de guerras e epidemias de fome artificialmente provocadas, quanto o fascismo alemão. Sobretudo, o nazismo é condenado porque atuou deliberada e conscientemente quando decidiu exterminar os judeus. Ninguém é responsabilizado pelas fomes que dizimaram povos inteiros, mas os nazis – eles quiseram exterminar. Para erradicar esse absurdo moralista, faz-se necessária uma compreensão materialista dos campos de concentração. Os campos de concentração não foram o resultado de um mundo que havia enlouquecido. Ao contrário, eles obedeciam à lógica normalmente aplicada pelo capitalismo em tais circunstâncias. Em sua origem e em sua operação, os campos pertencem ao mundo capitalista. [2] Daniel Guérin - Fascism and Big Business, New York (1973). [3] Bulletin Communiste, Nov. 27, 1925. Boris Souvarine nasceu em Kiev, no ano de 1895, e emigrou muito jovem para a França. Operário autodidata, foi um dos fundadores da III Internacional (Cominter) e do PCF, organizações das quais seria expulso, em 1924, por desvios de esquerda. O ANTIFASCISMO É O PIOR PRODUTO DO FASCISMO Desde que o regime fascista surgiu, no período entre as duas guerras mundiais, o termo "fascismo" tem se mantido em voga. Que grupo político não acusou seus adversários de usar "métodos fascistas"? A esquerda nunca parou de denunciar o fascismo ressurgente, a direita por sua vez insistia rotulando o PCF como o "Partido Fascista". Significando tudo e nada, a palavra foi perdendo significado a partir do momento em que os liberais de todos os países passaram a identificar todo e qualquer Estado forte como fascista. As ilusões dos fascistas dos anos 30 ressurgem e são apresentadas como realidade, nos dias de hoje. Na Espanha, Franco pretendia ser tão fascista quanto seus mentores, Hitler e Mussolini, mas o fato é que nunca houve uma internacional fascista. Os coronéis gregos e generais chilenos são chamados de fascistas, mas eles apenas representam variantes ditatoriais do Estado capitalista. Intitular de fascista o Estado é o mesmo que acusar os partidos que o governam. Assim, não se critica o Estado, só se denunciam aqueles que o dirigem. Os esquerdistas tentam parecer radicais fazendo alvoroço em torno do fascismo, mas rejeitam a crítica ao Estado. Na prática, limitam-se a propor outra forma de Estado (democrática ou popular) em substituição à atual, qualquer que seja ela. O termo "fascista" é ainda menos relevante nos países capitalistas desenvolvidos, onde os partidos comunistas e socialistas pretendem desempenhar um papel central no futuro. No discurso esquerdista, Estado "fascista" é todo aquele que reage contra o movimento revolucionário. Ora, neste caso, é muito mais correto falar de Estado pura e simplesmente, e deixar o fascismo fora disso. Há um aspecto sob o qual o fascismo triunfou e seus objetivos foram, em geral e ainda que por outros meios, alcançados: a unificação do Capital e a eficiência do Estado. Mas a verdade é que o fascismo desapareceu como movimento político e como forma de Estado. Apesar de algumas semelhanças, os partidos hoje considerados fascistas já não almejam, desde 1945, conquistar um Estado frágil de fora para dentro. [1] Insistir com a ameaça do fascismo é ignorar o fato de que o fascismo revelou-se despreparado para a tarefa, que assumiu mas não realizou. Assim, por exemplo, em vez de fortalecer o Capital alemão, o nazismo terminou dividindo-o em dois Estados. Durante a segunda guerra mundial, a polarização fascista/antifascista foi enriquecida com novos elementos. Do ponto de vista do Capital, a guerra entre dois blocos imperialistas era, mais uma vez, a solução necessária para os problemas econômicos (crash de 1929) e sociais (a classe operária - rebelde, ainda que não revolucionária - tinha de ser subjugada). Deste modo, a II guerra mundial é mistificada como uma guerra contra o totalitarismo, na forma de fascismo. Esta é a versão que permanece. A constante lembrança, por parte dos imperialismos vitoriosos de 1945, dos crimes nazistas serve para justificar a guerra, dando-lhe o caráter de cruzada humanitária na qual tudo, mesmo a bomba atômica, pode ser admitido para derrotar tão bárbaro inimigo. Esta interpretação não é, entretanto, mais digna de crédito do que a demagogia dos nazistas, que diziam lutar contra o capitalismo e a plutocracia ocidental. O bloco democrático incluía um Estado tão totalitário e violento quanto a Alemanha de Hitler, a União "Soviética" de Stálin, cujo código penal prescrevia a pena de morte para os infratores de 12 anos de idade. Em suas colônias, os governos democráticos utilizavam métodos similares de terror e extermínio sempre que achassem necessário. O ocidente esperou a guerra fria para denunciar a existência dos campos de prisioneiros na URSS. Mas cada país capitalista tem que lidar com seus problemas. A Inglaterra não enfrentou uma guerra como a da Argélia. Os EUA não tiveram de organizar campos de concentração [2], mas desencadearam uma guerra colonial no Vietnam. A União "Soviética", cujo Gulag foi denunciado no mundo inteiro, concentrou em algumas décadas os horrores cometidos durante séculos nos mais velhos países capitalistas, horrores que também resultaram em milhões de vítimas, basta lembrar a escravidão dos negros e o extermínio dos índios. Ao longo da história, o desenvolvimento do Capital tem certas conseqüências, entre as quais: 1) opressão mais ou menos brutal dos trabalhadores, que inclui a eliminação física; 2) competição com outros capitais nacionais, freqüentemente resultando em guerra. Quando o Estado é administrado pelos "partidos dos trabalhadores", apenas uma coisa muda: a demagogia trabalhista é mais evidente, mas os trabalhadores não serão poupados da repressão mais severa, se esta for necessária para o bom andamento dos negócios. O triunfo do Capital nunca é completo, a não ser quando os trabalhadores se mobilizam por uma "vida melhor". A pretexto de defender os proletários dos "excessos do Capital", o antifascismo apóia a intervenção do Estado. O antifascismo tem sido o campeão do Estado forte. Assim, por exemplo, o PCF (Partido "Comunista" Francês) nos pergunta: "Que espécie de Estado é necessário na França de hoje?... O nosso Estado é estável e forte, como o presidente da república diz? Não, ele é fraco, é impotente para tirar o país da crise política e social na qual está atolado. Na verdade, o presidente da república está encorajando a desordem".[3] Ambas, ditadura e democracia propõem o fortalecimento do Estado, como uma questão de princípio. Com o pretexto de nos proteger, mudam os estilos mas o objetivo é sempre o mesmo: "de cima para baixo", com os ditadores, ou "de baixo para cima", com os democratas, o capitalismo se mantém. Então, comparando ditadura e democracia, poderíamos falar de uma luta entre duas facções sociologicamente diferentes do Capital? Não. Simplesmente, estamos diante de dois diferentes métodos de arregimentação do proletariado: pela força, reprimindo-o; ou assimilando-o, através de "suas" próprias organizações. O Capital opta por uma dessas soluções, de acordo com as exigências do momento. Na Alemanha, depois de 1918, a social-democracia e os sindicatos eram indispensáveis para assimilar os trabalhadores e isolar os revolucionários. Depois de 1929, a Alemanha tinha de concentrar sua indústria, minimizar a dispersão da classe média e unificar a burguesia. O movimento operário tradicional, a social-democracia, que dependia do pluralismo político e defendia os interesses imediatos dos trabalhadores, tornou-se um peso morto para o Capital. As "organizações dos trabalhadores" apoiavam firmemente o capitalismo, seja porque já não eram ou porque nunca tinham sido autônomas. Desempenharam um efetivo papel contra-revolucionário, em 1918-21, contribuindo decisivamente para a derrota da revolução proletária na Alemanha. Em 1920, essas organizações deram o primeiro exemplo de antifascismo contra-revolucionário (antes mesmo do surgimento do fascismo, na Itália). [4] Mais tarde, a hipertrofia das organizações social-democratas, na sociedade e no Estado, exasperou o conservadorismo social, o malthusianismo econômico, e elas foram eliminadas. Mas a social-democracia preencheu uma função abertamente contra-revolucionária em 1918-1921, ao defender a manutenção do trabalho assalariado. Foi por isso que se tornou necessária para representar os interesses imediatos dos assalariados, ainda que, mais tarde, viesse a dificultar a reorganização do Capital como um todo. O nazismo tinha como objetivo a destruição violenta do movimento dos trabalhadores, contrariamente aos partidos fascistas de hoje. Esta é a diferença crucial. A social-democracia, que havia cumprido muito bem sua função de domesticar os trabalhadores, ocupava uma posição importante no Estado, mas era incapaz de unificar a Alemanha. Essa foi a tarefa do nazismo, que soube como atrair e subjugar todas as classes e camadas sociais, dos proletários desempregados ao Capital monopolista. No Chile de Allende, a Unidade Popular conseguiu integrar os trabalhadores, mas sem reunir a nação inteira atrás de si. Mesmo assim, tornou-se necessário subjugá-los pela força. No entanto, até novembro de 1975, não houve nenhuma repressão massiva. Se Allende proclamou a "Revolução na Legalidade", não foi para levar ao poder os trabalhadores ou porque as organizações democráticas quisessem evitar o golpe de Estado da direita. Os partidos de esquerda e sindicatos jamais conseguiram evitar qualquer coisa semelhante, exceto quando o golpe de Estado era prematuro, como o de Kapp, na Alemanha de 1920. Se não houve terror branco em Portugal, foi por falta de necessidade, pois o Partido Socialista conseguiu unificar a sociedade como um todo atrás de si. Quer se admita ou não, o antifascismo tem sido a forma necessária para a colaboração entre trabalhadores e burgueses reformistas. O antifascismo os une afirmando representar o verdadeiro ideal da revolução burguesa, traída pelo Capital. A democracia é considerada como um embrião de socialismo, já presente na sociedade capitalista. E o socialismo é representado como a plena democracia. A luta pelo socialismo consistiria em obter o máximo de direitos democráticos dentro do capitalismo. Com a ajuda do espantalho fascista, o gradualismo democrático é revitalizado. A democracia é uma das formas políticas do Capital. Sua expansão, neste século, aumentou o isolamento dos indivíduos. Nascida como solução ilusória para o problema da alienação na sociedade, a democracia é impotente para resolver o problema da mais alienada das sociedades, em toda a história, a sociedade capitalista. O antifascismo só consegue viabilizar o totalitarismo, na medida em que sua luta por um Estado democrático se resume ao fortalecimento do Estado, pura e simplesmente. Por vários motivos, as críticas dos revolucionárias ao fascismo e ao antifascismo – em particular, as que se referem à guerra civil espanhola - são ignoradas, mal entendidas e mesmo intencionalmente distorcidas. Na melhor das hipóteses, são consideradas abstratas; na pior, uma contribuição ao fascismo. Assim, o discurso antifascista veicula que: a) o PCI ajudou Mussolini por não levar o fascismo a sério e, especificamente, por não se aliar com as forças democráticas; b) o KPD facilitou a tomada do poder por Hitler, ao tratar o SPD como o inimigo principal; c) na Espanha, pelo contrário, teríamos um exemplo de luta antifascista, que poderia ter sido bem sucedida se não fossem as deficiências dos stalinistas (ou: socialistas, anarquistas, etc., - a escolher, segundo a preferência de cada um). Ora, esses argumentos se baseiam numa completa distorção dos fatos. NOTAS: [1] Na França, por exemplo, o RPF (Reagrupamento do Povo Francês), o partido do general De Gaulle, de 1947 a 1952.; o poujadismo, movimento pequeno-burguês de direita, na quarta república; e, finalmente, o RPR (Reagrupamento pela República), partido gaullista na época em que foi redigido este texto. [2] Nos EUA, cerca de 100.000 (cem mil) japoneses foram internados em campos de concentração, durante a segunda guerra mundial. O Estado ianque não considerou necessário exterminá-los. [3] Humanité, 6 de março de 1972. [4] O golpe de Kapp, em 1920, foi derrotado por uma greve geral. Mas a insurreição proletária nas minas do Ruhr, que eclodiu imediatamente após e