quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Teses de orientação programática - Parte 2.3

33. O dualismo social-democrata e a ideologia da decadência, que negam o capital como todo orgânico, conduzem inevitavelmente a criar um conjunto de categorias ideológicas nas quais os herdeiros da social-democracia imaginam que o mundo se divide. Mas tais categorias, na medida em que se tornam ideologicamente dominantes, constituem poderosas armas de divisão do proletariado. Assim, às formas mais classicamente burguesas de categorização e divisão entre países, como por exemplo a divisão do mundo em três, que já mencionamos, ou a divisão de países entre "desenvolvidos ou subdesenvolvidos", "centrais" e do "terceiro mundo" se juntam outras mais sutis que no fundo cumprem o mesmo objetivo: confundir, fragmentar, dispersar e desorganizar o proletariado, apresentando-lhe diferentes projetos ou objetivos segundo a região. Particularmente perniciosa, neste sentido, foi a ideologia acerca do "capitalismo de Estado" segundo a qual existiriam, no melhor dos casos, diferentes tipos de capitalismo e, no "pior", sociedades que seriam meio-termo, "nem verdadeiramente capitalistas nem verdadeiramente socialistas" e/ou "o capitalismo de Estado" constituiria uma fase da revolução. Todas estas ideologias, que constituem diversas variantes do kautskismo e do leninismo, e que nada mais são do que o mito stalino-leninista da "especificidade russa" generalizado ao mundo inteiro, têm como objetivo central negar, esconder e dissimular o verdadeiro antagonismo entre o Estado capitalista mundial e o proletariado internacionalista.

 34. A força da contra-revolução hoje se baseia na exploração de todas as debilidades da grande onda revolucionária dos anos 1917-1923, o que, por sua vez, é possível pela destruição político/organizativa das frações comunistas que iniciaram um balanço da mesma. Sobre o cadáver do proletariado revolucionário, a contra-revolução ergueu o mito do Estado operário num só país (do qual o mito do "socialismo num só país" é apenas uma variante de direita), que serviu para jogar milhões de proletários como bucha de canhão da guerra capitalista. Tal Estado ou aqueles que com essas bases adotaram essa denominação ou outras similares (Europa do Leste, China, Cuba, Angola, Moçambique, Argélia, Nicarágua...) não são nem mais nem menos do que Estados capitalistas, cuja ideologia usurpou algumas expressões marxistas para melhor esconder seu caráter burguês. Capitalista é o planeta inteiro, a revolução comunista será mundial ou não será nada.

 35. Todas as correntes(stalinismo, trotskismo, maoísmo, terceiro-mundismo, "anarquismo"...)que apóiam, de forma crítica ou não, qualquer Estado ou governo existente no mundo hoje nada mais são do que formas recicladas do socialismo burguês, cuja matriz é a social-democracia como força histórica. Na prática, essas correntes, além do apoio aos aparatos do Estado burguês (governos, sindicatos, parlamentos...) e sua contribuição às guerras capitalistas, são decisivas para transformar as necessidades do proletariado em reformas do capital, atuando sempre como força de choque do capital para a manutenção da ordem burguesa.

 36. Sempre existiram, de Proudhon a Kautsky, de Hitler a Fidel Castro, de Stalin a Mussolini, de Bernstein a Perón, de Mao Tse-tung a Komeini, de Arafat a Gorbatchev e outros reformadores, frações burguesas progressistas com um discurso populista, obreirista, "contra a riqueza", "contra os monopólios", "contra a oligarquia", "contra as poucas famílias proprietárias do país", "contra a plutocracia"... e em favor das instituições "sociais". Essas frações correspondem à tendência histórica permanente do capital a se auto-reformar, a revolucionar constantemente a base produtiva e a estrutura social, mantendo, claro está, o fundamental: o trabalho assalariado, a exploração. Sua função específica é a de se apresentar como alternativas às formas clássicas de dominação (função decisiva para mobilizar a sociedade em dois pólos burgueses), de apresentar as reformas como o objetivo de toda luta e na luta intercapitalista aparecer como os setores mais capazes de controlar os proletários. Portanto, sua importância, nas diversas épocas ou países, deriva de sua credibilidade face aos proletários, isto é, de sua capacidade para liquidar toda autonomia de classe, através de reformas (ou promessas de reformas) que tornariam menos visível a escravidão assalariada, mais "viável" a miséria efetiva e de fato mais firme a ditadura social capitalista. Qualquer que seja seu reformismo, a burguesia é a inimiga inconciliável do proletariado, e, qualquer que seja seu discurso, todas as frações do capital recorrerão ao terror aberto (que não é "privilégio" da direita ou dos fascistas!) contra o proletariado se a preservação do sistema o exigir. Frente a tais frações, o programa do proletariado não muda uma vírgula. Combatendo todos os apoiadores mais ou menos críticos do capitalismo, o proletariado se auto-organizará em força para esmagar e liquidar essas frações, assim como todas as outras.

