quinta-feira, 18 de outubro de 2012

CONTRA-REVOLUÇÃO NA ESPANHA 2.2

O ANARQUISMO DE ESQUERDA Apesar das inúmeras reações entre os anarquistas contra a orientação da C.N.T.-F.A.I., nenhuma delas se liberou da confusão fundamental sobre a questão do poder. Em Guerre de Classes, cujo primeiro número foi publicado em novembro de l936, Camilo Berneri tentava resistir no interior da corrente anarquista de esquerda. Berneri partia da idéia de uma revolução que se desenvolvia e que deveria ser apoiada. Mas sustentar a Espanha revolucionária significava manter o Estado atual, ou seja: agir à margem dele sem combatê-lo. Berneri concluía apelando às massas para que pressionassem o Estado existente. Ao mesmo tempo (eis a contradição), mostra que o governo age contra a revolução: mas ele denuncia “o governo” não o Estado. O resultado é a busca de uma conciliação impossível entre a participação no Estado e a exigência revolucionária: “O ingresso dos elementos da C.N.T. nos órgãos da polícia não foi suficientemente compensado por uma autonomia que teria permitido rapidez e discrição...” [1]. Sua polêmica com F. Montseny ficou célebre [2]. Ele dialoga porque ela é anarquista, apesar de ser ministra. Ele age - imitando os trotskistas, que tentam “encostar na parede” os dirigentes “operários” - como se ela pudesse escolher. Berneri é vítima da ideologia revolucionária (um de seus artigos se intitula Madri, cidade sublime). Guerra e Revolução ilustra bem seu deslizamento teórico [3]. Antes, diz: É necessário fazer a revolução. Depois, contemporiza: Há uma revolução que é necessário preservar. Donde, é primordial lutar contra Franco etc. É certo que ele adverte quanto à “contra-revolução”. Mas, se o proletariado é atacado em duas frentes (por Franco e pela República), deve-se concluir que não haverá revolução enquanto os proletários apoiarem uma das duas formas de contra-revolução contra a outra. Berneri fala de contra-revolução como uma ameaça quando ela é uma realidade: daí seus repetidos alarmas. Ele protesta contra os atos não-revolucionários do Estado, mas poderia o Estado agir de outra maneira? O grupo “Os Amigos de Durruti”, extensão radical da C.N.T., é também significativo, começando pelo nome. Ele quer tomar o símbolo de Durruti das organizações anarquistas oficiais que dele fizeram uma bandeira (como os stalinistas com Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, até o começo dos anos trinta), e não criticar o símbolo (cf. “Espanha: guerra ou revolução?”). Ou seja: pretendem continuar o “verdadeiro” anarquismo contra os anarquistas oficiais. Em julho de 1937, Os Amigos de Durruti diziam que o impulso revolucionário se mantivera em maio de 1937, apesar da “ausência de programa concreto e de realizações imediatas”. Em 1936 como em 1937, o “erro fundamental” da C.N.T. foi o medo de avançar e a aceitação da preponderância da pequena burguesia. Os Amigos de Durruti, ao contrário, defendem “a necessidade de uma junta revolucionária, sob o controle econômico dos sindicatos, e uma estrutura livre para as municipalidades”. São necessários “um programa e fuzis” [4]. Em agosto de 1937, a C.N.T. e a F.A. I. fracassaram por que lhes faltava “a precisão teórica que nosso grupo propõe” [5]. O grupo diagnostica, pois, uma insuficiência da “direção”. À maneira dos trotskistas, diante do P.S. e do P.C., ele se concebe como parte da organização “operária” deficiente que quer recuperar insuflando-lhe teoria e vontade de combater. O animador do grupo escrevia para o jornal da C.N.T. em Barcelona. Pode-se ter uma idéia da fraqueza proletária quando se considera que Os Amigos de Durruti são, com uns poucos trotskistas (em torno de Munis) e uma ínfima minoria do P.O.U.M. e da C.N.T., os únicos elementos organizados e resolutos em maio de 1937. O programa do Manifesto da União Comunista (início de junho, 1937) era letra morta: “Para derrotar franco, é necessário derrotar Companys e Caballero. Para vencer o fascismo, é necessário esmagar a burguesia e seus aliados stalinistas e socialistas. É necessário destruir, de cima a baixo, o Estado capitalista e instaurar um poder operário surgido dos comitês de base dos trabalhadores. O apoliticismo anarquista fracassou... Para vencer o bloco da burguesia e seus aliados: stalinistas, socialistas e dirigentes da C.N.T., os operários têm de romper já com os traidores de todo tipo.” O Manifesto reconhece que “A unidade antifascista nada mais tem sido do que submissão à burguesia”. Porém, é muito favorável ao P.O.U.M. [6]. Notas: [1] Guerre de classes en Espagne, Spartacus, Reimpressão La Vieille Taupe, 1972, p. 17. [2] Guerre de classes en Espagne, Spartacus, Reimpressão La Vieille Taupe, 1972, pp. 35-42. [3] Guerre de classes en Espagne, Spartacus, Reimpressão La Vieille Taupe, 1972, pp. 42-5. [4] « Une théorie révolutionnaire! », L’Ami du Peuple, no. 5, in L’Internationale, no. 33, 18 dezembro 1937. [5] « Nécessité d’une junte révolutionnaire », L’Internationale, no. 6, id. [6] Lorenzo, op. cit., p. 270. ANTI-STALINISMO Assim como os massacres fascistas ajudaram a obscurecer a natureza do fascismo, a repressão stalino-socialista ajuda a silenciar o essencial. M. Ollivier denuncia – Le GPU en Espagne – mas, ele também põe somente o problema dos partidos, não o do Estado [1]. A liquidação do P.O.U.M. é a ocasião para fazer passar este partido como o mais radical. Ele era apenas demasiado frágil para desempenhar um grande papel. Se o governo republicano “acabou de ressuscitar a luta de classes” [2], ela - a luta de classes - opõe então o proletariado à burguesia republicana como àquela que apóia Franco. Ora, Ollivier não convoca à destruição do Estado republicano. Ao contrário: é necessário combater pelas “realizações socialistas”... que serão atacadas, no verão seguinte, em Aragão pelo Estado republicano. O Comitê pela Revolução Espanhola [3] denuncia a repressão contra o P.O.U.M. porque enfraquece a guerra dos republicanos contra Franco: agindo assim, a República se privaria de um apoio popular necessário. Esse comitê não diz nada a respeito do comportamento conciliador e criminoso da C.N.T. e do P.O.U.M., em maio de 1937. Portanto, a calúnia e a ignomínia social-stalinistas não foram rechaçadas publicamente (excetuando-se algumas publicações da esquerda comunista) a não ser por aqueles que, na realidade, defendem a mesma linha política, e se opõem apenas aos métodos, sem compreender que tal linha implica obrigatoriamente tais métodos. O antifascismo queria a “verdadeira” democracia apodrecida pelo capitalismo, eles queriam o “verdadeiro” antifascismo apodrecido pelo stalinismo. No seu prefácio a Le Stalinisme bourreau de la révolution espagnole, 1937-1938, Rosmer escreveu: “É necessário, antes, liquidar Franco. Mas depois da vitória, haverá ajustes de contas e a Revolução retomará sua marcha adiante” [4]. O êxito da repressão, porém, demonstra que não existe revolução espanhola. A denúncia unilateral dos crimes de Stálin (que são também crimes dos socialistas) encobre o resto. A “luta contra a repressão”, que toma a forma de anti-stalinismo como tomara antes a de antifascismo, não constituiu jamais um programa revolucionário. Isolada enquanto tal, como no antifascismo, ela levou necessariamente a praticar a política do mal menor, a apoiar o mais tolerante contra o mais repressivo (os socialistas “são preferíveis” ao P.C., os E.U.A. são menos ruins do que a U.R.S.S. – ou o inverso etc). Como se os socialistas (sobretudo, na Espanha) não fossem cúmplices dos stalinistas, evitando mencionar os processos de Moscou e convidando Jouhaux para arbitrar os conflitos na U.G.T. em proveito do P.C.! [5] Durante a guerra fria, o antifascismo reaparecerá em certas correntes situadas entre os partidos oficiais e os revolucionários, mas desta vez