pretendia ir além do apoio à democracia, foi imediatamente reprimida pelo Estado, que utilizou as mesmas tropas que haviam sustentado o golpe de Kapp... ITÁLIA E ALEMANHA Revirando o lixo histórico das falsificações e meias-verdades que são a matéria-prima do discurso antifascista, pode-se encontrar o relato distorcido do caso em que, no mínimo, uma importante facção do proletariado lutou contra o fascismo com seus próprios métodos e objetivos: a Itália, de 1918 a 1922. Esta luta não foi especificamente antifascista: lutar contra o Capital significa lutar contra o fascismo e contra a democracia parlamentar. Esse episódio é significativo porque o movimento em questão foi liderado pelos comunistas, e não pelos socialistas reformistas - que haviam aderido à Terceira Internacional, como o PCF - ou pelos stalinistas do KPD (partido "comunista" alemão), que entoava a ladainha da "revolução nacional", no início dos anos 30, competindo vergonhosamente em demagogia patriótica com os nazistas. Por estranho que pareça, foi o caráter intransigentemente proletário da luta que permitiu aos antifascistas difamarem a experiência revolucionária italiana: o PCI, então liderado por Bordiga e seus camaradas da esquerda comunista, foi acusado de favorecer o acesso de Mussolini ao poder. Vale a pena analisar esse episódio, pois ele demonstra, sem qualquer ambigüidade, que as posteriores derrotas dos revolucionários – incluídas as guerra da "democracia" contra o "fascismo" (guerra civil espanhola e a segunda guerra mundial)- não foram conseqüência do sectarismo de puristas que, ocupando-se apenas com a Revolução Social, recusam-se a fazer outra coisa que não seja preparar-se para o Grande Dia. Essas derrotas resultaram do desaparecimento, durante os anos 20 e 30, do proletariado como potência histórico-mundial, na qual ele havia se constituído no fim da guerra de 1914-1918. A repressão fascista ocorreu somente depois da derrota proletária. Não destruiu o movimento revolucionário do proletariado, pois isto apenas as organizações tradicionais (partido e sindicatos) do antigo movimento operário poderiam, direta e indiretamente, fazer e o fizeram. Os revolucionários foram derrotados pela democracia, que recorreu a todos os meios disponíveis, incluída a ação militar. Na verdade, o fascismo limitou-se a destruir os oponentes que restavam, entre eles o movimento reformista dos trabalhadores, que se tornara um estorvo para o Capital. Portanto, afirmar que a tomada do poder pelo fascismo começou nas ruas, onde os trabalhadores teriam sido derrotados, é falsificar deliberadamente a história. Na Itália, em 1919, a luta proletária foi derrotada pela repressão do Estado e pelas eleições políticas. Em 1922, o Estado concedeu maior liberdade de ação aos fascistas, facilitou-lhe os procedimentos judiciais e desarmou unilateralmente os trabalhadores. Além das medidas de proteção armada ocasional, o socialista Bonomi, em outubro de 1921, já tinha destacado 60.000 oficiais para chefiar os grupos de assalto fascistas. Antes da ofensiva fascista, o Estado recorreu às eleições. Durante as ocupações de fábricas, em 1920, o Estado evitou atacar os proletários, deixando que sua luta se esgotasse por si mesma, com a ajuda do CGL, central sindical socialista, que se encarregou de quebrar as greves. Ao mesmo tempo, os democratas formaram um "bloco nacional", que incluía liberais, direitistas e fascistas, para as eleições de 1921. Nos meses de junho e julho de 1921, o PSI concluiria um "pacto de paz" com os fascistas. Certamente, o golpe fascista, em 1922, não foi uma transferência de poder. O objetivo da "marcha sobre Roma" dos sequazes de Mussolini - o qual, por via das dúvidas, resolveu ir de trem - não era pressionar o governo, mas assestar um golpe publicitário. No ultimato que entregou ao governo, em 24 de outubro, Mussolini não ameaçava com a guerra civil. Limitava-se a comunicar aos titulares do governo que, doravante, o PNF (Partido Nacional Fascista) era a única força política em condições de chefiar o Estado e unificar a sociedade, segundo os interesses do Capital. Sem mais delongas, o rei pediu a Mussolini que formasse um novo governo, que incluiu os liberais. Todos os partidos, excetuados o PCI e o PSI, aceitaram os termos do PNF e votaram a favor de Mussolini no parlamento. E o poder do ditador foi ratificado pela democracia. Com pequenas variações, o espetáculo se repetiu na Alemanha. Hitler foi nomeado chanceler, pelo presidente Hindenburg (eleito, em 1932, com a apoio dos social-democratas que viam nele um baluarte contra Hitler). Mas os nazistas eram minoritários no primeiro gabinete de Hitler. Depois de alguma hesitação, o Capital patrocinou Hitler a partir do momento em que identificou nele a capacidade política para unir o Estado e, portanto, a sociedade. Se o Capital devia ou não ter calculado as desastrosas conseqüências da tomada do Estado pelos nazis é uma questão secundária. Nos dois países, Itália e Alemanha, as organizações tradicionais do proletariado, controladas pela social-democracia, nada tinham a ver com o movimento revolucionário do proletariado. Funcionavam apenas para preservar sua existência institucional e estavam dispostas a aceitar qualquer regime político, de direita ou de esquerda, desde que fossem toleradas. Na Espanha, o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) e sua central sindical (U.G.T.) colaboraram, entre 1923 e 1930, com a ditadura de Primo de Rivera. Já em 1932, as centrais sindicais alemãs, ou melhor, seus líderes socialistas, declararam-se independentes de qualquer partido político e indiferentes quanto à forma do Estado, tentando obter um acordo com Schleicher (o infeliz predecessor de Hitler). Em 1933, tentaram o mesmo com Hitler, que os convenceu de que o nacional-socialismo autorizaria sua existência. Satisfeitos, os sindicalistas alemães empunharam imediatamente as bandeiras nazistas e suásticas, no 1º de maio de 1933, desfigurado no "festival do trabalho alemão". Mais tarde, os nazistas mandariam os líderes sindicais para prisões e campos de concentração, o que serviu para atribuir aos sobreviventes a reputação de terem sido resolutamente "antifascistas" desde o início. Na Itália, os líderes sindicais quiseram fazer um acordo de tolerância mútua com os fascistas. Eles contactaram o PNF, no final de 1922 e em 1923. Um pouco antes de Mussolini tomar o poder, eles declararam: "Neste momento em que as paixões políticas estão exacerbadas e que duas forças estranhas ao movimento sindical, o PCI e o PNF, disputam ferozmente o poder, a CGL sente-se no dever de avisar os trabalhadores sobre as intenções dos partidos e agrupamentos políticos que desejam envolvê-los numa luta em relação à qual devem permanecer absolutamente neutros, se não quiserem comprometer sua independência." Em contrapartida, na Áustria, em fevereiro de 1934, ocorreu uma insurreição operária, organizada pela esquerda do Partido Social Democrata contra o aparato do Estado, que se mostrava cada vez mais ditatorial e conciliava com os fascistas. Esta luta não era de caráter revolucionário, apenas resultava de não ter havido nenhum combate de rua na Áustria, desde 1918. Os proletários mais combativos não haviam sido derrotados e continuavam filiados à social democracia, que, em função disso, tinha algumas veleidades revolucionárias. Mas essa resistência logo foi esmagada, por falta de um mínimo de coordenação. A crítica revolucionária desses eventos não chega numa conclusão do tipo "tudo ou nada", como alguém que insiste em lutar somente pela "revolução". Há muito falatório do tipo: Devemos lutar por reformas quando não é possível fazer a revolução. Uma luta bem dirigida por reformas prepara o caminho para a revolução. Quem pode fazer mais, pode fazer menos; mas quem não pode fazer menos, não pode fazer mais. Quem não sabe como se defender não saberá como atacar, etc. Mas essas banalidades nada acrescentam de válido. A polêmica entre os marxistas, desde a II Internacional, não gira em torno da necessidade da atuação comunista em lutas reformistas, que são, em todo caso, uma realidade. Trata-se, antes, da questão de avaliar concretamente se uma dada luta mantém os trabalhadores sob o controle (direto ou indireto) do Capital e em particular, do Estado, e que posição os revolucionários devem adotar. Para um revolucionário, a "luta" (essa palavra é deliciosamente esquerdista) não tem qualquer valor em si mesma. As ações mais violentas tem geralmente terminado na formação de partidos e sindicatos que mais tarde se tornariam inimigos mortais do comunismo. Qualquer luta, não importa quão espontânea ou enérgica foi em sua origem, que coloque ou mantenha os trabalhadores sob a dependência do Estado só pode ter uma função contra-revolucionária. A luta antifascista, que proclama e objetiva um mal menor - "Melhor é ter um capitalismo democrático do que um capitalismo fascista." - eqüivale a ter que escolher entre o fogo e a brasa. Quem se coloca sob a proteção do Estado deve aceitar todas as conseqüências, inclusive a repressão que será exercida, quando necessária, contra os trabalhadores e revolucionários que quiserem ir além do antifascismo. Os que acusam Bordiga e o PCI de 1921-1922 pelo triunfo de Mussolini, deveriam questionar a fraqueza perpétua do antifascismo, cujo retrospecto é incrivelmente ruim: afinal, quando foi que o antifascismo evitou ou no mínimo reduziu o totalitarismo? A segunda guerra mundial foi justificada com o pretexto de salvaguardar a existência de Estados democráticos, mas as democracias parlamentares são hoje uma exceção. Nos países chamados socialistas, o desaparecimento da burguesia tradicional e as exigências do capitalismo de Estado resultaram em ditaduras que diferem muito pouco das ditaduras fascistas. Os maoístas negam a existência de milhões de trabalhadores escravizados na China [1] , exatamente como os stalinistas negaram a existência dos campos de concentração na URSS, durante 30 anos. África, Ásia e América Latina vivem sob um regime unipartidário ou ditadura militar. Pode-se ficar horrorizado com os crimes da ditadura brasileira, mas a democracia mexicana não vacilou em disparar seus fuzis contra uma manifestação de estudantes, em 1968, matando 300 deles. Mas os antifascistas insistem, alegando: "No mínimo, a derrota das potências fascistas trouxe a paz..." Sim. Mas apenas para os europeus, não para os que continuam morrendo em guerras incessantes e, de fome crônica, todos os dias. Em síntese, a tal guerra para acabar com todas as guerras e o totalitarismo foi um fracasso. A resposta dos antifascistas é automática: "A culpa é do imperialismo americano ou russo..." "Ou dos dois - diz o antifascista mais radical. Na sobrevivência do capitalismo está a causa das guerras." Aqui, estamos de acordo! Mas o problema continua. Como poderia uma guerra entre Estados capitalistas ter qualquer outro efeito que não fortalecer o Capital? Os antifascistas (especialmente os "revolucionários") concluíram exatamente o oposto. Um novo lançamento do antifascismo, que deve ser continuamente radicalizado para avançar o máximo possível. Eles jamais desistem de denunciar "ressurgimentos" e/ou "métodos" fascistas, mas não deduzem disso a necessidade de destruir a raiz do mal: o Capital. Ao contrário, decidem relançar o "verdadeiro" antifascismo, proletarizá-lo, recomeçar o trabalho de Sísifo que consiste em democratizar o capitalismo. Pode-se odiar o fascismo e amar a humanidade, mas isso não muda algumas questões essenciais: (1) o Estado capitalista (ou seja: todos os Estados) está cada vez mais constrangido a mostrar-se repressivo e totalitário; (2) todas as tentativas de exercer pressão sobre o Estado, no intuito de forçá-lo numa direção mais favorável para os trabalhadores ou para "liberdades democráticas" irão terminar, no melhor dos casos, em nada. No pior, ou seja, na maioria dos casos, contribuirão para reforçar a ilusão de que o Estado é o árbitro da sociedade, uma força neutra que está acima de todas as classes. Os antifascistas são bastante capazes de: 1) repetir enfadonhamente as análises marxistas clássicas, que definem o Estado como um instrumento de dominação de classe; e, ao mesmo tempo, 2) propor o "uso" desse mesmo Estado. Os mesmos antifascistas, que estudaram os escritos de Marx