 37. O objetivo do estado burguês, do Estado democrático é manter o proletariado desorganizado, anulado como classe ou, pior ainda, enquadrado e mobilizado a serviço da burguesia. O que há de essencial em todos os mecanismos democráticos é a destruição da unidade orgânica do proletariado e de seus interesses, e sua "organização" em interesses parciais, correspondentes ao indivíduo, ao cidadão (homo economicus) comprador e vendedor de mercadorias. Os sindicatos são órgãos vitais do Estado burguês para desempenhar tal função. Com efeito, eles representam o proletariado dentro do capital, ou seja, o proletariado liquidado como classe, setorizado, negociando, como qualquer outro indivíduo da sociedade mercantil, o preço de sua mercadoria (força de trabalho), que assegure, por sua vez, uma "razoável" taxa de lucro e garanta a paz social. Frente a esse tipo de órgãos o proletariado luta para se organizar fora de e contra os sindicatos que, enquanto obstáculos na via da revolução comunista, deverão ser destruídos por completo. Por isso, todas as ideologias que preconizam a reforma dos sindicatos, a reconquista, o trabalho em seu interior, ainda que digam que é para sua destruição, semeiam a confusão, mantêm os proletários, que sentem intuitivamente o papel reacionário dos sindicatos, acorrentados a esses órgãos do Estado (o que aliás ajuda-os a melhorar a sua credibilidade), e servem à reação. O fato de que em muitos casos, na origem dessas organizações encontremos reais organizações operárias não faz mais do que confirmar a capacidade da burguesia para recuperar e utilizar para seus próprios fins as formas organizativas criadas pelo proletariado.

 A "questão sindical" não é uma questão de denominação, mas de prática social. O antagonismo real não é entre interesses econômicos e interesses políticos, entre interesses imediatos e interesses históricos, porque os sindicatos, enquanto aparatos do Estado, nem sequer defendem os interesses "econômicos e imediatos" dos operários (que, por outro lado, são inseparáveis da afirmação revolucionária do proletariado, como já dissemos); mas entre o associacionismo proletário - reconstituição da unidade orgânica, de luta e de interesses do proletariado - e o aparato do Estado democrático para a negociação mercantil e isso qualquer que seja a denominação que adotam. Pois, apesar de a denominação "sindicatos" ter se tornado mundial, somente se refere a esses aparatos do Estado, e é bastante impróprio que reais associações classistas usem tal nome. Outras denominações, mais radicais (conselhos operários, sovietes...), também podem esconder aparatos de Estado contra os quais o associacionismo proletário se desenvolverá, necessariamente fora deles e contra eles. 37a. A revolução não é, portanto, um problema de forma organizativa, mas, pelo contrário, de conteúdo social real. Em última instância, o problema será: trata-se de órgãos de luta proletária contra o capital ou de órgãos do Estado burguês para destruir a força revolucionária. E isso, qualquer que seja o nome ou a cobertura ideológica que esses aparatos ideológicos adotem, para melhor cumprir sua função contra-revolucionária. É evidente, contudo, que no processo real de associacionismo crescente, o proletariado vai criando formas cada vez mais globais que correspondem ao seu desenvolvimento como classe. Assim, as formas gremiais ou categoriais são superadas pela organização por locais de trabalho e ramos de produção, e estas são superadas por organizações territoriais em que atua e se centraliza todo o proletariado (empregados e desempregados, crianças e adultos etc.), o que é decisivo para que se dote de formas internacionais na luta contra as respectivas nações com que a burguesia divide seus inimigos. Esse processo, no qual se sucedem diferentes formas de associacionismo proletário, correspondentes a diferentes níveis de consciência e de luta contra o capital, não é um processo linear e gradual. Ao contrário, trata-se de um processo pautado por saltos de qualidade, por avanços e recuos..., em que a totalidade está determinada pela correlação de forças entre proletariado e burguesia. Os conselhos operários, os sovietes, os cordões industriais, o classismo auto-organizado na escala de um país etc. são formas que correspondem ao processo real de desenvolvimento do proletariado, de superação das divisões impostas pelo capital, sobretudo à medida em que as lutas por categorias e locais de trabalho são superadas (mesmo que aquelas possam ainda se basear nestas), nas épocas de crise política e social aberta quando o proletariado já não crê em soluções parciais ou particulares. Mas nem sequer nesse processo serão essas formas mesmas, como crêem os conselhistas, que poderão garantir os interesses do proletariado (nem qualquer outro tipo de garantia formal que os apologistas da democracia operária queiram estabelecer: assembléias soberanas, delegados elegíveis e revogáveis a qualquer momento...). Inclusive, nesse processo de auto-organização do proletariado em força, tudo dependerá da prática real desses organismos e esta da direção efetiva. Então, decisiva passa a ser a luta de classes no interior de tais organizações, nas quais a contra-revolução continuará presente e organizada, atuando para transforma-las em órgãos do Estado burguês. Contra isso, a única garantia real é a ação resoluta das frações de vanguarda do proletariado que não se submeterão a nenhum mecanismo democrático que a contra-revolução tentará impor em tais associações. Organizados, os comunistas combaterão toda tentativa de dissolução dessa verdadeira direção do proletariado em constituição no conjunto dos proletários em luta (ou, pior ainda, no conjunto de proletários enquanto categoria sociológica); não aceitarão, sob nenhum pretexto, a disciplina desses organismos de massa que contrarie qualquer elemento do programa histórico do proletariado; lutarão, com todos os meios ao seu alcance, contra a tentativa de dar uma direção contra-revolucionária a essas associações, e, sobretudo, para impor uma direção revolucionária ao movimento.