sob a forma de apoio ao “mundo livre” contra os países do leste europeu, considerados ainda mais repressivos e monstruosos. O totalitarismo substitui o fascismo, como inimigo principal. Para outros, como Sartre, o “mal menor” será, ao contrário, representado pelo P.C. e pela U.R.S.S. O anti-stalinismo é o pior produto do stalinismo. Isso vale para todos aqueles que se fazem especialistas em denunciar os crimes e repressões stalinistas (ou leninistas) [6]. Notas: [1] Le Guépéou en Espagne. Les journées sanglantes de Barcelone (du 3 au 9 mai 1937 ), Spartacus, 1937, pp. 2-3. [2] Le Guépéou en Espagne. Les journées sanglantes de Barcelone (du 3 au 9 mai 1937 ), Spartacus, 1937, pp. 28-9. [3] Le Guépéou en Espagne. Les journées sanglantes de Barcelone (du 3 au 9 mai 1937 ), Spartacus, 1937, pp. 30-1. [4] Brochure de Katia Landau, esposa de Kurt Landau, «ex-secretário da Oposição de esquerda internacional [trotskista], que se solidarizou com o P.O.U.M. contra Trotsky » (Broué, Témime - La révolution et la guerre d’Espagne, Ed. de Minuit, 1961, p. 278), e foi assassinado pelos stalinistas. A reimpressão da edição original (Spartacus), em 1971, inclui uma “crítica de ultra-esquerda” que faz da revolução um problema de forma, de organização democrática: os grupos revolucionários devem ser “autônomos” e “se basear na auto-organização espontânea do proletariado” (p. 49). [5] Alba, op. cit., p. 340. [6] Por exemplo, depois de 1945: Masses, les Cahiers Spartacus, La Révolution Prolétarienne; Monatte, em Trois scissions syndicales; V. Serge, em Le nouvel impérialisme russe etc. No pós-guerra, o P.O.U.M. no exílio proporá a mais ampla aliança contra o fascismo, monarquistas inclusive, mas sem o P.C., por seu totalitarismo. Cf. Internationalisme, no. 35, junho de 1948, reproduzido no Bulletin d’Etude et de Discussion de Révolution Internationale, no. 6. A UNIÃO COMUNISTA As discussões no interior da esquerda comunista e as críticas feitas a Bilan por certos grupos revolucionários têm um peculiar interesse, na medida em que as objeções desses grupos às teses da esquerda “italiana” são certeiras, ainda que no essencial a esquerda italiana compreendesse melhor os eventos da Espanha. Tais eventos frearam ou interromperam a clarificação de diversas correntes. Mesmo as que eram hostis ao antifascismo e à preparação da futura guerra pela União Sagrada - nos blocos que ligam os proletários à burguesia: Frente Popular etc. -, aceitam o antifascismo para a Espanha ou acreditam ver se não uma revolução em marcha, pelo menos uma situação pré-revolucionária. Mas as mais sólidas admitem, desde maio de 1937, que o movimento revolucionário foi vencido, que doravante a guerra da Espanha é uma guerra imperialista e que abre o caminho para a segunda guerra imperialista mundial. A União Comunista, cujo órgão é L’Internationale, situa-se entre a esquerda comunista e o trotskismo, embora tenha se radicalizado consideravelmente depois de 1936. Antes, ela preconizava a frente única (contra a linha “classe contra classe”) ao nível político e sindical [1]. Sabe-se que fidelidade aos “quatro primeiros congressos da I.C.” (1919-1922) é um dos temas favoritos dos trotskistas, e a “frente única” uma de suas palavras de ordem habituais. Em contraposição, a União Comunista rechaça toda defesa da U.R.S.S. e não tem qualquer ilusão sobre o caráter da próxima guerra. Sua contradição: ela prova que a Frente Popular (como a da França) equivale a uma União Sagrada, mas convoca uma frente única com as mesmas organizações ditas operárias. Neste ponto, ela compartilha a incapacidade “centrista” de apreender a função global das organizações “operárias”. Essa atitude repousa também numa superestimação do período que faz acreditar em evoluções possíveis. A União Comunista julga então Bilan como uma posição de princípio afastada do movimento real. Citando Bilan, L’Internationale afirmava em 1934: “Não se trata... para os revolucionários, de deixar as massas operárias entregues à si mesmas e de se contentar em ‘propagar as posições políticas sem que as massas tenham a possibilidade de as aplicar’ (Bilan, no. 12 )” [2]. Por ocasião do referendo que decidiria pela anexação do Sarre à Alemanha (nazista) ou à França, e que se pronunciou finalmente em favor da Alemanha, L’Internationale definiu seu antifascismo, que pretendia ser diferente da versão reformista habitual, mas se parecia muito com ela: “A luta antifascista tem por objetivo conservar as organizações e liberdades que, para o proletariado, são as condições mais favoráveis à propaganda revolucionária e ao reagrupamento das massas... O apego das massas trabalhadoras a certas liberdades democráticas constitue, para os operários, num período de refluxo, uma base importante para reunir as massas e impulsioná-las à ação” [3]. Em julho de 1936, a U.C. evolui, mas ainda com ilusões quanto ao P.O.U.M. (a posição do P.O.U.M. diante do antifascismo democrático), o que demonstra bem que ela mesma não tem uma posição clara sobre esta questão [4]. Depois de julho de 1936, a U.C. já não considera que o atrelamento das milícias ao Estado anula seu caráter revolucionário e até sublinha a existência de um possante movimento revolucionário subterrâneo, que nenhuma organização exprime nem unifica (nem mesmo o P.O.U.M.), e que é necessário apoiar. Para Bilan, ao contrário, a condição necessária para facilitar uma evolução revolucionária possível é, seja como for, compreender e afirmar que ainda não há revolução. L’Internationale enfatiza, porém, desde o início, a fragilidade do movimento. Em fevereiro de 1937, “o estrangulamento do movimento revolucionário espanhol está sendo finalizado”: “as forças contra-revolucionárias querem evitar uma resposta organizada das massas” contra esse estrangulamento [5]. A influência staliniana progredia com o apoio russo, e a República preparava um acordo com Franco. A alternativa é uma batalha decisiva: “ou a destruição do Estado burguês ou uma heróica derrota”. Mas persiste a ilusão quanto ao P.O.U.M., através de sua organização juvenil. A Juventude Comunista Ibérica propunha um “governo operário revolucionário” eleito por uma “assembléia de delegados dos comitês de empresa, dos camponeses e dos milicianos”. Mas que significa “Todo o poder aos sovietes!”, quando os partidos reformistas exercem um domínio esmagador sobre esses órgãos de base? Reencontramos aqui toda a orientação do P.O.U.M. A U.C. mostra a progressão contra-revolucionária, mas não a realidade (= a fraqueza) do movimento proletário. Ela explica antes de tudo essa progressão pela intervenção russa, o que a dispensa de se interrogar sobre a situação interna de Espanha, e a ação efetiva dos operários. A U.C. argumenta como se existisse um movimento social revolucionário manipulado pelos partidos e sindicatos. Ela insiste que “a independência de ação” diante do governo, não sobre o que é esse governo [6]. Ela aponta um “poder operário” (oposto ao poder burguês atual) como objetivo, mas não vê que tal poder é a condição de toda luta de classe contra Franco e a República. Ela procura a revolução lá onde a revolução não está, e os revolucionários onde nada mais há do que a frase revolucionária, exigindo que o P.O.U.M. seja coerente em suas palavras e seus atos. Em suma, ela relança a “frente única” que sustentara antes, sobre o P.O.U.M. e a C.N.T.