sobre a abolição do trabalho e da troca, agora difamam a revolução social ao representá-la como uma ultra-democratização do trabalho assalariado. Estes são os que vão mais longe. Eles adotam parte das teses revolucionárias anunciando que o Capital é sinônimo de fascismo, que a luta pela democracia contra o fascismo implica na luta contra o capitalismo. Mas em que terreno eles lutam? Lutar sob a liderança de um ou mais Estados capitalistas - porque eles possuem recursos materiais e detém o controle da luta - é contribuir para a derrota do proletariado na luta contra o Capital. A luta pela democracia não é um atalho que permitiria aos trabalhadores colher os frutos da revolução sem ter de fazê-la. O proletariado só destruirá o totalitarismo se destruir a democracia e todas as formas políticas ao mesmo tempo. Até lá, haverá uma sucessão de sistemas "fascistas" e "democráticos" no tempo e espaço; os regimes ditatoriais transformam-se em regimes democráticos e vice-versa; as ditaduras coexistem com as democracias; um tipo serve, como justificação e contraste, para o outro. Há quem diga que a democracia é mais propícia do que a ditadura para uma atividade revolucionária, ignorando ou esquecendo que o mais democrático dos sistemas torna-se ditatorial tão logo se sinta ameaçado pela revolução. E ainda mais rapidamente quando os "partidos dos trabalhadores" estão governando. Se alguém deseja levar o antifascismo às últimas conseqüências de sua lógica, terá de imitar certos liberais de esquerda que nos dizem: "Desde que o movimento revolucionário pressiona o Capital à ditadura, vamos renunciar toda revolução e nos contentar em ir o mais longe possível com as reformas, sem pressionar o Capital." Mas esta prudência é por si só utópica, porque a "fascistização" que se tenta evitar resulta não apenas da ação revolucionária, mas da concentração dos capitais. Pode-se discutir a validade e os resultados efetivos da participação dos revolucionários em movimentos democráticos até o início do século XX. Mas, hoje, esta possibilidade está excluída, uma vez que o Capital exerce total dominação sobre a sociedade. Portanto, uma conclusão é inevitável: a democracia tornou-se uma mistificação, um passatempo para imbecis. Toda vez que os proletários dependeram da democracia como uma arma contra o Capital, ela se transformou no seu oposto... Os revolucionários rejeitam o antifascismo por saberem que não é possível lutar exclusivamente contra uma forma política sem apoiar uma outra, que é a tática antifascista por excelência. O erro do antifascismo não é lutar contra o fascismo, mas dar prioridade a essa luta, que se revelou inefetiva. Os revolucionários não denunciam o antifascismo por não "fazer a revolução", mas por serem impotentes na luta contra o totalitarismo e por reforçar, voluntariamente ou não, o Capital e o Estado. A democracia sempre se rendeu ao fascismo, praticamente sem luta. Mas o fascismo também se converteu à democracia, quando se viu forçado pela correlação de forças socio-políticas. Em 1943, a Itália aderiu ao campo dos vitoriosos. O ditador Mussolini, derrotado no Grande Conselho Fascista, foi submetido ao veredito democrático daquele órgão e aprisionado. Um dos oficiais fascistas, marechal Badoglio, convocou a oposição democrática e formou um governo de coalizão. Tais fatos são conhecidos na Itália como a "revolução de 25 de agosto". Os democratas hesitaram, mas pressionados pelos russos e o PCI, aceitaram um governo de unidade nacional, em abril de 1944, dirigido por Badoglio, ao qual Togliatti e Benedetto Croce pertenceram. Em junho de 1944, o socialista Bonomi formou um ministério que excluía os fascistas. Foi estabelecida a fórmula tripartidária (PCI-PSI-Democracia Cristã), que dominou os primeiros anos do pós-guerra. Vimos, pois, um exemplo de transição organizada e parcialmente conduzida pelos fascistas. A democracia metamorfoseia-se em fascismo e vice-versa, de acordo com as circunstâncias, numa sucessão de composições políticas que asseguram a preservação do Estado como garantia do capitalismo. Mas o retorno à democracia está longe de produzir, em si mesmo, uma retomada da luta de classes. Na verdade, os partidos dos trabalhadores quando chegam ao poder são os primeiros a falar em Capital nacional. Antes, o sacrifício material e o abandono da luta de classes foram justificados pela necessidade de "derrotar o fascismo". Depois, foram mantidos, mas em nome do ideal de resistência forjado na luta contra o fascismo. As ideologias fascista e antifascista são, ambas, adaptáveis aos interesses do Capital, de acordo com as circunstâncias. Desde o início, o grito "o fascismo não passará" – que, aliás, para nada servia, pois o fascismo sempre passou – soava como uma forma grotesca de demarcação entre fascismo e não fascismo, seguindo uma linha em constante movimento. Assim, por exemplo, a esquerda francesa denunciou o perigo "fascista" depois de 13 de maio de 1958, mas os dirigentes SFIO (Seção Francesa da Internacional Operária, atual partido socialista francês) colaboraram com a redação da constituição da quinta república, como queria o general De Gaulle. Portugal e Grécia também ofereceram episódios de auto-reciclagem de ditaduras em democracias. Sob a pressão de circunstâncias externas (questão colonial para Portugal, questão de Chipre para a Grécia), os militares preferiram entregar o regime para salvar o Estado. Na Espanha, o júbilo dos democratas e seus atos foram exatamente iguais quando os franquistas renunciaram ao poder. O partido "comunista" espanhol expressou precisamente essa opinião (para isso o Capital espanhol necessita do PCE e por isso o mantém): "A sociedade espanhola deseja que se proceda de tal forma que o funcionamento normal do Estado seja assegurado, sem sobressaltos ou convulsões sociais. A continuidade do Estado exige a não continuidade do regime." Ocorreu, pois, a transição de uma forma do Estado para outra, transição da qual o proletariado é excluído e sobre a qual não exerce o menor controle. Se o proletariado tentar intervir, terminará integrado ao Estado e, em suas lutas futuras, enfrentará as maiores dificuldades, como o caso português demonstrou claramente. NOTA: [1] Simon Leys – The Chairman´s New Clothes: Mao and the Cultural Revolution, London (1977). CHILE Provavelmente, o exemplo do Chile tem feito muita gente ressuscitar a falsa oposição democracia/fascismo. Este caso ilustra muito bem todo o mecanismo do êxito da ditadura, implicando a tripla derrota do proletariado. Contemporânea aos eventos na Europa, a Frente Popular Chilena dos anos 30 já havia designado seu inimigo como a "oligarquia". A luta principal era contra o controle oligárquico do parlamento, considerado sufocante. A maioria conservadora facilitou a evolução no sentido de um sistema presidencial mais centralizado, com poder estatal reforçado, capaz de incentivar reformas, isto é, o desenvolvimento industrial. Essa frente popular (que existiu essencialmente de 1936 à 1940) corresponde a uma conjuntura de ascenso movimento da classe média urbana (burguesia e trabalhadores de colarinho branco) e das lutas da classe operária. A classe operária foi organizada pela Federação Socialista do Trabalho, posteriormente dizimada pela repressão; pelos anarco-sindicalistas da CGT, sob influência da I.W.W., combativos, porém débeis (20 a 30 mil membros de um total de 200.000 sindicalizados); e especialmente pela Federação dirigida pelo partido comunista. Os sindicatos de trabalhadores de colarinho branco haviam feito greves duras, nos anos 20, as dos trabalhadores industriais e daqueles dois bastiões da militância proletária: o nitrato (mais tarde, cobre) e o carvão. Mesmo insistindo na reforma agrária, a Coligação dos socialistas, stalinistas e radicais não conseguiu impor isso à oligarquia. A Coligação pouco fez para recuperar as riquezas remetidas para o exterior, mediante a exploração de recursos naturais (primeiramente, nitrato). Mas engendrou um salto na produção industrial, como o Chile nunca tinha visto antes, por meio de instituições semelhantes, reestruturando o Estado capitalista, que concentrou recursos no estímulo à indústria pesada e à energia. A produção industrial aumentou, durante esse período, cerca de 10% ao ano; desse período à 1960, 4% anuais; e durante os anos 60, de 1 a 2% ao ano. A fusão das centrais sindicais socialista e stalinista começou no fim de 1936 e enfraqueceu ainda mais a CGT. A Frente Popular acabou com qualquer iniciativa verdadeiramente subversiva. A coligação durou até 1940, quando o Partido Socialista saiu do governo. Mas o regime estava apto para continuar até 1947, sustentado pelo partido radical e pelos stalinistas – além dos intermitentes apoios da falange fascista, ancestral da democracia cristã, partido de Eduardo Frei [1]. Os stalinistas apoiaram o regime até 1947, quando o partido radical o abandonou. Como os esquerdistas sempre nos dizem, as Frentes Populares também são produtos da luta da classe operária. Mas de uma luta que ocorre sob o controle do Capital e que tem contribuído para modernizá-lo. Depois de 1970, a Unidade Popular propõe-se o objetivo de revitalizar o Capital nacional chileno (que o PDC – Partido Democrata Cristão - não havia sabido proteger durante os anos 60), integrando os trabalhadores. No final das contas, o proletariado chileno seria triplamente derrotado. A primeira, quando renunciou às lutas econômicas para seguir a reboque da esquerda, aceitando o novo Estado apoiado pelas "organizações dos trabalhadores". Em 1971, fizeram a Allende a seguinte pergunta: "Na sua opinião, é possível evitar a ditadura do proletariado?" E ele respondeu: "Eu acho que sim. Para este fim é que estamos trabalhando." [2]. A segunda foi a repressão militar, depois do golpe de Estado. Ao contrário do que imprensa esquerdista disse sobre "resistência armada", os proletários haviam sido desarmados materialmente e ideologicamente pelo governo de Allende, que os havia forçado a entregar suas armas em várias ocasiões. A transição para a ditadura militar iniciou-se quando Allende nomeou um general para o cargo de ministro do interior, aceitando a tutela dos militares para evitar o golpe militar e proteger o Estado democrático, que era congenitamente incapaz de evitar o totalitarismo. Deste modo, a Unidade Popular imobilizou os proletários revolucionários, entregando-os indefesos à direita fascista. Um acordo entre a UP e o PDC afirmava: "Nós desejamos que a polícia e as forças armadas continuem a garantir nossa ordem democrática, a qual implica o respeito da estrutura hierárquica do exército e da polícia." Porém, a mais ignóbil de todas foi a terceira derrota. Dever-se-ia conceder à esquerda internacional a medalha que merece. Depois de ter apoiado o uso do Estado com a intenção declarada de reformar o capitalismo, a esquerda e a extrema-esquerda posaram de profetas: "Nós os avisamos: o Estado é a força repressiva do Capital". Os mesmos que, 6 meses antes, haviam encorajado a infiltração dos revolucionários no exército e a inserção organizada nos órgãos da vida política e social, agora diziam que o exército havia permanecido "o exército da burguesia", e que eles sabiam disso há muito tempo... Evidentemente, tratavam de justificar a derrota. Para tal, exploraram a emoção e o choque causado pelo golpe militar, tentando impedir que os revolucionários proletários (no Chile ou em qualquer outro lugar) extraíssem lições desses eventos. Em vez de analisar o que a UP fez e o que não deveria ter feito, esses esquerdistas limitaram-se a reeditar velhas táticas políticas, agora carregando na cor vermelha. A foto de Allende empunhando um fuzil-metralhadora tornou-se o símbolo da ala esquerda da democracia. Finalmente, resolviam lutar contra o fascismo. A luta é necessária, mas não é suficiente: há que ter armas. Esta é a tardia lição que a esquerda dá ao Chile, utilizando a morte de Allende, prova "física" da derrota da democracia, como símbolo de sua vontade de lutar. "Se, no momento da ação, seus interesses se revelaram desinteressantes e sua potência impotente, de pouco sentem-se responsáveis os nocivos demagogos que dividiram as pessoas em campos diferentes e hostis. Ou, então, o exército estava embrutecido e demasiado cego para compreender que os puros objetivos