 38. O parlamento e as eleições são formas particulares em que se concretiza a democracia, e que expressam a mesma necessidade burguesa de diluir o proletariado na massa dos cidadãos, de negar praticamente a classe antagônica a toda ordem estabelecida, reafirmando assim sua própria dominação. Sua função específica é a de desviar os proletários de seus combates cotidianos contra o capital e desenvolver/reproduzir a ilusão de uma mudança pacífica da situação do proletariado (a máxima expressão desta ilusão é a da transição pacífica ao socialismo), por obra e graça da cédula de votação. As eleições só servem para designar, entre as frações e representantes da burguesia, as que se encarregarão de mostrar a cara diretamente e dirigir a repressão das lutas do proletariado. O parlamentarismo e o eleitoralismo dão inevitavelmente as costas aos métodos e ao objetivo da luta operária, e não podem ser utilizados de nenhuma forma pelos proletários em luta. Juntar ao parlamentarismo o adjetivo de "revolucionário" e pretender utilizá-lo para denunciar a dominação burguesa só pode servir - como se demonstrou historicamente - para aumentar a confusão nas filas proletárias e constitui de fato um potente elemento de liquidação de toda a atividade do Partido de classe (legalismo, política de chefes, culto à personalidade...) que só serve à contra-revolução. A única resposta proletária ao desencadeamento regular desse ataque da burguesia que são as eleições é o abstencionismo comunista, a recusa de toda trégua eleitoral, a continuidade da luta pelos interesses exclusivamente proletários, a denúncia das eleições e, em função das possibilidades (determinadas pela relação de forças entre as classes), a sabotagem das mesmas, pela ação direta.