-F.A.I. E apela à base do P.O.U.M. como os trotskistas às bases dos P.C. e P.S., ignorando a função desses partidos. Ela analisa menos o que se passa do que aquilo que gostaria que se passasse – traço comum a todos os revolucionários criticados por Bilan. Para uma luta revolucionária que não existe (pelo menos, não como dizem), estão prontos a participar de uma luta bem real, dirigida pelo Estado. Presumindo que os eventos devem evoluir, conclui que eles podem evoluir e, portanto, que é necessário sustentá-los. Reconheçamos, contudo, à U.C. um relativo pessimismo quanto ao desfecho, o que refuta sua tese de um “movimento revolucionário ativo” em Espanha. A U.C. começa participando no Comitê para a Revolução Espanhola (cf. § anterior), que reagrupa o essencial da confusão centrista, inclusive a Esquerda Revolucionária, oposição de esquerda na S.F.I.O. - cujo chefe Pivert responde pela informação no governo Blum, o que dá a medida de sua oposição [7]. Em meados de 1937, a U.C. abandona esse Comitê, entre outras razões, devido à presença da E.R. Depois de maio de 1937, L’Internationale descreve longamente o triunfo contra-revolucionário, mas discerne melhor o efeito do que a causa: “desde as jornadas de maio, a guerra contra Franco perdeu o caráter de guerra civil que tinha desde 19 de julho de 1936... à medida que o movimento revolucionário... recua diante da contra-revolução ‘democrática’, o caráter imperialista e militar da guerra se acentua, crescendo a ameaça de guerra mundial” [8]. Ela prognostica um compromisso Franco-República. Ela se rejubila com a evolução positiva dos Amigos de Durruti, que, mesmo não assumindo a posição marxista sobre o Estado, entenderam, segundo a U.C., que “a conquista do poder político é a condição do sucesso da revolução”. Os textos dos Amigos de Durruti que ela reproduz – analisados no § “O anarquismo de esquerda” – mostram que essa avaliação é muito exagerada. Em contraposição, L’Internationale condena a atitude “hesitante” do P.O.U.M. e seu “oportunismo” alinhado com a C.N.T.: apesar dos golpes que recebe, o P.O.U.M. se limita a refutar as mentiras e prega um governo U.G.T.-C.N.T. “É bem pouco provável que uma nova grande batalha possa ocorrer. As jornadas de maio foram decisivas. Somente lutas parciais, localizadas, se produzirão e serão seguidas de repressões massivas.” Notas: [1] L’internationale. no. 3, 13 fevereiro de 1934. Um de seus militantes, H. Chazé (= Davoust) resume a história desse grupo numa carta de 5 de maio de 1975, para La Jeune Taupe, no. 6, julho de 1975. Ele afirma que a U.C. era «claramente contra o frentismo», e que suas posições sobre Espanha foram deturpadas na coletânea La légende de la gauche au pouvoir (cf. nota 6). Comparem-se essas duas afirmações com o texto da U.C. publicado na presente obra. [2] No. 10, 12 de dezembro de 1934. [3] No. 10, 12 dezembro de 1934. [4] No. 21, 23 de maio de 1936. [5] No. 26, 12 de fevereiro de 1937. [6] No. 27, 10 de abril de 1937. [7] Cf. D. Guérin, Front Populaire, révolution manquée – Maspero; e J. Rabaut, Tout est possible! - Denoël, 1974. Como R. Lefeuvre, animador das Ed. Spartacus e de Masses, esses dois autores militaram no Partido Socialista Operário e Camponês, fundado em 1938, depois da exclusão da Esquerda Revolucionária da S.F.I.O. Pivert retornará à S.F.I.O. depois de 1945. Sobre a esquerda da Frente Popular, cf. a coletânea de Rioux, Révolutionnaires du Front Populaire - U.G.E., 10/18. Sobre os revolucionários em oposição à Frente Popular, cf. La légende de la gauche... [8] L’internationale, no. 29, 10 de julho de 1937. A LIGA DOS COMUNISTAS INTERNACIONALISTAS A evolução da Liga dos Comunistas Internacionalistas da Bélgica é comparável à da União Comunista, sobre a Espanha, ainda que a L.C.I. tenha posições bem mais claras sobre o antifascismo. Enquanto a U.C. publica durante muitos anos L’Internationale - um jornal para influenciar a base das organizações “operárias”, antes de se tornar uma revista policopiada -, o Bulletin da L.C.I. se apresenta como um órgão teórico. A U.C. exprime uma reação sadia, mas superficial, pelo menos até 1936. A L.C.I. traduz um esforço real de clarificação teórica, e não foi por acaso que ela colaborou muitos anos com Bilan antes de se separarem por causa da Espanha. Depois da vitória eleitoral da Frente Popular, o Bulletin [1] vê “uma frente de esquerdas burguesas com suas tendências moderadas e extremas que se junta à frente das direitas, onde o mesmo fenômeno se manifesta”. Por exemplo, o partido do radical-socialista Maura rachou em dois, seguindo a bem conhecida “política de oscilar entre esquerda e direita”. No conjunto, a análise do fascismo é idêntica à de Bilan. A Bélgica é um exemplo de país industrializado, onde o movimento operário está muito integrado ao Estado, a L.C.I. enfatiza regularmente que a democracia tem o mesmo programa – de união forçada das classes – do fascismo. Mas a Liga enfrenta importantes divergências, antes de julho de 1936, que cristalizam a questão eleitoral, na qual se esboça a clivagem posterior sobre a questão espanhola. Hennaut (dirigente da Liga) preconiza, na primavera de 1936, o apoio eleitoral ao Partido Operário Belga. Jehan (que animará a cisão minoria próxima de Bilan) propõe a abstenção [2]. Essas divergências repercutem, depois de julho de 1936, e exigem uma cisão: nenhuma colaboração é possível entre os que apóiam a luta armada antifascista e os que pregam a deserção nos dois campos. Os artigos de Hennaut e de Jehan, escritos quase que ao mesmo tempo, revelam duas abordagens diferentes. Hennaut está consciente do caráter contra-revolucionário do antifascismo, mas, contrariamente a Jehan, não considera decisiva a não-destruição do Estado, em julho de 1936. Lá onde Jehan considera o momento da ruptura (que não se produziu), Hennaut se liga ao movimento. Para Hennaut, Jehan fixa a evolução social sobre uma fase e reduz o proletariado ao partido, isto é, aos elementos já conquistados para o comunismo, negligenciando assim as possibilidades de influenciar outras camadas ainda em movimento. Para Bilan, segundo Hennaut, não haverá revolução na Espanha porque não existe partido. Esta crítica fundamental é aprofundada numa análise mais geral, que inclui a revolução russa, sobre a natureza do socialismo, da revolução e, portanto, do proletariado. Obnubilada, depois dos bolcheviques, pela questão do partido, a esquerda italiana interpretou tudo à luz da formação ou da carência do famoso partido. Mais tarde, tal crítica será retormada, para fins de polêmica medíocre. Num artigo de Socialisme ou Barbárie – “La crise du bordiguisme italien”, escrito em 1952 –, A. Vega ataca a negação do “papel ativo” e a idéia de uma luta de classes “eclipsada” [3]: “...por exemplo, em lugar de ver na subversão revolucionária de julho de 1936 na Espanha a conclusão de um longo período de luta de classes, limita-se a registrar uma ´explosão operária´ (?) de alguns dias, seguida de uma ´guerra imperialista´. A classe operária apareceu durante 24 ou 48 horas, mas logo desapareceu. Os combates continuam, porém. Há, então, guerra. Estamos no período das guerras imperialistas, portanto, é uma guerra imperialista! E, com a ajuda do ´leninismo´, vimos a Esquerda Italiana declarar (ao preço de uma cisão, é verdade...) que a palavra de ordem para a Espanha é a fraternização: fraternização dos operários armados com a guarda civil, os legionários e os falangistas. Esta interpretação torna completamente inexplicável a insurreição dos operários de Barcelona, em maio de 1937, apresentada como um massacre dos proletários, reduzidos ao papel de vítimas passivas pelo governo republicano.” Para Vega: “Os trabalhadores espanhóis... de 1930 e 1936 puseram constantemente em causa as bases do regime capitalista,... em 1936, destruiram suas instituições fundamentais, assumiram a gestão das fábricas e dos transportes...” Cada um apreciará, a seu modo, esse resumo e a prestação de contas dos fatos. Recentemente, um velho membro da União Comunista evocava igualmente “a posição delirante dos bordiguistas belgas e de Vercesi (não há partido bordiguista na Espanha - portanto, não há revolução) sobre o movimento revolucionário na península... Os bordiguistas