da democracia são a melhor coisa para ele... Seja como for, o democrata sempre parece, após a mais humilhante derrota, tão imaculado quanto era inocente quando tudo começou." Marx [3] Questionar a natureza da Unidade Popular, na dinâmica da luta política (num dia, com votos; com balas, no outro), só é possível, em poucas palavras, questionando a natureza do capitalismo, do comunismo e do Estado. Outro problema é que atitude tomar diante de um "ataque fascista". Caberia perguntar, também, porque a vanguarda do proletariado ficou isolada, completamente sem recursos, nos cinturões industriais. Mas é tempo de juntar as peças: a derrota, mais do que a vitória, faz com que os antifascistas se unam. Rechaçam toda crítica, sob a alegação de que isso enfraqueceria o "movimento". Uma das primeiras declarações dos trotskistas portugueses, depois do 25 de abril de 1974, foi denunciar como "ultra-esquerdistas" os revolucionários que se recusaram a jogar o jogo da democracia. Resumindo, a esquerda internacional uniu-se para impedir a compreensão dos eventos chilenos, para distanciar ainda mais os proletários da perspectiva comunista. Desta maneira, a esquerda prepara o retorno da democracia chilena e se põe à disposição do Capital, para quando este necessitar dela novamente. NOTAS: [1] Esse apoio quase unânime, da extrema-direita à esquerda, não é surpreendente. De fato, é muito comum os partidos stalinistas latino-americanos darem sustentação política às ditaduras militares em seus respectivos países – assim como apoiaram a democracia contra o fascismo, durante a segunda guerra mundial - alegando que são progressistas, desenvolvem o capitalismo nacional ou fazem concessões aos trabalhadores. Cf. Victor Alba – Politics & the Labor Movement in Latin America, Stanford (1968). Maoístas e trotskistas costumam fazer o mesmo, com freqüência, na Bolívia, por exemplo. [2] Le Monde, fevereiro 7-8 (1976). [3] Marx, Karl – The Eighteenth Brumaire of Louis Bonaparte, International, New York (1972), p. 54. PORTUGAL O caso português é um enigma insolúvel apenas para aqueles (a maioria) que não sabem o que é a revolução. Revolucionários sinceros e confusos, mantém-se perplexos frente ao colapso do movimento, que lhes parecia tão vigoroso. Esta incompreensão é o resultado de numa confusão. Portugal ilustra o que o proletariado é capaz de fazer, demonstrando novamente o que o Capital pode recuperar. A ação proletária talvez não seja o motor da história, mas num plano social e político, constitui-se no principal fator da evolução de qualquer país capitalista. Entretanto, a irrupção do proletariado na cena histórica não é, necessariamente, sinônimo de avanço revolucionário. Fundir os dois, teoricamente, é confundir a revolução com o seu contrário. Referir-se aos acontecimentos de 25 de abril de 1974 como Revolução Portuguesa é chamar de revolução uma simples reestruturação capitalista. Enquanto a ação do proletariado mantém-se nos limites econômicos e políticos do capitalismo, não apenas as bases da sociedade permanecem inalteradas, mas até mesmo as reformas obtidas (liberdades políticas e melhorias econômicas) estão condenadas a durar pouco. Não há concessão feita pelo Capital, sob pressão da classe operária, que ele não possa recuperar, no todo ou em parte, tão logo a pressão dos trabalhadores relaxa. O movimento está derrotado de antemão, quando se limita a pressionar o capitalismo. Dessa maneira, os proletários agem como se tentassem derrubar um muro a cabeçadas. A ditadura portuguesa deixara de ser a forma adequada para o desenvolvimento de um Capital nacional, como ficou evidenciado pela sua incapacidade de resolver a questão colonial. Longe de enriquecer a metrópole, as colônias a desestabilizaram, pondo em xeque a carcomida ditadura lusitana. Mas, para lutar contra o "fascismo", havia... o exército português. Única força organizada no país, apenas o exército poderia iniciar a mudança, mas concluí-la com êxito é um outro problema. Agindo de acordo com o hábito, ansiosas por cumprir as exigências do poder e sob o controle do Capital, a esquerda e a extrema esquerda decretaram uma profunda subversão no exército. O mesmo exército no qual, previamente, haviam visto os oficiais como torturadores coloniais, agora era enaltecido como o exército do povo. Com a ajuda da sociologia, eles demonstraram as origens populares e as aspirações dos líderes militares, que supostamente tendiam para o socialismo. Assim, cultivaram as boas intenções desses oficiais, os quais, segundo nos diziam, queriam apenas ser "iluminados pelos marxistas". Do PS até os mais extremos esquerdistas, todos pareciam ignorar que o Estado não havia desaparecido e que o exército continuava sendo o seu instrumento essencial. Diziam que as brechas no aparato estatal permitiriam o acesso de militantes da classe operária e que o Estado havia mudado de função. Porque se expressou em linguagem popular, o exército foi considerado um aliado dos trabalhadores. Por causa da relativa liberdade de expressão obtida, afirmou-se que a "democracia dos trabalhadores" tinha sido estabelecida. Mas havia preocupantes indícios de retomada da autoridade em certos locais, onde o Estado mantinha seus velhos hábitos. Novamente, a esquerda e a extrema-esquerda concluíram que era necessário exercer ainda mais pressão sobre o Estado, mas sem atacá-lo, sem jogá-lo nos braços da "direita". Nesse ínterim, executavam rigorosamente o programa da direita e adicionaram algo de que a direita é geralmente incapaz: a integração dos trabalhadores. A abertura do Estado para a esquerda não o enfraquece, muito pelo contrário. A esquerda utilizou uma ideologia populista e manipulou o entusiasmo dos trabalhadores a serviço da construção do capitalismo nacional português. A aliança entre a esquerda e o exército foi precária. A esquerda trouxe as massas; o exército, a estabilidade garantida pelas armas. Foi necessário, para o PCP e o PS, controlar firmemente as massas. Para fazê-lo, tiveram de conceder vantagens materiais que punham em risco o frágil capitalismo português. Daí os conflitos e sucessivos acordos políticos. As "organizações dos trabalhadores" apenas são capazes de dominar os trabalhadores se distribuírem, entre eles, uma parte dos lucros do Capital. Mais tarde, faz-se necessário resolver os conflitos e restabelecer a disciplina. A falsa revolução havia servido para cansar os mais resolutos, para desencorajar muitos outros e isolar os revolucionários. Depois, o Estado reprimiu brutalmente, demonstrando que nunca havia desaparecido. Aqueles que pretendiam conquistar o Estado infiltrando-se nele conseguiram apenas sustentá-lo até um momento crítico. Um movimento revolucionário não é possível em Portugal, pois depende de um contexto mais vasto e, e em qualquer caso, será possível apenas em outras bases que não as da contra-revolução democrática ou democratização contra-revolucionária de 25 de abril de 1974. Mas a luta dos proletários, mesmo por objetivos reformistas, cria dificuldades para o Capital e, mais ainda, constitui uma experiência necessária que os torna aptos para a revolução. A luta prepara o futuro. Mas essa preparação pode ter duas conseqüências (nada é automático): sufocar ou fortalecer o movimento comunista. Portanto, nunca é demais insistir na autonomia dos proletários. Sem esquecer que a autonomia operária é mais do que um abstrato princípio revolucionário, pois exige a atuação resoluta de minorias conscientes no movimento dos trabalhadores. A revolução proletária rechaça o falso dilema entre democracia e ditadura. Somente tomando certas medidas, os proletários manterão a direção da luta. Se se limitarem a uma ação reformista, mais cedo ou mais tarde a luta escapará ao seu controle e será dirigida por uma organização de tipo sindicalista, que talvez se intitule "comitê de base". A autonomia não é uma virtude revolucionária em si mesma. Toda organização depende, na forma e no conteúdo, do objetivo para o qual foi criada. A ênfase não pode ser dada à autonomia dos trabalhadores, exceto sob uma perspectiva comunista, pela qual efetivamente a classe operária combate a liderança de partidos tradicionais e sindicatos. O conteúdo da ação está determinado por seu objetivo. A revolução social não pode ser reduzida a um problema de "vontade da maioria". Dar prioridade à autonomia operária leva a um beco sem saída. Em nome da "democracia dos trabalhadores", confina os proletários à empresa capitalista, com seus problemas de produção, e não consegue ver a revolução como destruição da empresa capitalista. Na melhor das hipóteses, reinventa o sindicalismo revolucionário. ESPANHA: GUERRA OU REVOLUÇÃO? No mundo inteiro, a democracia capitulava frente à ditadura. Mais exatamente, a democracia dava boas vindas à ditadura, de braços abertos. E a Espanha? Longe de constituir uma feliz exceção, a Espanha representou um caso extremo de confronto armado entre democracia e fascismo, sem mudar a natureza da luta: há sempre duas formas de desenvolvimento capitalista que se opõem, duas formas políticas do Estado, dois regimes disputando a legitimação do Estado capitalista. O confronto foi violento porque os trabalhadores haviam se levantado em armas contra o fascismo. A complexidade da guerra na Espanha vem deste duplo aspecto: uma guerra civil (proletariado versus Capital) transformada numa guerra capitalista (proletários em ambos os lados, lutando por formas de Estado). Depois de facilitar a preparação do golpe de Estado, a república pretendia negociar e/ou se submeter, quando os proletários se sublevaram, impedindo seu sucesso na metade do país. A guerra espanhola não teria sido acontecido sem essa autêntica insurreição proletária (que foi uma irrupção espontânea). Mas este fato não é suficiente para caracterizar a guerra espanhola como um todo e seus eventos subseqüentes. Define apenas o primeiro movimento da luta, que foi efetivamente uma insurreição proletária. Após derrotarem os fascistas em um grande número de cidades, os trabalhadores tomaram o poder. Esta foi a situação imediatamente depois da insurreição. Mas o que fizeram com esse poder? Eles o devolveram ao Estado republicano ou o usaram para ir mais além, na direção do comunismo? Eles confiaram no governo legal, isto é, no Estado capitalista. Todas as ações seguintes foram dirigidas pelo Estado. Este é o ponto central. Na luta armada contra Franco e nas transformações sócio-econômicas, todo o movimento operário espanhol seguiu a reboque do Estado capitalista. Logo, sua direção teria de ser capitalista. Houve tentativas isoladas de ultrapassar a direção capitalista, mas permaneceram hipotéticas porque o Estado foi mantido. A destruição do Estado é uma condição necessária (ainda que não suficiente) para a revolução comunista. Na Espanha, o poder foi exercido pelo Estado e não pelas organizações, sindicatos, coletivos, comitês, etc.. Mesmo a poderosa CNT teve de se submeter ao PCE (muito fraco, antes de julho de 1936). Isto se verifica pelo simples fato de que o Estado foi capaz de usar brutalmente seu poder quando requerido (maio de 1937, em Barcelona). Não há revolução sem destruição do Estado. O que era óbvio para Marx e foi esquecido por 99% dos marxistas, confirma-se uma vez mais na tragédia espanhola: "Uma das características das revoluções em que o povo parece avançar rapidamente para uma nova era tem sido a facilidade com que se deixa novamente subjugar pelas ilusões do passado, entregando o poder e a influência, que tão duramente conquistaram, aos homens supostamente representaram o movimento popular numa época anterior." [1] Ainda assim, não se trata de comparar as colunas de proletários armados da segunda metade de 1936 com sua posterior militarização e redução ao nível de órgãos do exército burguês. Uma diferença considerável separou essas duas fases: primeiro, houve o despertar revolucionário, durante o qual o movimento dos trabalhadores se expressou com uma certa autonomia, um certo entusiasmo, bem descritos por Orwell [2]. Depois desta fase, superficialmente revolucionária, criaram-se as condições para uma guerra convencional, essencialmente antiproletária, como todas as guerras. As colunas saíam Barcelona para combater o fascismo em outras cidades, principalmente Saragoça. Se queriam estender a revolução além das