 39. Opressão racial, opressão sexual, destruição do meio ambiente etc. existiram em todas as sociedades de classes, mas nunca chegaram a um nível tão sistemático e tão gigantesco como no capitalismo e, especificamente, no progresso da civilização capitalista na fase atual. Somente uma luta global pode destruir a base que produz tanto a alienação do homem quanto o conjunto de manifestações inumanas e atrocidades próprias às relações sociais capitalistas. Só uma classe social - o proletariado - contém em seu ser esse projeto e sua realização: a revolução comunista. Pelo contrário, a liquidação da luta mediante sua parcialização e a criação de movimentos específicos (feminismo, anti-racismo, ecologismo...) tendentes a diminuir ou resolver esses problemas separados, sem poder portanto atacar sua causa comum e profunda são irremediavelmente tentativas adicionais de adaptação, de melhoramento, de reparação do sistema e portanto de reforço da ditadura do capital. Praticamente, esses movimentos serviram e só podem servir para desviar a energia revolucionária do proletariado, para melhorar os mecanismos de dominação e de opressão e inclusive para aumentar a taxa de exploração do proletariado. 39. Na exploração universal do proletariado, essa classe que abrange todas as raças e todas as combinações possíveis, pela primeira vez adquire todo o sentido falar de uma espécie humana, nos interesses únicos e na luta que a mesma classe está forçada a desenvolver até impor sua revolução social e universal. É aí, nessa luta, que se encontra a única solução humana e definitiva para a opressão racial e o racismo. Do outro lado da barricada, se encontram, pelo sistema social de produção que defendem e representam, todos os exploradores, eles também de todas as cores de pele e com um discurso racista ou anti-racista. Mas o racismo (ou o anti-racismo) é muito mais do que um problema ideológico. O fato de que o capital compre mais barata a força de trabalho de uma "raça", de que as condições de exploração e de vida de uma parte do proletariado sejam ainda piores que as outras, apenas reflete que, na realidade do capital, a produção de um ser humano, enquanto escravo assalariado, não interessa em absoluto como ser humano, mas pelo trabalho social que o mesmo tem incorporado (como acontece com qualquer outra mercadoria). Essa realidade racista do capital determina que (da mesma maneira que o valor da força de trabalho de um operário qualificado é maior do que a de um operário simples) o valor da força de trabalho, por exemplo de um proletário "nacional", seja maior do que a de um proletário "imigrado" (pressupõe-se que o primeiro tenha mais trabalho de integração, socialização, nacionalização, sindicalização do que o outro). Na organização internacional da dominação burguesa mundial, o racismo só pode se apresentar muito marginalmente como o que é (discurso abertamente racista desse ou daquele governo, desse ou daquele partido burguês) e na maioria dos casos se desenvolve com base no anti-racismo. O anti-racismo constitui, pois, uma força ideológica cada vez mais decisiva de reprodução da exploração e desta sociedade racista. Toda luta contra o racismo que não ataca a sociedade capitalista que é seu fundamento, isto é, que não seja uma luta do proletariado internacional contra a burguesia mundial, se transforma assim num elemento ideológico adicional do Estado e da opressão burguesa. A expressão mais acabada desse anti-racismo encontramos na fração da burguesia triunfante na segunda guerra mundial, e constitui um elemento ideológico decisivo para todas as grandes potências mundiais atuais. O anti-racismo é assim a forma mais refinada de reprodução da sociedade racista. O Estado de Israel, constituído sobre a comunidade fictícia da luta anti-racista judia, é um exemplo particularmente ilustrativo do anti-racismo servindo à exploração capitalista racista, levada à sua máxima expressão nos campos de exploração do proletariado dessa região.

 39b. A divisão sexual (ou por idade) do trabalho é um elemento objetivo da divisão capitalista do proletariado que só poderá ser abolido com a liquidação do capital e a auto-supressão comunista do proletariado. Homens, mulheres, crianças, idosos... proletários todos, reproduzem sua vida como força de trabalho do capital e para o capital. A produção direta da mais-valia nos centros de trabalho do capital (fábricas, minas, campos), não pode ser assegurada se a própria força de trabalho não é produzida. O capital, herdeiro da sociedade patriarcal, desenvolveu esta, e, mesmo que, quando necessário, utilize diretamente ambos os sexos e todas as idades na produção direta de mais-valia, condenou particularmente a mulher proletária à função de principal agente da produção doméstica (que é parte da produção global da mercadoria força de trabalho). Ainda que o capital, ao comprar a força de trabalho, pague a totalidade do valor desta mercadoria e portanto todo o trabalho necessário (doméstico, educativo, repressivo etc.) para produzi-la, quem recebe o pagamento é o produtor direto de mais-valia e não quem realiza esse trabalho doméstico, o que constitui um elemento adicional decisivo para a particular submissão e opressão capitalista da mulher proletária.

 O feminismo é a resposta burguesa a esta situação particular. Seu ponto de partida é representar ideologicamente o que pode haver de particular na exploração que o capital faz da mulher proletária como uma condição geral da mulher em geral, transformando assim a revolta proletária da mulher e do homem num movimento interclassista, cujo credo de adesão é o "homem em geral" que exploraria "a mulher em geral". Além da obra contra-revolucionária em geral do feminismo, como força de parcialização, de desvio, de ocultação das reais contradições e soluções, o feminismo foi e é um instrumento decisivo do capital para multiplicar a exploração proletária, para, com a ideologia da igualdade de direitos, levar também a mulher proletária a assumir um papel mais ativo na produção direta de mais-valia e inclusive na guerra imperialista. Da luta pelo trabalho feminino à luta pelo voto da mulher, até as atuais campanhas pela participação ativa da mulher na vida da nação, o feminismo tem sido uma força de afirmação do capital contra o proletariado. Sua máxima realização são as policias femininas, a incorporação em massa de mulheres nos exércitos pátrios (conforme a necessidade do capital de fazer toda a população civil participar cada vez mais diretamente na guerra), as mulheres parlamentares, generais ou primeiras ministras...