da Bélgica, pouquíssimos, tinham uma posição aberrante... e, por exemplo, não compreenderam nada das jornadas de maio de 37, o Kronstadt espanhol (guardadas todas as proporções) ...” [4]. A crítica dirigida à esquerda italiana, de reduzir a classe ao partido, é bem fundada e mal infundada. Lendo Bilan com seriedade, percebe-se que essa revista fala de ausência do “partido” na Espanha apenas onde os movimentos proletários, antes de e em 1936, não atingiram o mínimo que exigiria uma organização comunista correspondente. No conjunto, a análise continua materialista: não há partido porque a classe não o criou. A experiência proletária anterior não pôde suscitar uma ação e, portanto, uma organização que rompesse com o capital o suficiente para desempenhar um papel decisivo no período crítico em que a sociedade poderia oscilar num sentido ou outro. Falar de ausência de partido é avaliar a força e as capacidades dos proletários espanhos. E não deplorar a não criação pelos revolucionários de um centro dirigente. É verdade, porém, que Bilan manifesta uma tendência à idealização do partido, que continua ainda limitada e não apreende o essencial da análise, mas faz parte da herança da esquerda italiana. É menos um traço ‘leninista’ (que só virá depois) do que um aspecto social-democrata radical adquirido pela esquerda italiana antes de se encontrar com os bolcheviques e Que Fazer? Esta idealização da organização e dos princípios era, antes de 1914, uma das soluções (ilusórias) dos elementos revolucionários da Segunda Internacional para escapar do reformismo dominante. Bordiga a concebeu separadamente de Lênin, e de modo mais profundo, na medida em que não estava marcado pela tese kautskista da ‘consciência’ a ser levada ao proletariado, o que dava ao partido que ele descrevia uma concepção mais materialista do que a de Lênin. Somente mais tarde, o contato entre os italianos e a Terceira Internacional reforçará o idealismo do partido, mas Bordiga conservará sempre sua abordagem original. Depois de 1945, a superestimação do partido será desenvolvida por ele sob as formas mais brilhantes e também as mais contraditórias, ainda que ele tenha dito que o partido era fator e resultado da revolução [5]. Seus herdeiros exageraram suas contradições até a caricatura. Com a ajuda do ativismo, o partido se torna a alma que espera seu corpo. Uma diferença profunda separa, no entanto, essas teorizações de Bilan. A distinção - admitida nos anos trinta entre “fração” (grupo que mantém e desenvolve a teoria, com uma prática muito limitada, num período de recuo), e “partido” (organização comunista do movimento proletário) – foi esquecida pela esquerda italiana depois de 1945, pois ela se constitui em “partido”, primeiro na Itália (1943-1945), depois à escala mundial (Partido Comunista Internacional). Num plano mais vasto, Bilan reproduz os limites da esquerda italiana em sua visão da revolução e, em particular, seu exagero da experiência russa. Mas essa revista era aberta para outras concepções e – sobretudo – à reflexão sobre o conteúdo do comunismo como destruição da lei do valor, através de um longo resumo dos Princípios de Base da Produção e Repartição Comunistas, texto fundamental sobre o tema [5 bis]. Como Hennaut assinala, era para ele o ponto de partida de uma reflexão diferente sobre o socialismo, embora Bilan não o considerasse mais do que um ponto a especificar. Ou seja, a crítica histórica da revolução russa e de sua degeneração jamais foi feita pela esquerda italiana, nem à época de Bilan nem depois, apesar dos inúmeros textos de Bordiga a respeito. Contudo, os adversários da esquerda italiana, de um modo geral, não superaram os limites dessa proibição a não ser para cair total ou parcialmente numa ou outra forma de conselhismo, substituindo uma visão limitada por uma outra. Uma nova panacéia (a magia da democracia e gestão operárias) substitui a antiga (a magia do partido). As polêmicas sobre a Espanha fizeram amadurecer as divergências e exageros respectivos – signo da incapacidade para apreender a totalidade. A esquerda italiana afirma com razão que os revolucionários não são obsecados pelo medo de se tornar um novo poder ou de se impor à “maioria”. Toda revolução é feita por uma minoria, ainda que importante, o que não impede a revolução comunista de ser obra da maioria, o conjunto dos homens tendendo a assumir progressivamente sua própria existência. Mas o papel mais ativo é desempenhado pela minoria. O essencial é que as medidas decisivas sejam tomadas, mas não “decretadas”, efetuadas realmente, mesmo que seja por uma minoria, inicialmente (nada a ver com as “minorias atuantes” do sindicalismo revolucionário, no qual um pequeno número é incumbido de dar o bom exemplo e dirigir as coisas). As bases materiais dum novo “poder” não estão no agir minoritário e muitas vezes ditatorial, mas na manutenção dos fundamentos do capital. O fator essencial não são as relações de dominação, mas as relações de produção da vida (material, afetiva, simbólica etc.). A revolução comunista só triunfará se for capaz de atrair, num prazo mais ou menos curto, as amplas massas, nutrindo-se de sua intervenção na vida social em todos os níveis (cf. “Revolução Política e Social”). Ao contrário, uma “revolução” que se oponha sistematicamente aos operários deverá reprimir as greves e não mudará nada ou quase nada do CONTEÚDO da sociedade (isto é, o essencial), - negando-se como revolução proletária. Foi o que aconteceu na Rússia. Mas não invertamos a explicação: foi porque a sociedade não foi revolucionada que o partido bolchevique conseguiu impor a ditadura de um estado não proletário, não comunista, que não poderia sobreviver senão desenvolvendo o regime salarial e, portanto, um estado capitalista. Os insurretos de Kronstadt não eram certamente comunistas, mas aqueles que os massacraram agiram como verdadeiros anticomunistas, reprimindo um movimento elementar ao nome de uma ditadura do proletariado que só existia nominalmente (pouco importam as intenções e o moralismo, que nos é estranho). Nem Kronstadt nem o estado bolchevique representavam a revolução comunista: simplesmente, a luta de classes prosseguia sob formas elementares – às vezes, pelas armas. A esquerda italiana nega a realidade das lutas operárias a pretexto de que o poder continuava “proletário”. Um poder só é revolucionário se favorece a revolução, no interior e no exterior, o que não aconteceu (cf. o curso direitista imprimido à I.C. – que se deixou levar – pelos bolcheviques). Ao contrário do que disse Bordiga, depois de 1945 [6], a revolução russa soçobrou na violência contra os proletários (repressão às greves e outras lutas, militarização do trabalho, processos stalinistas etc.). Os operários tomaram o poder em 1917 e o perderam muito depressa – definitivamente em 1921, mas no essencial antes. O aspecto burguês está quase sempre presente no bolchevismo e em Lênin, que são profundamente contraditórios [6 bis]. Este aspecto poderia ter sido minimizado, se uma revolução mundial fosse vitoriosa: o fracasso de suas tentativas maximizou-o. Mas esta não foi a causa decisiva da involução (Bordiga) da revolução russa: por que, então, os proletários a aceitaram? Postular um antileninismo sistemático é falsificar a perspectiva e interditar a verdadeira crítica: a da natureza do movimento social daquela época, de sua parcialidade. Hennaut foi menos capaz de tal crítica do que Bordiga, que apenas a intuiu. A grande diferença entre a Liga dos Comunistas Internacionalistas e a União Comunista a respeito da Espanha é que a Liga atribuía mais importância à evolução interna do país do que à pressão internacional (sobretudo, russa), como fator de reforçamento da contra-revolução na Espanha. Em novembro de 1936, depois de ter mostrado os