zonas republicanas, era necessário revolucionarizá-las, antes ou simultaneamente [3]. Durruti sabia que o Estado não havia sido destruído, mas ignorou esse fato. Na marcha, sua coluna, composta por 70% de anarquistas, implantava a coletivização. A milícia ajudou os camponeses e propagou idéias revolucionárias. Segundo Durruti: "Nós temos apenas um objetivo: destruir os fascistas. Nossa milícia nunca defenderá a burguesia, somente não a atacamos." Quinze dias antes de sua morte (em 20 de novembro de 1936), Durruti dizia: "Um único pensamento, um único objetivo...: destruir o fascismo... No momento presente, ninguém está preocupado em aumentar ou diminuir as horas de trabalho... Para sacrificar-nos, para trabalhar tanto quanto necessário, devemos formar um bloco sólido de granito. Está na hora de os sindicatos e organizações políticas acabarem com o inimigo de uma vez por todas. Na retaguarda, as experiências administrativas serão necessárias, quando esta guerra terminar... Não vamos provocar, pela nossa incompetência, outra guerra civil entre nós... Para nos opormos à tirania fascista, devemos ser uma força única: deve existir uma única organização, com uma única disciplina." Mas a simples vontade de lutar não pode substituir uma luta revolucionária. Além disso, a violência política é facilmente utilizada com objetivos capitalistas (como o terrorismo o prova). Aqueles que se deixam seduzir pela "luta armada" são os mesmos que rapidamente apontam suas armas e disparam contra os proletários, para defender uma forma qualquer (democrática ou popular) de Estado. Em condições diferentes, a militarização do campo antifascista (insurreição, seguida por milícias e, finalmente um exército regular) lembrava a guerra de guerrilhas antinapoleônica, descrita por Marx: "Comparando os três períodos da guerrilha com a história política de Espanha, percebe-se que eles representam as etapas em que o espírito contra-revolucionário do governo se impôs, assim que refluiu o etusiasmo popular. Começando pelo levantamento de todos os povoados, a insurreição se deixou conduzir pelos bandos de guerrilheiros, que tinham sua reserva nos lugarejos rurais, para terminar degenerando em banditismo ou sendo enquadrada em regimentos de um exército."[4]. Ora, o compromisso invocado por Durruti - da unidade a qualquer preço - poderia apenas dar vitória primeiro ao Estado republicano (sobre o proletariado) e depois para Franco (sobre o Estado republicano). Houve um começo de revolução na Espanha, mas fracassou tão logo os proletários depositaram sua confiança no Estado. Não importa quais foram suas intenções. Mesmo que a grande maioria dos proletários, que estavam prontos para lutar contra Franco sob a liderança do Estado, tivesse preferido atrelar-se a um poder verdadeiro, apesar de tudo, e apoiado o Estado apenas por conveniência, o fator determinante é seu ato e não sua intenção. Depois de se organizarem para derrotar o golpe de Estado, com rudimentos de uma estrutura militar autônoma (as milícias), os proletários aceitaram a direção da coligação das "organizações dos trabalhadores" (a maioria abertamente contra-revolucionária), que impuseram a autoridade do Estado. Alguns proletários imaginavam deter o poder (o qual haviam efetivamente conquistado por um período curto), enquanto que, para o Estado sobraria apenas a aparência do poder. Isso foi um grave erro, pelo qual pagariam muito caro. Alguns críticos das opiniões antifascistas concordam com nossa visão sobre a guerra espanhola, mas insistem em que a situação permaneceu "aberta" e que poderia ter evoluído. Era, pois, necessário ajudar o movimento autônomo dos proletários espanhóis (no mínimo, até maio de 1937), apesar de esse movimento ter adquirido formas inadequadas. Nossa resposta é que, ao contrário, o movimento autônomo do proletariado rapidamente desapareceu, absorvido pela estrutura do Estado, que sufocou qualquer tendência revolucionária. Isso ficou visível, em maio de 1937, mas os "dias sangrentos de Barcelona" serviram apenas para desmascarar uma realidade existente desde o fim de julho de 1936: o poder efetivo havia passado das mãos dos trabalhadores para as mãos do Estado capitalista. Permitam-nos acrescentar, para aqueles que igualam fascismo e ditadura burguesa, diferenciando-os da democracia, que o muito democrático governo republicano não hesitou em usar "métodos fascistas" contra os trabalhadores. Certamente, o número de vítimas foi muito menor em comparação com a repressão de Franco, mas isso está relacionado com a função das duas repressões, a democrática e a fascista. E não era mais do que uma elementar divisão de trabalho: o alvo do governo republicano era muito menor (elementos incontroláveis, POUM, esquerda da CNT...). NOTAS: [1] Marx K. & Engels F. – Collected Works 13, Lawrence & Wishart, London (1980), p. 340. [2] George Orwell – Hommage to Catalonia, London (1938). [3] Abel Paz – Durruti: The People Armed, Black Rose Books, Montreal (1976). [4] Marx, K. & Engels, F. – Collectec Works 13, London (1980), p. 422. OUTUBRO DE 1917 & JULHO DE 1936 A revolução não se desenvolve num dia. Há sempre um movimento social confuso e multiforme. O decisivo é a capacidade dos revolucionários para avançar irreversivelmente. A comparação, mesmo superficial, entre Rússia e Espanha demonstra-o bem. Entre fevereiro e outubro de 1917, os soviets (sovietes, conselhos) instituíram-se em poder paralelo ao do Estado. Mas, na maior parte do tempo, apoiaram o Estado e desse modo não agiam de forma revolucionária. Pode-se até dizer que, no início, os conselhos eram contra-revolucionários. Mas isso não implica que eles estivessem fixados nesse modo de ser. Na verdade, os conselhos foram alvo de uma longa e tenaz disputa entre as correntes revolucionárias (representadas, especial mas não somente, pelos bolcheviques), e vários grupos conciliadores. Foi apenas no final da luta que os sovietes tomaram posição contra o Estado [1]. Seria, pois, inadmissível para um comunista dizer, em fevereiro de 1917: "Os conselhos não estão agindo de forma revolucionária, devo denunciá-los e lutar contra eles." Porque os conselhos não estavam estabilizados. O conflito que animou os sovietes por meses não foi meramente uma luta de idéias, mas o reflexo de um antagonismo de interesses sociais genuínos. "Serão os interesses - e não os princípios - que impulsionarão a revolução. Na verdade, é precisamente dos interesses, e deles sozinhos, que os princípios se desenvolvem. Isto quer dizer que a revolução não será apenas política, mas social". Marx [2] Os operários e camponeses russos queriam a paz, a terra e reformas democráticas, que o governo se recusava a dar. Esse antagonismo explica a crescente hostilidade e o resultante confronto que separou o governo das massas. Mas a exasperação dos antagonismos de classes estimularam a formação de uma minoria revolucionária que sabia mais ou menos (não esqueçamos as vacilações da liderança bolchevique, depois de fevereiro) o que queria, e organizou-se para esses fins, contrapondo as exigências das massas ao governo. Em abril de 1917, Lenin disse [3]: "Falar em guerra civil antes que as massas tenham compreendido sua necessidade é agir como um blanquista. Agora, são os soldados e não os capitalistas que possuem as armas. Os capitalistas estão obtendo o que querem não mais pela força, mas pelo desânimo. Então, falar de violência não tem sentido... Por hora, não usaremos esse slogan (´Todo o Poder aos Sovietes!´), mas apenas por hora." Tão logo conquistou a maioria dos sovietes/conselhos, em setembro, Lenin voltou a pregar a conquista do poder pelas armas. Nada semelhante foi o que aconteceu na Espanha. Apesar de freqüentes e violentos, os confrontos que ocorreram depois da primeira guerra mundial não serviram para unificar os proletários espanhóis enquanto classe. Forçados à luta violenta pela repressão do movimento reformista, lutaram sem cessar, mas fracassaram na tentativa de concentrar suas forças contra o Capital. Neste sentido, não houve um "partido" revolucionário na Espanha. Não porque a minoria revolucionária não foi bem sucedida em matéria de organização: isso seria formular erroneamente o problema. As lutas, por violentas que fossem, não resultaram num claro antagonismo de classes, entre o proletariado e o Capital. Eis porque a classe operária não atacou o coração do inimigo, não se emancipou da tutela da CNT - uma organização basicamente reformista, como toda organização sindical está condenada a ser, apesar de sua militância revolucionária. Enfim, o movimento não se organizou de modo comunista porque não agiu de modo comunista. O que aconteceu na Espanha serve também para demonstrar que a intensidade da luta de classes – indiscutível, no caso espanhol - é descontínua. Os proletários espanhóis nunca relutaram em sacrificar suas vidas, mas não ultrapassaram a barreira que os separava de um ataque direto contra o Capital (o Estado, sistema econômico comercial, o Banco de Espanha...). Eles pegaram em armas, tomaram iniciativas (comunas libertárias, antes de 1936; depois, coletivizações...), mas não foram muito além disso. Rápida e ingenuamente, aceitaram o controle de suas organizações armadas pelo comitê central das milícias. Este órgão, como qualquer outro que tenha emergido dessa forma na Espanha, não pode ser comparado aos conselhos russos. A posição ambígua do CC das milícias - simultaneamente um apêndice da Generalitat (governo catalão) e uma espécie de coordenação das várias organizações militares antifascistas - decorria de sua integração ao Estado, tanto mais fácil porque era completamente permeável às organizações que disputavam o poder no interior do Estado. [4] Na Rússia, houve a luta, entre a minoria organizada e capaz de formular uma perspectiva revolucionária e a maioria, oportunista e conciliadora, pela direção dos sovietes. Na Espanha, os elementos radicais, não importando o que pensavam, aceitaram a posição da maioria: Durruti saía para lutar contra Franco, deixando o Estado intacto na retaguarda. Quando os radicais se opuseram ao Estado, não procuraram destruir as "organizações dos trabalhadores" que os estavam "traindo" (inclusive a CNT e o POUM). A diferença essencial, o motivo pelo qual não houve um "outubro espanhol" foi a falta de um verdadeiro antagonismo de interesses entre os proletários e o Estado. "Objetivamente", proletariado e Capital estão em oposição, mas essa oposição existe num nível de princípios, que não coincidem com a realidade. Em seu movimento social efetivo, o proletariado espanhol não lutava em bloco contra o Capital e o Estado. Na Espanha, não ocorreram as exigências que, por serem absolutamente necessárias, poderiam influenciar os trabalhadores a atacar o Estado para obtê-las (como na Rússia: "Pão, Paz e Terra"). Esta situação não-antagônica estava relacionada com a falta de um "partido", que se faria sentir nos momentos decisivos. Ao contrário da instabilidade russa, entre fevereiro e outubro, a situação espanhola caminhava para a normalização, no início de agosto de 1936. Se o exército do Estado russo desintegrou-se, depois de fevereiro de 1917, o do Estado espanhol se recompôs, depois de julho de 1936, sob uma forma "popular". NOTAS: [1] Oskar Anweiler – The Soviets, The Russian Workers, Peasants and Soldiers Councils 1905-1921, N.Y. (1974). [2] Marx & Engels – Écrits Militaires, L´Herne (1970), p. 143. [3] Lênin, V. I. – Collected Works 24, Moscow (1964), p. 236. [4] Carlos Semprun-Maura – Revolution et Contre-Revolution en Catalogne (1974), pp. 53-60. A COMUNA DE PARIS Aqui, uma comparação requer exame e impõe que se critique a visão marxista usual, que tenta passar como se fosse a do próprio Marx. Investigando a experiência da Comuna de Paris, em 1871, Marx aprendeu uma lição importante [1]: "A classe operária não pode simplesmente se apoderar da máquina estatal, e utilizá-la para seus próprios interesses." Todavia, Marx não conseguiu estabelecer uma nítida separação entre o movimento insurrecional, de 18 março de 1871, e o começo de sua recuperação, mais tarde, pela eleição da "comuna" de 26 de março. A fórmula "Comuna de Paris" confunde os dois momentos. O movimento inicial foi certamente revolucionário, na tentativa de superar a confusão e estender as lutas ao conjunto do país. Mas esse movimento estava muito próximo de assumir uma forma política, no sentido capitalista do termo. Na verdade, a Comuna eleita mudou apenas as formas anteriores da democracia burguesa. A burocracia e o exército permanente assumiram as feições características do Estado capitalista, mas não constituem sua essência. Marx assinalou que: "A Comuna realizou a promessa das revoluções burguesas, um governo barato, simplesmente destruindo as duas maiores fontes de despesas: o exército permanente e o Estado burocrático." [2] O governo da Comuna era grandemente dominado por burgueses republicanos. Os comunistas, cautelosos e em minoria, haviam sido obrigados a se expressarem pela imprensa republicana. Tão fraca era sua própria organização, que não teve muito peso na vida da Comuna e pouco influenciou o programa da Comuna - esse é o critério decisivo - que prefigurou o programa da terceira república francesa. Mesmo sem qualquer maquiavelismo por parte da burguesia, a guerra de Paris contra Versalhes (muito mal conduzida, aliás) serviu para esvaziar o conteúdo revolucionário e canalizar o movimento inicial para uma atividade puramente militar. É curioso notar que Marx definiu a forma governamental da Comuna pelo seu funcionamento, e não pelos seus resultados, como "a verdadeira representação de todos os elementos saudáveis da sociedade francesa, e ainda mais o verdadeiro governo nacional". Mas como um governo capitalista, e não um "governo dos trabalhadores".