 39c. A importância das ideologias parcializadoras do capitalismo mundial, como o anti-racismo ou o feminismo, cujo objetivo é combater a unificação do proletariado internacional, pode ser compreendida tendo em conta que cada um desses movimentos de mobilização estatal se dirige para atrair a maioria da população proletária do planeta e desviá-la de seus objetivos classistas e revolucionários. Os feministas mais radicais nunca esquecem de dizer que suas reivindicações concernem à maioria da população do planeta, que é de mulheres. O anti-racismo radical, por seu lado, tem as mesmas pretensões, visto que o proletariado, cuja cor de pele ou o caráter de imigrado ou filho de imigrado propiciam formas particularmente atrozes de exploração pelo capital, é de longe a maioria do proletariado mundial. Daí a importância da crítica revolucionária de tais ideologias, que serão varridas pela luta unificadora do proletariado de todas as cores, de todos os sexos, de todas as idades, migrantes em todo o mundo, contra o capital mundial. E é a partir de hoje, nesta comunidade de luta real e em seu desenvolvimento, que se destroem e se destruirão o racismo e o anti-racismo, o chamado "problema da mulher" e o feminismo etc. 

39d. O desenvolvimento do capital, com a conseqüente tirania da taxa de lucro contra o meio ambiente necessário ao desenvolvimento da vida humana, chegou a níveis tais que não somente parcelas sempre crescentes da humanidade estão submetidas à fome permanente por desertificação (ou outras causas, igualmente "naturais", produzidas pela valorização do capital), mas também a barbárie da continuidade da civilização atual é, a médio prazo, incompatível com a vida sobre a terra, pela destruição capitalista da atmosfera, das fontes de água potável... Isto, sem falar de outros "pequenos detalhes" como a possibilidade da destruição atômica generalizada, a contaminação universal do ar e do mar (o inelutável crescimento dos metais pesados presentes no ambiente: chumbo, mercúrio, destruição da camada de ozônio imprescindível à vida, acumulação de CO2 que provoca um aumento de temperatura em toda terra, o derretimento das geleiras com a conseqüente imersão da terra hoje habitada...), "acidentes" industriais químicos e nucleares cada vez mais freqüentes e com conseqüências sempre mais nefastas, inviabilidade total, no sentido mais forte da palavra, de que a vida não será possível nas grandes urbanizações do planeta etc. Somente a revolução proletária e comunista, na medida em que liquida os fundamentos da contaminação generalizada, as causas da destruição de todos os meios necessários à vida realmente humana da espécie, constitui a alternativa válida à barbárie da atual civilização.

 O movimento ecologista é a resposta burguesa para essa degradação generalizada de todas as condições de vida. Seja parlamentar ou antiparlamentar, reformista declarado ou encoberto, o ecologismo ataca as conseqüências e não os fundamentos da contaminação generalizada. Sua função social principal é desviar a luta do proletariado - contra a degradação brutal de todas as condições de reprodução de sua vida, agindo diretamente contra os fundamentos de toda a sociedade (a taxa de exploração, a taxa de lucro, a competitividade da empresa, da economia etc.) -, transformando-a em meras lutas contra os excessos de um sistema cujas bases defende. Os ecologistas, organizados com seu retorno à natureza, com suas propostas de estações de tratamento, de controle estatal da contaminação etc. não só defendem os fundamentos gerais do sistema mercantil generalizado que provoca todas as contaminações, como irremediavelmente terminam contribuindo com seu grão de areia para as campanhas de austeridade do Estado contra o proletariado. Como se os proletários não fossem suficientemente explorados, os ecologistas lhes propõem ser ainda mais austeros, mais "naturais". Sendo os melhores agentes comerciais da venda mercantil da "natureza", os ecologistas elaboram e propõem, ao proletariado, programas reais de austeridade e aumento da exploração que nenhum outro setor burguês ousaria propor. Para o ecologista, se possível, alimentar o proletariado com capim em vez de carne seria o melhor. Baseados, assim, no embuste de que esta sociedade é uma sociedade de consumo (na realidade é uma sociedade determinada pela acumulação do capital), os ecologistas são os mais cínicos defensores da austeridade e do aperto de cintos. 