efeitos da não-intervenção, Hennaut questiona “Aonde vai a Revolução espanhola” [7]: “A modificação essencial aconteceu na frente interna da revolução espanhola. O governo de Madri, que continua sendo o governo do capitalismo espanhol, retomou firmemente em suas mãos as rédeas do poder que por instantes lhe pareciam escapar. As milícias operárias obedeciam docilmente as ordens dos militares republicanos... A partida ainda não estava completamente perdida, mas as posições dos operários espanhóis tinham sido seriamente comprometidas. Assim, realizaram-se as condições para a reabsorção da revolução na geléia geral dos imperialismos que então se preparava.” Mesmo considerando que depois de maio de 1937 a guerra de Espanha adquiriu um caráter imperialista, os grupos como U.C. ou a Liga hesitavam em lançar a palavra de ordem do “derrotismo revolucionário”. Tal apelo só poderia ter um valor de princípio (cf. “Questão Nacional”). A esquerda italiana tendia a viver uma repetição geral de 1914-1918, e raciocinar em termos da esquerda de Zimmerwald. Esta ilusão ultrapassa muito um simples erro de apreciação do período. Certo, essa corrente pôde acreditar numa retomada possível do movimento antes, depois ou durante o desencadeamento da futura segunda guerra mundial. A mudança de título, de Bilan para Octobre, em 1938, equivale por si mesma a um programa. Sobre a cobertura de Bilan, podia-se ler esta menção, muitas vezes repetida: “Lênin 1917 – Noske 1919 – Hitler 1933”. Era uma revista de resistência, numa conjuntura “historicamente desfavorável”. Octobre traduz bem a idéia (ou antes, a esperança) da passagem a uma outra fase. Mas há mais. A esquerda comunista, de todo modo, não podia mais desempenhar o papel da esquerda socialista depois de 1914. O derrotismo revolucionário correspondia, em 1914, à atitude de pelo menos uma fração do proletariado, e se exprimia por canais limitados ainda que reais. Partidos inteiros – como o partido bolchevique e partido sérvio (bem implantados, embora minúsculos) – recusaram a União Sagrada. A situação era bem outra no final dos anos trinta. A diferença não era quantitativa, mas qualitativa. A esquerda comunista estava separada do “movimento operário”, ela não tinha suas raízes, não dispunha de contatos sérios nem apoios. Ao contrário da extrema esquerda social-democrata depois de 1914, a esquerda comunista enfrentava organizações operárias integradas ao capital, e não restava nenhuma minoria proletária. Toda atividade da esquerda italiana é atravessada, até hoje, pelo mito (tomado da I.C.) da re-forma de um “verdadeiro” movimento operário. Há a idéia de reconstruir as mesmas organizações operárias (econômicas e políticas, com a divisão sindicato-partido) – agora, com novos princípios (de luta de classe) –, sem compreender que a renovação proletária se faria de outra maneira (isso não implica uma mudança total, ou então seria necessário demonstrar que capital e proletariado mudaram de natureza, o que não é o caso). Notas: [1] Qüinquagésimo ano, no. 3, março 1936. [2] Cf. os nos. de abril e maio de 1936. O no. de junho relata a conferência. Três pontos sublinham as divergências: a natureza dos movimentos de massa no período, as correntes de esquerda saídas da social-democracia e a formação do partido. A tendência próxima de Bilan defende genericamente as posições radicais contra a tentação centrista, mas se ilude sobre a experiência da I.C. Não se pode examinar a formação do partido nem pelas contribuições variadas e confusas, nem a partir do núcleo saído da I.C. Na questão eleitoral, Hennaut propunha votar por uma das três listas “operárias” (socialista, socialista dissidente ou PC). A conferência se pronunciou favorável (15 votos contra 9, dos que defendiam a abstenção). A nova direção inclui 4 representantes da maioria e 1 da minoria. Para compreender a perplexidade dos revolucionários diante das eleições é necessário lembrar que mesmo a esquerda alemã não tinha, em 1920, uma posição clara. A maioria considerava que as eleições desviavam os proletários da revolução em período de aguçamento da luta de classes. Somente Rühle compreendeu que a época em que os revolucionários participavam da vida eleitoral estava irremediavelmente terminada, porque tudo que a cercava havia desaparecido: grandes partidos socialistas com minoria radical, papel relativamente progressista da democracia em certos casos, etc. A questão abstencionista não se põe porque o velho movimento operário não existe mais. Bordiga sempre a considerou um ponto tático: o PC fundado pela esquerda depôs de 1943-1945 (cf. nota 3 do capítulo Esquerda Italiana?) participará depois de 1945 das eleições. Hoje ainda, o PC Internacional recorre ao voto em determinadas situações (por exemplo, referendum sobre o divórcio, na Itália). [3] No. 11, novembro-dezembro de 1952. [4] Carta de Chazé à La Jeune Taupe, op. cit. [5] Cf. Renversement de la praxis, in Programme Communiste. no. 56, pp. 55-62. [5 bis] O resumo de Principes de base publicado nos nos. 19, 20 e 21 de Bilan foi publicado no no. 11 dos Cahiers du Communisme de Conseil. [6] Invariance, 1a série, no. 9, p. 71. [6 bis] Cf. Pannekoek, Lénine Philosophe, Spartacus, 1970; Barrot, Guillaume, postfácios a Kautsky, Les trois sources du marxisme, Spartacus, 1969; e Authier, préfacio a Trotsky, Rapport de la délégation sibérienne, Spartacus, 1970. [7] Boletim da L.C.I. novembro de 1936. A Esquerda Alemã Como a “esquerda italiana”, a “esquerda alemã” [1] – que foi muito atuante, sobretudo nos países baixos e nos EUA – afirma que o fascismo é uma tendência do capital, impulsionada por todos os que se situam em sua lógica, a começar pelos democratas. International Council Correspondence, revista animada por P. Mattick, dedicou inúmeros artigos à demonstração de que o fascismo existe nos países democráticos, entre eles os Estados Unidos. O I.C.C. escreveu, em setembro de 1935: “o velho movimento operário tenta se livrar do fascismo aderindo a ele”, e denunciou “os concorrentes do fascismo”. Depois, em dezembro: “De todos os contra-revolucionários efetivos e potenciais, os mais desprezíveis são, sem dúvida, os socialistas” [2]. A revista comenta assim as eleições de 1936, na França [3]: “Há derrotas que são vitórias, e vitórias onde se esconde a derrota... Na realidade, os operários franceses sofreram sua primeira derrota decisiva na luta contra o capital... Quem quiser lutar contra o fascismo deve, hoje, lutar contra Blum e a Frente Popular. Deve afirmar esta verdade: a “vitória” francesa é de fato o início de toda uma série de derrotas. Os operários estão no mau caminho; com Blum e Thorez, eles marcham em linha reta para o fascismo.” Mas a análise dos acontecimentos espanhóis, posteriores a julho de 1936, negligencia o que ocorreu em julho de 1936. Segundo o número de outubro de 1936 [4], o problema não é que as milícias sejam ou não integradas ao exército regular, mas – sobretudo – que restem milícias (e em que proporção) cuja atividade não se integra à defesa do Estado, como o faria um exército regular. Se os nacionalistas vencerem, os operários serão esmagados: “Mas mesmo sua derrota não pode mudar a situação, que é objetivamente madura para a revolução.” O número seguinte (novembro de 1936) reproduz um apelo da F.A.I., que pede armas. Preocupada com a democracia operária, a esquerda alemã deixa de lado algumas noções elementares sobre a natureza da revolução e privilegia a margem de autonomia que pode ainda restar aos proletários, apesar do enquadramento total das milícias pelo Estado, subestimando o enquadramento. Seu antibolchevismo sistemático e seu formalismo antipartido a confundem, a ponto de ver no anarquismo espanhol uma forma de organização que – apesar de seus defeitos – é útil para uma atividade proletária autêntica. Comparando, por outro lado, o P.O.U.M. aos bolcheviques (!), I.C.C. verá na CNT catalã “uma força revolucionária”: equívoco flagrante, tanto mais grave por ter sido essa avaliação afeita em abril de 1939, quando toda a informação disponível demonstrava o contrário. O preconceito antipartidário levou a esquerda alemã a abandonar uma de suas contribuições decisivas: a crítica dos sindicatos. Ora, o que era a CNT senão uma central sindical? Neste ponto, a I.C.C. está mais atrasada do que a União Comunista e a LCI belga. Mas, como esses grupos, I.C.C. vê rapidamente o reforçamento da contra-revolução, e escreve, em março de 1937: “Até o presente momento, o que ocorreu foi – mais por imposição da necessidade de ganhar a guerra – um controle da produção, e não uma verdadeira socialização... O socialismo ainda não está implantado em Espanha, e tampouco se desenvolve. Para fazê-lo, é necessário aprofundar a revolução; ora, o que se faz atualmente é contê-la.”