[3] Não examinaremos aqui porque Marx [4] adotou tal posição contraditória (em público, na Primeira Internacional; mas se mostrou mais crítico, em particular). Em todo caso, o mecanismo para impulsionar o movimento revolucionário assemelha-se com o de 1936. Como em 1871, a república espanhola usou como bucha de canhão, enviando-os para a linha de frente, os revolucionários proletários (certamente, os mais inclinados a destruir o fascismo) sem dotá-los de todos os recursos necessários e disponíveis. Na falta de uma análise de classe do estado republicano (como no exemplo de 1871), esses fatos aparecem como "erros" ou "traição", mas não são compreendidos e explicados em sua própria lógica. NOTAS: [1] Marx & Engels – Writings on the Paris Commune, Monthly Review, New York (1971), [2] Ibidem – pp. 75-76. [3] Ibidem – p. 80. [4] Saul K. Padover, ed. – The Letters of Karl Marx, Prentice Hall (1979), pp. 333-335. MÉXICO Outra comparação é possível. Durante a revolução burguesa mexicana, a maior parte do proletariado organizado subordinou-se ao Estado democrata e progressista para pressionar a burguesia e garantir seus próprios interesses, como assalariados. Os Batalhões Vermelhos, de 1915-1916, expressavam a aliança militar entre o movimento sindicalista e o Estado, encabeçado na época por Carranza. Fundada em 1912, a Casa do Operário Mundial (COM) decidiu "suspender a organização sindicalista profissional" e lutou junto com o Estado Republicano contra a "burguesia e seus aliados imediatos, os militares e o clero". Uma facção do movimento dos trabalhadores recusou-se e se opôs violentamente a Casa do Operário e seu aliado, o Estado. A COM tentou sindicalizar todos os trabalhadores nas zonas constitucionalistas com o apoio do exército. Os batalhões vermelhos lutaram contra as outras forças políticas que aspiravam o controle do Estado capitalista e, também, contra os camponeses rebeldes e os proletários revolucionários [1]. Os batalhões vermelhos se organizavam de acordo com a ocupação ou profissão (tipógrafos, trabalhadores ferroviários, etc). Na guerra espanhola, algumas milícias também levaram o nome das profissões. Já em 1832, na insurreição de Lyon, o proletariado se agrupou de acordo com a hierarquia do Capital: os trabalhadores estavam reunidos por oficina e comandados pelos capatazes. Desta forma, os assalariados pegaram em armas como assalariados para defender o sistema existente contra as "usurpações" (Marx) do Capital. Uma diferença qualitativa separa a revolta de Lyon, em 1832, direta contra o Estado, dos exemplos mexicano e espanhol, em que os trabalhadores organizados apoiaram o Estado. Mas a questão mais relevante é a reprodução, pelos operários, de formas decalcadas de sua organização pelo Capital. Se ela não destrói o Estado, a luta está de antemão condenada à derrota, seja por integração ao Estado ou pela repressão. A vitória do movimento só é possível se os proletários forem além da revolta elementar (mesmo armada), que não ataca o sistema baseado no trabalho assalariado. Os proletários terão de conduzir a luta armada sem perder de vista o objetivo maior, que é destruir sua condição de assalariados. NOTA: [1] A. Nunes – Les Revolutions du Mexique, Flammarion (1975), pp. 101-102. GUERRA IMPERIALISTA Para fazer uma revolução, o mínimo necessário é começar atacando os baluartes da sociedade: o Estado e a organização econômica. Foi assim, na Rússia: começou em fevereiro de 1917 e acelerou-se pouco a pouco... Não se pode dizer o mesmo da Espanha, onde os proletários se submeteram ao Estado. Desde o começo, tudo que fizeram (luta militar contra Franco, transformações sociais...) foi sob o domínio do Capital. A melhor prova disso foi o rápido desenvolvimento de atividades que a esquerda antifascista é incapaz de explicar. A luta militar logo adotou métodos burgueses e estatistas, que foram aceitos pela extrema Esquerda sob o pretexto da eficiência (e que quase sempre foram ineficientes). O Estado democrático sempre reluta em conduzir a luta armada contra o fascismo, que tem preferido alcançar o poder pacificamente. Era, pois, normal que o Estado Republicano burguês da Espanha rejeitasse os métodos de guerrilha social - utilizados para desmoralizar o inimigo de classe e confraternizar os soldados (proletários fardados) de ambos os lados – e preferisse a convencional guerra de frentes, apesar (ou por causa?) de saber que não teria a menor chance frente a um exército moderno, melhor equipado e treinado para esse tipo de combate. Quanto às socializações e coletivizações, faltando-lhes o impulso comunista, não se fizeram acompanhar pela destruição do Estado e a organização pela base de uma produção antimercantil - no conjunto da sociedade, e não em comunidades precariamente justapostas e desprovidas de um mínimo de ação comum. O Estado logo restabeleceu sua autoridade. Não houve revolução e nem mesmo começo de revolução na Espanha, depois de agosto de 1936. Ao contrário, o movimento no sentido da revolução foi obstruído e sua retomada se fez cada vez mais improvável. Isto ficou visível, em maio de 1937: os proletários novamente poderiam ter atacado o Estado, mediante uma insurreição armada, mas não conseguiram prolongar a batalha até o ponto de ruptura. Depois de terem se submetido, em 1936, os proletários ainda eram capazes de sacudir as fundações do Estado, em maio de 1937, se tivessem se desvencilhado das "organizações representativas" que lhes aconselhavam que entregassem suas armas. O proletariado enfrentou o Estado, mas não o destruiu. Preferiu ouvir os pedidos de moderação, vindos do POUM e da CNT. Até mesmo o grupo radical "Amigos de Durruti", omitiu-se ao não conclamar os proletários para a destruição de todas as organizações contra-revolucionárias. Na Espanha, pode-se dizer que houve uma guerra, mas não uma revolução. A primeira função dessa guerra era resolver um problema capitalista: a construção de um Estado legítimo na Espanha, que desenvolveria o Capital nacional da maneira mais eficiente possível, integrando o proletariado. Vistas por este ângulo, as análises da composição social dos dois exércitos inimigos eram irrelevantes, como as análises que medem o caráter "proletário" de um partido pela percentagem de trabalhadores entre seus filiados. Tais fatos, embora reais e dignos de ser levados em conta, são secundários, se comparados à função social que estamos tentando entender. Um partido que apóia o capitalismo é contra-revolucionário, mesmo que seus membros sejam operários. O exército republicano espanhol - que incluía um grande número de trabalhadores, mas lutava por objetivos capitalistas - não era mais revolucionário do que o exército de Franco. A fórmula "guerra imperialista" aplicada ao conflito espanhol poderá chocar aos que vinculam o imperialismo com a luta pela dominação econômica, pura e simples. Mas o propósito declarado das guerras imperialistas, de 1914-1918 até o presente, é resolver as contradições econômicas e sociais do Capital, esmagando toda e qualquer tendência ou potencialidade comunista. É irrelevante que, na Espanha, a guerra não estivesse diretamente ligada à luta por mercados. O importante foi o papel que ela desempenhou, polarizando os proletários do mundo inteiro, nos países fascistas e nos democráticos, em torno da falsa oposição fascismo/antifascismo. Era a preparação da Santa Aliança, de 1939-1945. Todavia, os motivos econômicos e estratégicos não eram suficientes. Era necessário, para os campos opostos que ainda não estavam bem definidos, conseguir aliados e/ou obter neutralidades benévolas, além de testar a solidez das alianças já firmadas. Compreensivelmente, a Espanha não participou da segunda guerra mundial, para a qual já havia contribuído como ensaio geral e campo de provas. Além disso, não era necessário, uma vez que, na Espanha, o problema social havia sido resolvido pelo duplo (democrático e fascista) esmagamento do proletariado, durante a guerra de 1936-1939. Quanto aos problemas econômicos, estes foram decididos pela vitória da ala mais conservadora do Capital, que limitaria o desenvolvimento das forças produtivas para reduzir os antagonismos sociais. Mas, contrariando sua ideologia, o anticapitalista e "feudal" fascismo espanhol começou a desenvolver a economia, nos anos sessenta. A guerra de 1936-1939 preencheu, na Espanha, a mesma função da segunda guerra mundial para o resto do mundo. Mas com a seguinte e importante diferença (que não modificou o caráter nem a função do conflito): na Espanha, ela começou com uma insurreição proletária, forte o bastante para derrotar o golpe de Estado e obrigar a democracia a enfrentar a ameaça fascista, mas demasiado fraca para destruí-los, ambos, o fascismo e a democracia. Por não ter destruído o Estado, a revolução foi domada, pois o fascismo e a democracia nada mais são do que formas do Estado capitalista. Na guerra imperialista, não importa qual tenha sido o vencedor, o proletariado certamente será o derrotado. O CENTRISMO No debate sobre a Espanha, "Bilan" enfrentou dois tipos de adversários. Uns, no interior do movimento revolucionário, apesar de várias limitações, em certos pontos tinham uma visão mais correta do que "Bilan". Outros se situavam no que se chamava centrismo. Este termo deve ser explicado. Nos anos trinta, a esquerda italiana, assim como Trotsky, designava com o termo "centrismo" os P.C.’s, considerando que Stalin representaria uma linha conciliadora entre a esquerda (Trotsky) e a direita (Bukarin) na política interna e externa. Esta idéia participava da recusa trotskista (que durante muito tempo foi também de Bordiga[1]) de se pronunciar sobre a natureza capitalista da Rússia, assim como sobre sua orientação: a linha staliniana seria um compromisso entre a burguesia e o proletariado na Rússia, e entre o capital mundial e a defesa das “conquistas de Outubro” no plano internacional. Disso decorria sua incapacidade de compreender a função dos P.C.’s, que julgavam sobretudo “oportunistas”. De fato, o termo “centrismo” era de uso freqüente entre os revolucionários, depois de 1914, para designar o centro zimmerwaldiano (que, como os espartaquistas, queria lutar contra a guerra, mas rejeitava o derrotismo revolucionário), e depois aqueles que se separavam da Segunda Internacional sem aderir ao comunismo. Para a esquerda alemã, centrista era a maioria da Terceira Internacional que recomendava o parlamentarismo, o sindicalismo, os partidos “de massa” etc. O P.C. da Itália (e depois a esquerda italiana) ainda permanecerá na Terceira Internacional e terá uma posição diferente, pelo menos até a vitória de Stálin no P.C. russo (1926). A partir do final dos anos vinte, uma série de cisões sacudiu os partidos socialistas e stalinistas. Eles atuavam sob um ponto de vista tático (sinal da incapacidade dos partidos socialistas e comunistas de