Numa época em que os efeitos devastadores da produção mercantil provocam mortes cada vez mais massivas por desertificação, deformações físicas irreversíveis, doenças incuráveis por contaminação ambiental..., a rebeldia proletária contra o capital continuará se desenvolvendo. E o desenvolvimento da mesma encontrará nos ecologistas de todos os tipos um obstáculo a mais que o proletariado terá de superar para impor sua revolução.

 39e. O capital reproduz a humanidade proletária somente na medida em que esta é instrumento de trabalho e fonte de valorização. As "fábricas" em que o proletariado é produzido como proletariado, como simples força de trabalho do capital, são a família, a escola, os hospitais, as igrejas, os institutos de assistência social, as prisões etc. Todas essas instituições estão, de cima a baixo, determinadas pela reprodução não do ser humano, mas do escravo assalariado e serão abolidas, junto com toda a sociedade da qual emergem, pela revolução comunista.

 A posição clássica do revisionismo, da social-democracia, face à impossibilidade de negar o antagonismo evidente entre a revolução social e a reprodução de todas estas instituições reprodutoras da propriedade privada e da sociedade do capital, é a de reconhecê-lo de forma obscura em seu programa máximo para depois da revolução, sabotando toda luta prática e concreta contra as mesmas, quando não chega ao descaramento de defender, no que chama de socialismo, a "família proletária" ou a escola depurada de alguns excessos... Entretanto, toda luta real do proletariado se encontrou frente a essas instituições e de diversas formas lutou contra elas. Em todas as revoltas proletárias radicais, explode um antagonismo inconciliável não só com as igrejas, prisões etc. como com a família, as escolas etc. cuja essência é também a reprodução da propriedade privada e do Estado, que, por sua vez, reproduz o indivíduo produtor de mais valia, a prole enquanto propriedade familiar, a divisão (sexual ou por idade) do trabalho necessário à reprodução da força de trabalho do capital, a disciplina necessária à manutenção da escravidão assalariada etc.

 A luta contra a família, a escola... é, assim como a luta contra as prisões, as igrejas, os órgãos de assistência social e/ou qualquer outro tipo de instituição do capital, uma luta fundamental e inseparável de toda luta comunista contra esta sociedade. Assim como não se pode deixar para depois da insurreição um problema como o sindical, visto que em toda luta teremos o sindicato contra ela. Adiar a luta contra a escola, a família etc. para depois da insurreição é contra-revolucionário.

 39f. Mas é somente na própria luta proletária que se pode assumir cada uma dessas lutas, somente na verdadeira comunidade de luta os proletários forjam as bases da destruição, da crítica comunista da família, da escola..., e afirmam seu próprio projeto. Os que buscam alternativas positivas em plena sociedade capitalista caem no reformismo e no socialismo burguês, porque a verdadeira alternativa a toda essa estrutura social, à família, à escola etc. só pode surgir dessa negação em desenvolvimento, isto é, da afirmação do comunismo como movimento geral de negação de toda sociedade atual. Nessa negação em ato, é evidente que os comunistas, que têm sobre os demais proletários a vantagem da visão global do movimento e de seus objetivos e que em todos os aspectos práticos da luta se situam à cabeça do proletariado, se envolvem com todas as suas forças nessa negação concreta da família, da escola etc. mas não podem nem por um instante ter a ilusão de que abolirão tais instituições sem abolir a propriedade privada da qual emergem.

 Da mesma maneira que o feminismo é a resposta burguesa à "questão da mulher", que o anti-racismo é a resposta burguesa para a "questão racial", que o ecologismo é a resposta burguesa à questão da destruição das condições da vida humana, existe um conjunto complexo de respostas burguesas à questão da família, da escola etc. Entre elas, cabe mencionar as ideologias da família alternativa, da comunidade de vida, do amor livre, da revolução no cotidiano, das escolas alternativas ou "livres" etc. Como nos outros casos, não se trata de uma simples parcialização de uma luta proletária, mas de sua liquidação efetiva com base num conjunto de projetos reformistas e de ideologias, que têm em comum a reforma e a reprodução da vida necessárias à permanência da escravidão assalariada. Somente a constituição do proletariado em classe e portanto em Partido, enquanto comunidade humana contraposta a toda ordem capitalista estabelecida, contém em germe, em seu desenvolvimento e no das relações humanas que vão se forjando na luta comum, a negação da família, da escola, do paternalismo, do exclusivismo... E, no desenvolvimento efetivo dessa negação, inevitavelmente encontrará, em todos os projetos reformistas da escola ou da família, obstáculos que deverá varrer para impor sua revolução. Obstáculos que terá de abolir, para sempre, junto com a propriedade privada e a família.