. O I.C.C. publicou uma critica rigorosa do anarquismo, mas o autor do artigo viu o fracasso do anarquismo na concepção econômica do socialismo, não na questão do poder político [5]. H. Wagner se limita à “falsa” gestão operária e à “má” supressão da lei do valor pela coletivização anarquista: só a organização dos conselhos, diz Wagner, retomando a tese dos Princípios de Base... permite o cálculo do tempo de trabalho social necessário à produção dos bens. Como já expusemos, esta concepção tem o grande mérito fundamentar a exigência da destruição da economia e do valor mercantil, numa época em que a esquerda italiana, por exemplo, ignora o problema. Embora o faça baseada em noções que é necessário criticar [6]. Paradoxalmente, tal sistema revigora o que quer anular: o tempo de trabalho social médio nada mais é do que a substância do valor e a base do capital. Sua produção é o que regula a sociedade capitalista. A esquerda alemã desejaria substituir sua ação espontânea e anárquica por um cálculo consciente, afinal possível graças aos conselhos operários, únicos em sua capacidade de conhecer (exatamente e sem a intermediação da moeda) a quantidade de trabalho social médio materializado em cada produto. Sobretudo, essa tese revela uma concepção economicista da revolução, na qual se trataria antes de fundar as bases duma economia racional, planificada. Na época, nenhuma corrente da esquerda comunista sequer colocava o problema. A esquerda alemã nega a questão política, que Bilan põe no centro de sua análise e termina por privilegiar (cf. “Revolução Política e Social”). A crítica dos anarquistas por Wagner não acompanha qualquer análise dos eventos de julho de 1936. A questão do Estado é escamoteada. Se as transformações sociais são corretamente vistas pelo I.C.C. em sua diversidade, o poder político não é visto em sua unidade, e principalmente na sua existência concentrada sob a forma do Estado. Wagner se junta à posição anarquista quando assimila a revolução a uma emancipação geral desprovida de centro de gravidade (situando o único fator de unificação no nível econômico) – para “organizar seu poder contra a burguesia”, os operários devem “antes de tudo, liberar suas organizações de fábrica da influência dos partidos e dos sindicatos oficiais”. A questão do poder é compreendida na sua extensão a toda a sociedade, não como totalidade. K. Korsch analisa a guerra de Espanha na revista (agora denominada Living Marxism) em 1938 e 1939 [7]. Não somente não faz qualquer crítica de fundo à CNT-FAI, mas nem mesmo tira as conclusões do que ele mesmo havia mostrado: a burguesia jamais perdeu o poder do Estado, que apenas sofreu “um momentâneo eclipse”. Seu erro foi transpor para um período revolucionário de sua vida a mesma concepção da revolução como socialização progressiva, que ele havia defendido no seu período reformista. As medidas não são as mesmas, mas o mecanismo permanece: a revolução será uma tomada dos meios de produção pelos trabalhadores, a questão do poder não terá qualquer especificidade e se resolverá em todos os órgãos da vida social. O capital é concebido mais como modo de gestão do que como modo de produção, o comunismo mais como organização da produção do que como atividade. Mas a revolução só pode se manifestar como processo se for também ruptura, inclusive ao nível político. A esquerda italiana hipertrofia o político, a esquerda alemã o dissolve no econômico. Notas: [1] Cf. Authier, Barrot, La gauche communiste en Allemagne, anexos I e II, sobre a esquerda alemã e holandesa nos anos trinta. [2] « Portrait de la contre-révolution ». Composto de três revistas – International Council Correspondence, Living Marxism et New Essays (1934-1943) –, reimpresso por Greenwood Corp., Westport, Conn., U.S.A., 1970. Uma seleção (muito orientada para o aspecto anti-burocrático e anti-leninista) foi feita em La contre-révolution bureaucratique, U.G.E., 10/18, que cita em anexo os títulos dos principais artigos. Cf. também o texto de Mattick «De Marx à Hitler» (sobre Kautsky ), in Intégration capitaliste et rupture ouvrière, E. D. I., 1972. [3] «La défaite en France». [4] «La guerre civile en Espagne!» [5] «L’anarchisme et la révolution espagnole», no. de junho de 1937, in La contre révolution bureaucratique, op. cit., pp. 209-38. [6] Barrot, Contribution à la critique de l’idéologie ultra-gauche, in Communisme et « question russe », La Tète de Feuilles, S.E.F., 1972. [7] No de maio de 1938 e abril de 1939, reproduzido in Korsch, Marxisme et contre révolution, Seuil, 1974, pp. 242-51. Segundo o apresentador, S. Bricianer, Korsch recusou-se «as comodidades do fatalismo histórico e da negação sectária» ( p. 242 ). A leitura de Bilan permitirá julgar a exatidão dessa alusão à esquerda italiana. Esquerda Italiana? Bilan é uma das melhores expressões da esquerda italiana [1]. Mas falar de “esquerda italiana” é uma simplificação. Equivale na maioria dos comentaristas a uma deformação, idêntica à que na “esquerda alemã” encobria realidades complexas, na época em que o termo ainda designava um movimento social vivo e concepções tão diversas como as de Gorter, Rühle, Pannekoek. A “esquerda italiana“ é com freqüência subestimada, por trás da pessoa de Bordiga, na medida em que é – sobretudo na França – conhecida através de seu representante “oficial”, o Partido Comunista Internacional, que é antes de tudo “bordiguista”: partido de Bordiga. Le Reveil Communiste assinalava, em janeiro de 1929, que “os bordiguistas entram em contradição com Bordiga...”. Bordiga é só um aspecto, o mais rico e também o mais contraditório, por vezes o mais equivocado, da esquerda italiana. Os dois elementos mais profundos de Bordiga são: por um lado, o anti-educacionismo e o materialismo, que percorrem toda a sua obra, apesar de fortes tendências contrárias (culminando com a idealização do partido); por outro lado, sua visão do comunismo exposta a partir dos anos cinqüenta [2]. O movimento revolucionário que renasce, há alguns anos, se baseia no segundo aspecto de sua obra. Mas essa ´retomada´ teórica é também uma crítica dos erros de Bordiga que passa pelo conhecimento de outras correntes da esquerda italiana. O adjetivo ´italiana´ é empregado no sentido amplo: a emigração deu à esquerda italiana um caráter belga e francês. Muito cedo, alguns perceberam – de modo global, ainda que sumário – as insuficiências da esquerda italiana, mesmo sem a criticar (por exemplo, Le Reveil Communiste). Outros foram mais longe. Há um preâmbulo que resume sua história (tal como ela mesma a vê), até 1930. Sua evolução posterior é mais complexa [3], esperamos abordá-la numa coletânea sobre a esquerda comunista. Em todo caso, a primeira condição para compreender essa corrente é reconhecer sua heterogeneidade. Assim como os conselhistas dos anos cinqüenta e