resistir ao fascismo), sem visão global. Agiam como se a linha fosse falsa, quando era a própria organização que se tornava contra-revolucionária. E mesmo quando a organização adotava uma política suicida (como na Alemanha), não era uma aberração. Os grupos ou partidos saídos dessas cisões compartilhavam o horizonte teórico e político da época. Atualmente, o “centrismo” seria representado por todas as formas de esquerdismo, ou seja, de fixação de revoltas e movimentos confusos sobre pontos parciais, inofensivos para o capital. Com freqüência, os grupos centristas se incumbem das reivindicações reformistas abandonadas ou até combatidas pelas organizações sindicais e políticas oficiais. Centrismo é tudo que rompe com o “movimento operário” integrado sem evoluir para posições revolucionárias, pára no meio do caminho e contribui para desviar os proletários na tentativa de fazer pressão sobre o movimento operário considerado, apesar de tudo, como a verdadeira organização da “classe”. Tratar os P.C.’s como centristas e traidores, à maneira de “Bilan”, é iludir-se. Em sentido estrito, o “centrismo” espanhol era constituído pelo P.O.U.M. e pela esquerda da C.N.T. Nota: [1] Cfr. sua carta a Korsch, de 28 outubro de 1926, in Invariance, 1a série, no. 10, pp. 67-70. O P.O.U.M. Para a imensa maioria dos grupos de esquerda e extrema esquerda da época, a revolução burguesa estava por fazer na Espanha [1]. Todos os que sustentavam esta tese concordavam quanto à debilidade da burguesia espanhola. Segundo eles, a revolução burguesa seria derrotada se não demonstrasse mais audácia, se não fosse mais “popular” do que nos paises capitalistas modernos. Porém, divergiam a respeito do caráter mais ou menos radical dessa superação. Só havia um jeito de consegui-lo: a “unidade”. Num artigo de “Masses”, A. Patri citava como exemplo a Catalunha, onde o Bloco Operário e Camponês e o Partido Socialista tinham se aliado: “Antes que um general desembainhe outra vez sua espada, é necessário que o movimento operário se constitua na Espanha. É a única possibilidade de salvação” [2]. Trotsky acreditava na necessidade de uma fase democrática, realizada pela classe operária que a forçaria a ir mais longe, até a revolução socialista. A este esquema de “revolução permanente”, ou seja, de nexo indissolúvel entre as duas fases, o P.O.U.M. opunha a tese de uma etapa democrática burguesa distinta, na qual o proletariado faria “pressão” sobre a revolução burguesa sem assumir suas tarefas. Em 1931, o P.O.U.M. definia a próxima revolução espanhola como um novo 1789: “O mercado interno se ampliará em proporções fabulosas e a indústria sairá de seu raquitismo tradicional” [3]. Havia indecisão no P.O.U.M.: Maurin defendia uma estrutura governamental burguesa; Nin preferia novas estruturas de poder (“juntas revolucionárias”). Esta questão se ligava a outras divergências no P.O.U.M. Maurin era próximo ao separatismo de diversas províncias, enquanto Nin recomendava uma solução que ligasse unidade nacional e autonomia regional. O ex-BOC dirigido por Maurin e que dava ao P.O.U.M. o grosso dos militantes, estava mais inserido na situação real e sofria ainda mais as pressões democrático-reformistas, que não afetavam o pequeno grupo de Nin, vindo do trotskismo. Mas a divisão Maurin-Nin não teve qualquer efeito prático durante a guerra. Maurin, prisioneiro dos nacionalistas, era tido por morto. Nin dá ao P.O.U.M. um discurso de esquerda e uma orientação de direita. Na metade de 1936, o espectro político da esquerda espanhola diferia do de outros países. O movimento operário tradicional, era basicamente a C.N.T., e, em menor medida, o PSOE e sua central sindical UGT. O P.C. era muito fraco, comparado ao “centrismo” representado pelo P.O.U.M. (mas, como vimos, Bilan qualifica o P.C. de “centrista”). O P.C.E. só se desenvolverá no poder, com o controle do Estado e o apoio russo. Desde 1934-1935, o P.O.U.M. defendia a frente única, enquanto o P.C.E. defendia a linha “sectária” dita “classe contra classe”. Generalizando a experiência das Astúrias e da Aliança Operária de 1934, o P.O.U.M. recusou no começo a Frente Popular, propondo a Aliança Operária. Rejeitava no plano eleitoral aquilo que no fundo aceitava, incapaz de ver que o problema estava antes de tudo na natureza das organizações “operárias”, não importando se unidas numa frente de “luta” ou numa coalizão parlamentar. Depois de julho de l935, frente ao PCE que dizia: “sobretudo, nada de socialismo, defendamos somente a democracia”, o P.O.U.M. sustentava: “nós lutamos pela democracia e pelo socialismo”. Jamais buscou os meios, nem indicou que a condição de uma luta pelo socialismo era uma ruptura efetiva com o capital. P.C. e P.S. arregimentavam as massas. O P.O.U.M. servia para justificar a guerra de um ponto de vista “revolucionário”. No final de 1936, ele queria “um governo operário e camponês ... que não derrame sangue por uma república democrática, mas por uma sociedade liberada de toda exploração capitalista” [4]. O P.O.U.M. foi, então, levado a colidir com o Estado espanhol e com a Rússia, sem jamais atacá-los frontalmente: uma política suicida. Mas a repressão que sofreu não faz dele um grupo revolucionário. As reformas apoiadas pelo P.O.U.M. (como a da Justiça, no ministério Nin) foram abandonadas, tendo cumprido sua função, que era iludir as massas para desviá-las da luta contra o Estado. As coletivizações agrícolas e industriais exprimiam um enorme ímpeto revolucionário. Mas tais impulsos, se não superam os limites políticos (Estado) e sociais (economia mercantil) capitalistas, estão condenados. A fim de contribuir para a evolução de tais formas além desses limites, a crítica revolucionária se faz mais incisiva, mostrando até onde o capital pode ir para se reformar, cedendo em tudo para manter o essencial. O P.O.U.M. fez o contrário. Reconheceu que o Estado permanecia como antes, inclusive em suas funções chave: “O P.O.U.M. não consegue absolutamente influir sobre a policia” [5]. O que não o impediu de estimular transformações econômico-sociais, privadas então de qualquer fundamento. O P.O.U.M. foi incapaz de ver, em maio de 1937, uma vitória do Estado, que atacou e fez ceder (depois de uma viva resistência) os operários que ainda acreditavam nele, embora se opusesse a eles pelas armas. O P.O.U.M. e a C.N.T., que haviam apoiado o Estado em julho de 1936, outra vez buscaram o compromisso com ele em maio de 1937, e chamaram - com sucesso - os operários a depor as armas [6]. O P.O.U.M. e a C.N.T. aceitam a vinda a Barcelona de 5.000 soldados de Valência. O caráter centrista do P.O.U.M. fica evidente com o fato de que visava, sobretudo, convencer uma organização “operária” não revolucionária (a C.N.T.) a agir de maneira revolucionária, antes de conduzir ela mesma uma atividade minoritária. Sua contradição era querer a conquista do poder sem deixar de apoiar o poder estatal existente. Tão logo o Estado perceba que tem as mãos livres, a liquidação começa. "O 19 de julho [1936] foi uma vitória militar, mas uma derrota política. A pesar de tudo que se fez depois, o erro era irreparável. A partir de setembro, as forças “da ordem”, tendo se recuperado, contra-atacaram. Na realidade, as jornadas de maio [1937] não foram uma ofensiva revolucionária, mas uma batalha defensiva condenada à derrota.” [7] A repressão consecutiva não abriu os olhos dos chefes do P.O.U.M.: acuados, frente às calúnias, às torturas e aos processos, eles denunciam sempre os partidos (socialista e staliniano), nunca o Estado. Só uma minoria se rebelou amargamente contra a direção. Uma célula de Barcelona concluiu, com provas na mão, que a linha oficial do partido equivalia a apoiar o Estado vigente [8]. Assim, em 21 de julho de 1937, o P.O.U.M. solicitou a “formação de um governo com a participação de todos os componentes da Frente Popular”. Essa célula comentou: “ou seja, um governo daqueles que nós acusamos como responsáveis pela sublevação militar”. Mais adiante: “O único ponto que, de modo indireto, concerne ao problema do poder é o no. 8 [das teses do partido]: “Revisão da Constituição da Catalunha num sentido progressivo.” Sem dúvida, é por meio desta revisão que os trabalhadores alcançarão mais tarde a ditadura do proletariado, de que fala o camarada Nin. ” Mas essa minoria jamais conseguiu (até onde sabemos) definir outra perspectiva, nem mesmo provocar uma cisão positiva. Notas: [1] Segundo A. Leonetti, velho troskista retornado ao P.C., o jornal do P.C.I. teria dito em 1931 que o advento da Republica espanhola não mudara grande coisa: vestígio de esquerda ou influencia do «terceiro período» sectário da I.C.? Bordiga teria comentado essa posição, dizendo: «O partido volta para mim.» Cf. Notes sur Gramsci, E.D.I. 1974. pp. 199 sq. [2] No. 11. 25 novembro 1933. [3] Alba. Histoire du P.O.U.M. Champ Libre, 1975, pp. 40 et 69-70 [4] C. Rama, La crise espagnole au XXe siècle, Fischbacher, 1962, p. 219. [5] Alba, op. cit., p. 206. [6] Alba, op. cit., pp. 272, 276, 284-5. [7] Alba, op. cit., P. 279. [8] In L'Internationale, no. 30, 10 agosto de 1937. O ANARQUISMO E SEUS DEFENSORES A guerra de Espanha demonstrou a falência do "anarquismo", assim como o 4 de agosto de 19l4 demonstrou a falência do "marxismo" (então, anarquistas notórios, como Kropotkin aderiram à União Sagrada [1]). A integração da C.N.T. ao Estado somente confirmou a crítica dos sindicatos feita pela esquerda alemã, depois de 1914. Qualquer que seja a sua ideologia, toda organização permanente de defesa dos trabalhadores se converte em órgão de conciliação e integração [2]. Mesmo reprimida e apesar de animada por numerosos militantes radicais, enquanto instituição, está condenada a lhes escapar e se tornar um instrumento do capital. A participação governamental de 1936 não é uma surpresa maior do que a capitulação dos partidos socialistas, em 1914. Em 1934, Maurin já observava que os anarquistas não fazem política diretamente, mas "por pessoa interposta" [3]. O mais interessante é o mecanismo prático e ideológico pelo qual tantos revolucionários, sinceros anarquistas, capitularam frente ao poder do Estado e, sob sua direção, aceitaram guerrear contra Franco. Desde os primeiros dias, C.N.T. e F.A.I. falam de luta militar contra os fascistas, e não da revolução social em curso ou por fazer. Mas o que parece paradoxal é totalmente lógico. O que se deve criticar no anarquismo não é sua teimosa hostilidade contra o Estado, mas sua negligência diante do problema do poder estatal. Dando sempre a impressão de ser, por excelência, o inimigo do Estado, o anarquismo é incapaz de definir uma atitude revolucionária contra o Estado. Seja porque o superestima, vendo na "autoridade" o adversário número 1 da revolução; seja porque o desconsidera, acreditando que a revolução pode ser feita sem o destruir ou que sua destruição se faça sem revolução. Marx disse, em 1871, que a revolução deve destruir o Estado. Os anarquistas pretendiam ir mais longe dizendo que é necessário destruí-lo imediatamente. É assim que se resume, com freqüência, a distinção marxismo-anarquismo: como disse Lênin, eles concordarão sobre o objetivo, mas divergirão sobre os meios. A verdadeira demarcação reside na compreensão das relações entre o Estado e a sociedade. Por não as compreender, o anarquismo é mais confuso do que falso, oscilando entre a superestimação e a subestimação do perigo estatal – como no caso da guerra de Espanha. A confusão anarquista se verifica no fato de que uma corrente tão hostil ao Estado o tolere e apóie. Não estamos falando dos dirigentes, mas dos militantes radicais. Foi o que se viu, na posição de Durruti e e mesmo em Berneri. Nenhum anarquista conseguiu entender o que acontecia na Espanha e tirar suas lições: eis o verdadeiro fracasso. Por um lado, o anarquismo dá muita importância ao Estado; por outro, o anarquismo não vê seu papel de garantidor (mas não de criador) da relação capitalista. A luta contra o Estado não é o objetivo, nem mesmo o aspecto principal da revolução, apenas uma de suas condições, necessária mas não suficiente. O Estado não é, efetivamente, nem o motor nem a engrenagem essencial do capital, mas o instrumento de sua força social unificada. Portanto, o verdadeiro problema não é o comportamento (aliás, normal) da C.N.T., mas a falência