 40. O trabalho é a negação da atividade, da vida, da satisfação, do gozo humano. O trabalho faz do homem um estranho para si mesmo, ao que produz, à sua atividade e à humanidade como um todo. O trabalho não é outra coisa senão a atividade humana feita prisioneira das sociedades de classes e a concretização da necessidade das classes dominantes de se apropriar do sobreproduto obtido mediante a exploração das outras classes. O capitalismo, ao libertar (separar) os explorados de seus meios de vida e de produção, destruindo as velhas formas de produção, impôs o salariado ao conjunto do planeta, reduzindo o homem, por toda parte, à condição de trabalhador, de torturado ("trabalho" provém etimologicamente do latim "trepalium", que era um instrumento de tortura).

 No trabalho, o proletariado se vê completamente despojado de seu produto, alienado, estranho a si mesmo, negado em sua essência, em sua vida, em seu gozo... enfim, alheio ao produto de sua própria atividade.

 Além de desperdiçar seu suor, seu sangue e sua vida numa atividade cujo absurdo só é menor do que o embrutecimento que acarreta, o trabalhador é separado de toda relação imediata com os outros enquanto seres humanos e separado, portanto, de sua própria vida genérica, da espécie humana.

 Somente na luta contra o trabalho, contra a atividade que estão forçados e contra aqueles que os forçam, os proletários reemergem como seres humanos. Com a generalização desta luta e a conseqüente negação da sociedade atual, avançam no sentido de uma sociedade comunista, na qual toda atividade humana será enfim humana, para o ser humano. 40a. O capital fez do trabalho a atividade mais importante, à qual tudo se subordina, a atividade essencial do homem (o homem é considerado não como tal, mas "pelo que faz na vida" o que, na sociedade capitalista, quer dizer "profissão", "trabalho"). Com isso, nada mais coerente do que o fato de que todas as ideologias da sociedade burguesa façam do trabalho a essência humana, ideologia que é reproduzida e suportada pelas centenas de milhões de cidadãos que perdem cotidianamente sua vida para "ganhar a vida".

 Concordando com isso, todas as ideologias se baseiam no sacrifício, na renúncia, na interiorização das emoções e dos sentimentos... Ao trabalho corresponde o sacrifício, e a este a religião (incluída a religião leninista do Estado!), na tentativa de justificar a repressão de toda manifestação das paixões e prazeres humanos, físicos, corporais.

 Das apologias de esquerda ao miserabilismo do proletariado enquanto pobre, passando pelos dogmas dos padres de todos os tipos, todos nos propõem o "depois", "a sociedade do futuro" e a morte como recompensa e campo de realização de um homem que na "vida presente" deve viver no sacrifício e negar a si todo gozo, reprimir todo o prazer.

 41. No capitalismo, tudo que é humano e vital deve ser sacrificado. A vida humana nada mais é do que um contínuo sacrifício. O ser humano foi separado de seu corpo, seu prazer, seu sexo, de sua energia vital. Séculos e séculos da chamada civilização estão gravados sobre sua carne e seu corpo. O trabalho, a polícia, a família, a religião, a escola, a televisão, as prisões, os hospitais psiquiátricos... enfim, o Estado, são muito mais do que o contexto em que se reproduzem. Eles deformam, desumanizam todo aquele que se pretende um ser humano; fragmentam e conformam esses corpos reprimidos, separados, enfrentados. Sob o capital, o ser humano é incapaz de amar o ser humano. O homem, transformado em inimigo do homem, reprime sua própria humanidade, sua própria pulsão, sua própria energia.

 A sociedade mercantil faz com que os homens só se relacionem por meio das coisas e como proprietários privados de coisas. A sexualidade universalmente alienada, a impotência orgástica generalizada é a concreção palpável da ausência da relação verdadeiramente humana enquanto corpos, totalidade.

 Os seres humanos não vivem sua sexualidade diretamente, por sua vida e sua energia, mas através de todas essas mediações tornadas corpos e das imagens espetaculares impostas pela sociedade. Em outras palavras, dessas mediações feitas armas e couraças desses corpos pelos quais o homem não é mais do que o lobo do homem.