sessenta ignoravam e/ou escondiam seu passado e o movimento real, do qual tinham uma imagem longínqüa e frequentemente difusa, os atuais representantes oficiais da esquerda italiana, incapazes de conhecer sua origem e sua realidade sectária, dissimulam mais ou menos conscientemente seu passado, em particular a revista Bilan. Uma das razões essenciais dessa atitude diz respeito à questão espanhola. A análise da guerra de Espanha por Bilan questiona as teses leninistas sobre o imperialismo e a questão nacional, desenvolvidas por Bordiga. Notas: [1] Bilan era, inicialmente, o órgão da Fração de esquerda no P.C. d’l. (fundada em1927, em Pantin). Depois, da Fração Italiana da Esquerda Comunista, a partir de 1935. Cf. nota 2 sobre os textos. [2] Cf. seus textos sobre a questão agrária, publicados no Le Fil du Temps, e Bordiga et la passion du communisme, Spartacus, 1974. [3] Nós a resumimos aqui, esquematicamente. O grupo que publicava Bilan, animado por O. Perrone (pseudônimo Vercesi) só queria, depois de 1943, atuar teoricamente e criticava o ativismo do P.C. Internacionalista de Itália, fundado em 1943-1945 (cf. abaixo). Ele romperá mais tarde com o P.C.Internacionalista, em particular, sobre a questão colonial e nacional, negando o caráter “revolucionário” dos movimentos nacionais, o que está na ortodoxia de Bilan. Perrone morreu em 1957: cf. sua biografia em Programme Communiste, no 1 outubro-dezembro de 1957 (multicopiado). O P.C. Internacionalista da Itália (que se tornou, logo após, P.C. Internacional) tinha milhares de militantes até 1945, mas reunia tendências diversas. Logo que o P.C.I. oficial se tornou oposicionista, depois de 1947, o P.C. Internacionalista da Itália rapidamente se esvaziou. A heterogeneidade irrompeu no congresso de Florença, em 1948. Damen e outros fundadores do partido defendiam a intervenção mais ampla possível (inclusive, eleitoral). No início dos anos cinqüenta, Damen rompeu com o P.C. Internacional – o motivo era a questão nacional, pondo em causa a análise leninista – sobretudo, porque ele não aceitava concentrar-se na elaboração teórica. Sua posição sobre a Rússia, insistindo no capitalismo de Estado e burocrático, aproxima-o durante algum tempo de Socialisme ou Barbarie (cf. nota 82), cujo no. 12 publica um texto resumindo-lhe as opiniões. Damen funda um outro P.C.Internacionalista, que ainda existe e cujo órgão é Battaglia Comunista. A atitude de Bordiga é ambígua. Nos anos trinta, afastou-se da militância: preso, depois libertado e vigiado, provavelmente afetado pela ruptura com a I.C. e o P.C.I. oficial (que o expulsou como “trotskista”), ele vive na Itália e prepara sua atividade teórica para o pós-guerra. Depois de 1943, sem se iludir sobre a “reforma do partido” e, como Perrone, priorizando a teoria (sempre concebida como restauração doutrinal), ele participa (um tanto afastado) das atividades do P.C.Internacionalista, o qual utiliza para publicar seus textos, aceitando compromissos com os mais leninizantes e mesmo trotskizantes, apostando na virtude de uma continuidade organizacional. J. Camatte, a propósito disso, fala de um “entrismo luxemburguista” (Invariance, primeira série, no 9, pp. 138-53). Em 1948, Bordiga nem sequer estava filiado ao partido. Ele se manteve à margem até sua morte (1970), deixando o partido utilizar seu prestígio e sua capacidade teórica em troca da publicação de seus textos. A imagem do Bordiga sectário, divulgada entre os “marxistas”, não corresponde aos fatos. É importante ler muitos de seus textos (como os de 1965-1966 sobre o partido: cf. Défense de la continuité... Ed. P.C., 1974) e levar em conta os compromissos: 1) entre ele e os outros dirigentes do partido; 2) entre seu ultrapassamento teórico e sua fixação na época das segunda e terceira Internacionais. Na França, Internationalisme foi publicada a partir de 1945 pela Gauche Communiste de France, que pretendia ser a organização da esquerda comunista. Mas rompeu com o P.C. Internacional, que ela criticava por ter se contituído em partido, ser oportunista (eleições etc.), e aceitar elementos de passado duvidoso (cf. a participação de Perrone no comitê antifascista). A G.C.F. desenvolve as teses de Bilan sobre a questão nacional e lhes soma a posição de Rosa Luxemburgo. Também questiona a posição leninista sobre os sindicatos. Sua revista (40 números, de 1945 a 1950) é de alto nível, enquanto os que se tornaram então representantes oficiais da esquerda italiana na França (fração francesa da Esquerda Comunista: cf. abaixo) fazem principalmente agitação e vivem das glórias passadas. Ao contrario, Internationalisme opera uma espécie de síntese das esquerdas italiana e alemã, publicando a Histoire du mouvement des conseils en Allemagne de C. Meijer e Lénine Philosophe. Mas recusa-se a assimilar a revolução russa a uma revolução burguesa. Esse grupo é hoje a Corrente Comunista Internacional, representada na França pela Révolution Internationale. Ele afirma tirar o melhor de Bilan, acusando o P.C. Internacional de regressão frente à esquerda comunista de antes, o que é verdade. Mas é verdade também que a C.C.I. está longe de se comparar com Internationalisme. E desconsidera o anti-educacionismo de Bordiga e sua contribuição depois de 1950 (visão do comunismo como um movimento social e não um programa; concepção do proletariado que ultrapassa a noção sociológica dos “operários”; ênfase da dimensão classista e comunitária ou humana da revolução). A justa crítica da C.C.I. à relação de “alma” e “corpo”, estabelecida por Bordiga e o P.C. Internacional, entre o partido e a classe, não a impede de exagerar o papel da consciência (os operários são mistificados etc.). A C.C.I. usa as oscilações de Invariance como justificativa para não pôr as questões da revolução comunista. E quando alguém as põe, recorre à grosseria, à desqualificação, à injúria, ao amálgama mais caricatural. É um bom exemplo de seita. Uma parte da fração francesa da Esquerda Comunista, que depois da ruptura de Internationalisme se tornara “seção” francesa da esquerda italiana, juntou-se a Socialisme ou Barbárie, na mesma época em que Damen rompeu com Bordiga. Vega (cf. nota 82) era um deles. Quando Socialisme ou Barbárie rejeita abertamente o marxismo, uma parte do grupo rompe e, sob o nome de Pouvoir Ouvrier, será animado por Vega. Mas esses ex-bordiguistas nada somaram de bordiguista a SouB, que pretendia nada dever – nem à esquerda alemã, nem à esquerda italiana, nem a ninguém. São inúmeros os que, como Vega, tendo passado pela esquerda italiana, nela viram somente um ultraleninismo. Apesar de uma cisão leninista – que produziu um terceiro P.C.I. (Rivoluzione Comunista) em 1964, ainda existente – o P.C.I. acentuaria seu ativismo, notadamente com uma tentativa de “trabalho sindical”. Sua revista (Programme Communiste) e seu bimensal (Le Prolétaire) denunciam o “oportunismo” do P.C.F. e a “capitulação” da U.R.S.S. diante dos E.U.A., enaltecendo as “revoluções” coloniais, e convocando as massas proletárias a cerrar fileiras em torno do seu estado-maior. Em grande parte, reagindo a esse despropósito, J. Camatte e R. Dangeville abandonam o P.C.I., em 1966. Eles tinham escrito juntos o que seria o no 1 de Invariance: «Origine et fonction de la forme parti». Queriam continuar a obra de Bordiga, “traída” pelo P.C.I., mas rapidamente se separam. Então, R. Dangeville publica Le Fil du Temps, numa tradição bordiguista ortodoxa, sem os traços visionários de Bordiga e a agitação inútil do P.C.I. Invariance, nos números 7, 8 e 9 da primeira série, faz uma síntese das esquerdas alemã e italiana. Mas sua origem idealista a impele numa fuga para adiante que eclode na segunda e na terceira séries. Sobre essas questões, além das revistas citadas – das quais o Instituto Internacional de