prática de uma corrente revolucionária. Antes de 1936, a C.N.T. oscilava entre a insurreição prematura - da qual Abel Paz dá uma descrição lírica no seu livro sobre Durruti - e o reformismo sindical. Face aos atos revolucionários (muitas vezes desesperados) de seus membros, ela aplicava o princípio: Sou vosso chefe, é necessário que vos siga. Mas não hesitava em abandoná-los, se fosse o caso. Em 1936, não podendo nem querendo "fazer a revolução", mas desejando assentar-se no sistema das forças burguesas existentes, a C.N.T. apóia uma esquerdização do Estado. Os órgãos criados sob sua inspiração (C.C. das Milícias) tentam guinar o Estado para a esquerda e talvez substituí-lo, mas sem o destruir, instalando-se como um poder paralelo. Ora, a essência do Estado não reside em formas institucionais específicas, mas em sua função unificadora: ele é a unidade do separado. Mesmo quando parece fraco, subsiste - se e porque é capaz de reunir os pedaços da sociedade capitalista - de qualquer modo. Depois, ele se reforça, preenche de novo as formas específicas que abandonara provisoriamente, em função da necessidade de esvaziar o autodenominado poder paralelo. Portugal, em 1974-1975, foi mais um bom exemplo. O antifascismo consiste em apoiar o Estado existente, sob a forma democrática, para evitar que tome uma forma ditatorial: alia-se sempre com o mais moderado. A república espanhola multiplica as concessões para seduzir as camadas médias, mas quanto mais o faz (chegando a competir em fervor nacionalista com os nacionalistas) mais se enfraquece. As democracias italiana e alemã também não puderam atacar as bases sociais do fascismo, porque essas bases nada mais são do que o capital. A C.N.T. aceitou tudo para salvar a unidade antifascista, e os anarquistas honestos não deixaram de criticá-la por isso, de Berneri a V. Richards. Mas sua degringolada e capitulação, diante das farsas jurídicas, da repressão etc., decorreram da aceitação original de uma ação possível conduzida pelo Estado. A F.A.I. (agindo como "partido" com relação à C.N.T., que controla como sua "organização de massa") foi clara: "Nós não podíamos lutar contra o governo que ia se constituir [depois de julho de 1936] porque toda luta e toda oposição eram enfraquecimento. Permanecer fora do governo seria ficar numa situação de inferioridade" [4] . Depois de apoiar o governo sem dele participar, decide integrá-lo (em setembro, na Catalunha; em novembro, no governo central). Em seguida - exatamente como os P.C.’s - explicam sua integração ao Estado: "Quando éramos ministros... vejam o que nós fizemos!" E enumeram suas realizações (resultantes de iniciativas populares e não de sua ação, que consistia em freá-las). Mas a autojustificação suprema se resume à idéia de que o governo legal não tinha poder: o movimento operário teria conservado "de fato, se não de direito, o poder político revolucionário" [5]. Mero sintoma da confusão já referida: a ideologia anarquista permitiria participar do poder capitalista... porque ele já não é mais o poder real. De duas, uma: ou o poder existe e a C.N.T. se submete ao Estado burguês; ou ele não existe e, então, porque participar dele? Para manter as aparências diante dos estrangeiros, responde a C.N.T. O "realismo político" faz com que a C.N.T. ela assuma todos os compromissos, mesmo depois que o Estado e seu aliado russo mostraram sua verdadeira face, massacrando os revolucionários. No momento crucial, a C.N.T., como o P.O.U.M., desarma ideologicamente os proletários ocultando-lhes o antagonismo que os opõe ao Estado. Ela os entrega à repressão, apelando pelo cessamento da luta contra um inimigo decidido a ir até o fim. Disposta a tudo para sobreviver, a C.N.T. se alia com U.G.T. Eis porque ela não defende o P.O.U.M.: "os libertários tinham que, antes de tudo, defender a si mesmos" [6]. Não havia outra alternativa, a partir do momento em que se aceitou a palavra de ordem: "Primeiro, vencer Franco". "Pois a C.N.T. não podia derrubar Negrin [primeiro-ministro socialista, aliado ao P.C.] e os comunistas e, já que estava de acordo com eles para continuar a guerra até a vitória, só lhe restava participar do governo custasse o que custasse" [7]. No pós-guerra, a C.N.T. participará dos governos republicanos fantasmas: não como antifascista, mas "antifranquista" [8]. No estrangeiro, a miragem espanhola funciona muito bem e os elogios à C.N.T. não faltam. Uma brochura belga assimila, por exemplo, 1931 a uma revolução política e se espanta que ela não tenha avançado mais e que tenha atacado os operários, quando os sindicatos queriam "ampliar sua participação na economia". E quanto à situação depois de julho de 1936: "Sob a direção da C.N.T., da F.A.I. e da U.G.T., os operários são senhores absolutos. Não restou nada do governo regular" [9]. Esse encobrimento dos fatos se torna mais chocante num texto que, em linhas gerais, é honesto. A posição de Prudhoummeaux parece ter sido encomendada. Proveniente da esquerda comunista, ele animara L’Ouvrier Communiste e depois Spartacus (não confundir com os Cahiers Spartacus posteriores, de R. Lefeuvre), passando da esquerda alemã ao anarquismo. Sua apologia da C.N.T.-F.A.I. é, talvez, seu pior texto: sua ingenuidade é similar às entusiásticas descrições da Rússia de Stálin feitas por aqueles que Trotsky chamava de "amigos da U.R.S.S.". Prudhommeaux reduz a revolução ao aspecto militar: "Armar o povo é o primeiro problema de toda luta social" [10]. Visível é seu formalismo operário, idêntico ao do P.O.U.M., dos trotskistas etc.: é como se o Estado e o C.C. das milícias estivessem sob a direção dos operários por intermédio das organizações "operárias". A apologia da democracia direta leva consigo uma concepção política de representação das massas por "suas" organizações [11]. Notas: [1] Sobre o anarquismo antes de 1914, cf. J.-Y. Bériou. Prefácio a D. Nieuwenhuis, Le socialisme en danger, Payot, 1974. [2] Cf. La gauche allemande. Textes, suplemento ao no. 2 d’Invariance, 2e série, em particular a intervenção de Bergmann ao IIIo congresso da I.C. [3] Alba, Histoire du P.O.U.M., p. 61. [4] C. Lorenzo, Les anarchistes espagnols et le pouvoir, 1869-1969, Seuil, 1969. p. 124. Cf. também pp. 102 sq. [5] C. Lorenzo, Les anarchistes espagnols et le pouvoir, 1869-1969, Seuil, 1969., p. 126. [6] C. Lorenzo, Les anarchistes espagnols et le pouvoir, 1869-1969, Seuil, 1969., p. 303. [7] C. Lorenzo, Les anarchistes espagnols et le pouvoir, 1869-1969, Seuil, 1969., p. 316. [8] C. Lorenzo, Les anarchistes espagnols et le pouvoir, 1869-1969, Seuil, 1969., pp. 355, 386. [9] J. de Boe, La révolution en Espagne, Bruxelles, s. d., pp. 10, 19. [10] A. e D. Prudhommeaux, La Catalogne libre (1936-1937). Ed. Le Combat Syndicaliste, 1970 (reprodução de uma brochura publicada na época por Spartacus), p. 5. Depois de 1945, esses dois autores publicaram um bom estudo histórico sobre as origens do P.C. alemão e a insurreição de janeiro de 1919: Spartacus et la Commune de Berlin, Spartacus, 1949. [11] La Catalogne libre, pp. 7, 59. A REVOLUÇÃO PROLETÁRIA A posição de La Révolution prolétarienne, mais complexa, decorre de seu postulado sindicalista, resumido por J. Barrué, em 1935: "Não sacrificamos a alegria do coração, um sindicalismo mesmo imperfeito cuja unidade, quase realizada [na França, em 1936], nos custou muitos esforços..." [1]. Documentados, os artigos de L. Nicolas sobre a Espanha fornecem o material para uma crítica do anarquismo, do sindicalismo e da guerra que o próprio Nicolas não pode efetuar. É verdade, porém, que buscam todas as desculpas possíveis para a C.N.T., sem se dar conta do absurdo de sua posição. Como Louzon que escreve, em agosto de l936: "O Estado, na hora atual, é a C.N.T." [2] A R.P. continuará se espantando sempre com os atos pouco revolucionários da C.N.T.: mas não há nada de surpreendente se ela não faz um uso revolucionário de um aparelho construído para a luta reformista (mesmo violenta, se for o caso). Nicolas quer garantir as reformas na retaguarda para que o front seja vitorioso: "à primeira vista, poderia parecer ocioso examinar os problemas da nova organização social enquanto subsistir o perigo de ver esmagadas pela bota fascista todas as tentativas dirigidas para a sociedade nova. Todavia, mesmo que o fator moral tenha uma importancia primordial na guerra civil, é importante saber em que medida se mantêm, na retaguarda, as conquistas do proletariado..." [3]. A primeira frase responde ao argumento: "Ganhar a guerra, sobretudo". A segunda explica que se trata de dar aos operarios boas razões para apoiar o Estado legal. Nicolas sabe que "o proletariado espanhol combate em duas frentes" [4], mas não tira a conclusão que se impõe sobre a natureza do conflito e que é a única saída para o proletariado. Ele descreve o desenvolvimento da situação sem esclarecer a sua dinámica. Portanto, suas informações (aliás, exatas) servem ao objetivode desmascarar a infamia dos stalinistas e, mais genéricamente, dos "partidos políticos", ou mesmo para criticar a C.N.T., mas não denunciam a política antifascista. Pacifista por princípio, a R.P. recusa toda guerra contra Hitler que será "a mais tipicamente imperialista dos últimos 150 anos" [5], mas pede ajuda (armas etc.) para a república española. Denuncia a duplicidade do Estado francês, não a natureza do Estado espanhol. Inclusive, abre sua imprensa para o embaixador da Espanha em Paris [6]. Para uma franja radicalizada do proletariado, da qual grupos como a R.P. são uma expressão, a Espanha serve de pretexto para a justificação da guerra (futura) contra o fascismo. Recusando a União Sagrada, mesmo contra a Alemanha nazista, os proletários que ainda resistem passam a aceitá-la, como "mal menor" se comparada com a vitória fascista. O antifascismo, dirigido para a Espanha, reforça o apoio à Frente Popular por numerosos grupos de extrema-esquerda na França. Afinal, Blum é menos ruim que Franco. Então, por exemplo, A. Ferrat quer "mudar de alto a baixo a política do governo Blum" para forçá-lo a ajudar a Espanha republicana. É assim que, sempre clamando pelo impossível, jamais cessarão de denunciar a "frouxidão" dos democratas antifascistas [7]. A grande função ideológica da guerra de Espanha é polarizar os vacilantes (em todos os países onde a resistência proletária ainda vive, mas também em outros: da Rússia à Alemanha e Itália, pasando pelas democracias) em torno da alternativa democracia / fascismo, apresentada em cada campo como a única resposta ao totalitarismo "plutocrático" ou "fascista". Aqueles que apoiaram - desde o início dos anos trinta, e mais ainda desde a reaproximação da U.R.S.S. com as democracias ocidentais - uma forte (ainda que confusa e mesmo nefasta) propaganda antiguerra oscilam no campo democrático. Os mais inconsistentes teoricamente desabam primeiro, apesar de seu radicalismo superficial. É o caso dos anarquistas: "Sabemos que a Espanha de Negrin não é a que desejamos, nem a que desejam os operários espanhóis. Temos combatido seus erros e desmandos. Mas já não é mais uma questão de governo, é o futuro do movimento operário..." "Teu futuro, povo francês, decide-se em muitos lugares do mundo. É na Espanha, porém, que deves manter tua atenção, ela espera tua saudação, não hesites mais, lança-te no conflito, trata-se da sorte do proletariado espanhol, da liberdade e da manutenção da paz!" [8] Enfim a extrema-esquerda se junta à mobilização para a guerra preparada pela Frente Popular. Como em 1914, faz-se necessário abdicar de toda pretensão revolucionária para salvar a civilização da barbárie. Contudo, para os comunistas, não há diferença essencial entre os conflitos de 1914-1918 e 1939-1945. Notas: [1] No. 206, 10 setembro 1935. Os mesmos que, em seguida, deploram a manipulação «comunista» (= do P.C.F.) da C.G.T. reunificada em 1936. cf. por exemplo o no. 263, 25 janeiro 1938. [2] No. de 10 agosto 1936, citado por Alba, op. cit., p. 113. [3] La Révolution Prolétarienne, no. 235, 25 novembro 1936. Os artigos de Nicolas foram reproduzidos em Les révolutions en Espagne, Belfond. [4] No. 243, 25 março 1937. [5] No. 288, 10 fevereiro 1939. [6] No. 287 et 288. [7] Le Drapeau Rouge, 25 dezembro 1936. [8] Le Libertaire, in L’Internationale, no. 36, 20 abril 1938.

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