 A própria sociedade burguesa desenvolveu sua resposta a esta castração inerente ao cidadão, a essa repressão feita carne que destrói permanentemente a energia da vida. A resposta consiste na mercantilização de todo o sexual: vendem-se mulheres, vendem-se homens, vendem-se crianças, vendem-se imagens de "felicidade", vendem-se pênis, vaginas, mulheres e homens de plástico...

 A cada emergência revolucionária, o proletariado questiona e faz balançar todo o Estado burguês. Então, todas as relações humanas são revolucionadas e começa uma verdadeira crítica prática do antiprazer generalizado necessário para o funcionamento desta sociedade. Inversamente, cada contra-revolução triunfante ou fase declinante da revolução, faz com que o individualismo e o antiprazer se tornem onipresentes.

 Como em todos os outros aspectos centrais da revolução comunista, e contra eles, o inimigo central da revolução é o reformismo, o conjunto de pequenas reparações para que o essencial seja perpetuado. Assim, as ideologias do amor livre, da liberdade de troca no sexual, da realização do prazer em plena sociedade capitalista, inclusive quando são algo mais do que mera propaganda mercantil, têm por objetivo central canalizar, desviar, destruir a energia revolucionária do proletariado.

 O gozo realmente humano não tem nada a ver com essas caricaturas mercantis.

 O comunismo, na sua afirmação histórica, libertará todo o potencial de gozo da espécie humana. E, deste modo, destruindo todas as servidões, constituir-se-á numa sociedade na qual o prazer físico e sexual, o gozo corporal e orgástico, desenvolverá até níveis hoje inimagináveis as relações humanas, a humanidade do homem, a espécie humana.

 42. O desenvolvimento da troca operou fraturas e separações cada vez mais importantes no seio da atividade humana e, depois, submeteu cada um desses aspectos da atividade ao domínio cada vez mais tirânico da lei do valor. O capital, ao subsumir cada parcela da práxis humana e ao se apropriar e desviar toda atividade criativa do homem para a realização de suas próprias necessidades de acumulação, levou ao cume tal processo. Ao separar definitivamente a criatividade do restante da atividade humana, o capital definiu a Arte como único campo de expressão e de criação, como lugar e momento de todas as significações possíveis, já que a vida perdeu toda significação. Assim, a arte funciona como fuga, como gueto, como ferida aberta por onde o sistema capitalista supura sua podridão. O capital incentiva a escrever, a dizer e a desenhar qualquer coisa, desde que esses produtos artísticos permaneçam no domínio da representação do vivido, do espetáculo, desde que não superem as fronteiras da transformação da vida. Dentro desses limites, esses produtos são apenas mercadorias como todas as outras.

 A arte popular, a artenarquia, a arte "proletária" e outras apologias da miséria "operária"... nada mais são do que diferentes proposições reformistas e democráticas que tentam sublimar os aspectos mais espetaculares da miséria da condição proletária, não vendo na miséria nada além da própria miséria. Todavia, o que pretendem é conciliar o proletariado com sua condição de classe explorada.

 Em contraposição, pois, ao que todos os reformistas radicais defendem, a alienação da arte não reside no fato de que a arte faça abstração da miséria (visto que os artistas de esquerda preenchem esse vazio!). Mas, ao contrário, no fato de que é criatividade alienada, a alienação de toda criatividade, um dispositivo do Estado reforçando e reproduzindo a sociedade capitalista.

 A revolução comunista destruirá a Arte (incluída a "proletária"), enquanto produto da sociedade de classes, enquanto atividade humana fragmentada e seccionada, alienada sob o capital. A revolução comunista realizará as aspirações criativas do homem às quais a arte pretende responder de forma alienada.

 Esta destruição proletária da arte e, mais globalmente, da compartimentação das diferentes atividades sob o capital, encontrou e encontra, hoje mesmo, suas expressões embrionárias na sabotagem inventiva dos meios de dominação e do terror burguês, na sabotagem das máquinas, no dadaísmo, na anti-efetuação crítica das armas, nos métodos desenvolvidos para escapar e/ou burlar os controles do Estado, no absenteísmo... E, ainda mais amplamente, em toda imaginação e criatividade que nossa classe demonstra na luta para subverter este mundo. A insurreição generalizada será um fato, extensa e profundamente criativo, nos sentidos "artístico" e "científico" do termo, um momento essencial do processo de destruição revolucionária da arte.

Nenhum comentário:

Postar um comentário