História de Amsterdam possui coleções quase completas –, cf. a biografia de Bordiga em Bordiga et la passion du communisme, Spartacus, 1974; Invariance antiga série no 6, pp. 18, 30-5, e no 9, pp. 138-53; R.I., Bulletin d’Etude et de Discussion, nos 6 e 7; o no de Internationalisme sobre a greve da Renault, em 1947, reimpresso em La Vieille Taupe, 1972. Cf. também a nota 122 sobre a cisão escandinava de 1971. Trata-se, é verdade, quase sempre de pequenos grupos. Deixemos a ironia fácil sobre os ´grupúsculos´ para aqueles que buscam um poder e uma camarilha ou aos que acreditam que o mundo começou em 1968. Muitos textos de Bilan já foram publicados. «Vers l’Internationale 2 et ¾» (crítica de Trotsky, no no 1 em 1933) pelo Bulletin d’Etude et de Discussion, no 6; os artigos resumindo Les Principes de base... (nos 19, 20 e 21) pelos Cahiers du Communisme de Conseil no 11; «La Chine soviétique» (no 7), em Le Tigre de Papier; o manifesto lançado pela Gauche Communiste, Après mai 1937, em Invariance, antiga série no 7. Alguns extratos sobre o 6 de fevereiro de 1934, reproduzidos em La légende de la gauche au pouvoir. Diferentes textos sobre a guerra de Espanha apareceram na Revue Théorique do C.C.I. ( nos 2, l2, 13, 14, 33 ...). Sobre o fascismo, cf. também Communisme et fascisme, Ed. P.C., coletânea de textos do início dos anos 1920; e as «Thèses de 1945», em Invariance, antiga série no 9. Esses textos devem ser lidos paralelamente à obra de um não-revolucionário, bom observador da função do Estado na sociedade moderna: B. de Jouvenel - Du pouvoir, Histoire naturelle de sa croissance, C. Bourquin, 1947. QUESTÃO NACIONAL Para Bordiga, a fase de constituição dos Estados nacionais estava concluída, desde 1871, na Europa ocidental. Mas o nascimento de estados nacionais em outras “áreas” seria progressista – ou seja, favorável à luta do proletariado –, porque abalaria o imperialismo e desenvolveria as forças produtivas, portanto, a luta de classes. Ora, a propósito de Espanha, Bilan partia da noção de um período novo, aberto em 1914-1918: a decadência do capitalismo. Não desempenhando mais um papel progressista, o capitalismo tampouco desenvolverá as forças produtivas sem provocar crises e guerras. A formação de novos estados apenas fragmentaria o proletariado mundial em blocos nacionais, atrelados à sua própria burguesia. O número 7 de Bilan publica um texto de Bordiga sobre a questão nacional e não ataca Lênin no estilo de Rosa Luxemburgo, mas considera superada a tese leninista adotada pela Terceira Internacional e mantém suas reservas, até mesmo diante de Marx. Citemos, apenas, um extrato do Problème des Minorités Nationales, publicado no número 14 (dezembro-janeiro de 1934): “O período de desenvolvimento do capitalismo, no fim do século XIX, evidenciou a impossibilidade de resolver os conflitos nacionais, e mais particularmente o direito de autodeterminação dos povos, senão pela revolução proletária ou pela guerra imperialista. Até a guerra de 1914, assistimos (mesmo nos países coloniais) a uma expansão da luta de classes entre exploradores e explorados, e o problema nacional aparecia unicamente como arma da burguesia colonial para frear a luta do proletariado dirigida contra ela, bem como para melhorar sua situação particular frente ao capitalismo opressor. No período imperialista (considerado segundo o desenvolvimento mundial e englobando também os países atrasados que não podem ser excluídos dessa época histórica), o dilema geral de todas as situações é, como se sabe, guerra ou revolução proletária. Portanto, não existe nenhum outro desdobramento para as situações históricas que podem se apresentar: a acuidade atingida pela luta de classes, por um lado, e o desenvolvimento das forças produtivas, por outro lado, suprimem toda perspectiva de ‘solução intermediária’. O problema nacional, posto nestas condições, limitado por esse período, não pode mais utilizar argumentos que tiveram uma certa importância em 1848.” Bilan não faz qualquer diferença entre as áreas euro-norte-americana e as outras, em particular aquelas que Bordiga denominava dos ‘povos não-brancos’ [1]. Um dos pontos salientados por Bilan é a integração necessária dos movimentos nacionais na órbita dos grandes conflitos imperialistas (Etiópia, China etc.). Bordiga retomará esse argumento. Pode-se, dizia ele, apoiar os movimentos de libertação nacional, mesmo se eles caem num campo ou noutro. Aliás, o derrotismo revolucionário de 1914 implicava um risco desse tipo: atuando pela derrota de seu país, cada revolucionário reforça o Estado inimigo. Ora, o derrotismo revolucionário é mais do que uma posição – obrigando também a repensar o uso de tal palavra-de-ordem, em 1936, na Espanha (cf. o § “A Liga dos Comunistas Internacionalistas”) [2]. A esquerda de Zimmerwald concebia o derrotismo revolucionário como um meio de acelerar a transformação da guerra imperialista em guerra civil. Efetivamente, o comando e as condições da guerra, em 1916-17, exigiam uma retomada das lutas de classes. Para Lênin, se uma minoria mesmo ínfima afirmasse essa posição, não seria ‘ por princípio’ ou para ‘salvar a honra’, mas como tarefa e preparando o futuro, a fim de que, na reemergência radical, essa atitude servisse para clarificar e polarizar as posições. Isso não poderia ocorrer na ausência de um movimento no resto do mundo, como na Etiópia de 1936 ou no Vietnam de 1975. O contexto internacional era diferente. As metrópoles que fizeram a guerra de 1914-1918 dominavam o mundo. No Vietnam, norte e sul não faziam ´sua´ guerra, mas a de dois blocos imperialistas, ainda que a estrutura social interna do país em questão servisse como detonador. O proletariado vietnamita era muito frágil. Em 1914, o proletariado europeu havia sido derrotado sem ser anulado. Os proletários etíopes de 1936 e vietnamitas de 1975 não lutavam somente contra a sua burguesia, mas contra o capital mundial. A comparação com 1914 é impossível. Bilan insiste longamente no papel contra-revolucionário dos conflitos nacionais, onde o P.C. Internacionalista atual, mais ou menos bordiguista, vê ´barris de pólvora´prontos para explodir sobre as metrópoles imperialistas. Bilan publicou artigos econômicos tentando intermediar as teorias de Lênin e as de Rosa Luxemburgo. Aproximava-se, nessas questões, da posição da ‘esquerda alemã’ que, como Luxemburgo, via nos movimentos de autodeterminação nacional obstáculos à luta do proletariado. Seria absurdo rotular de ‘esquerda alemã’ a atividade dessa corrente da esquerda italiana naquela época, mas ela tentou ultrapassar os limites leninistas nos quais o P.C. da Itália e mais tarde a ‘esquerda italiana’ se viram encerrados. Reconhecendo as divergências com a esquerda alemã, não a lançava no ‘pântano’ anarco-sindicalista e acolhia alguns de seus textos, entre os quais o já citado resumo dos Princípios de Base... e um sobre Gorter. É compreensível, pois, porque o atual P.C. Internacionalista tenta minimizar Bilan como uma ‘pequena publicação de emigrados italianos’ [2 bis]. Acrescentemos, porém, que sua análise da guerra de Espanha falsificava indiretamente as perspectivas do grupo que publicava Bilan. Constatando que o capital utiliza as lutas operárias, canalizando-as para os conflitos entre capitalistas, deduz que as futuras guerras imperialistas surgirão, como a de Espanha, da recuperação das ofensivas proletárias parciais, subestimando as contradições propriamente econômicas que estão na origem dos conflitos imperialistas. Esta tese, subjacente e às vezes exposta em Bilan e Octobre, é desenvolvida a ponto de se tornar o essencial. Depois de 1938, exagerando na sua interpretação da guerra de Espanha, esse grupo (que desempenhava então um papel teórico e organizador chave, no pequeno movimento da esquerda italiana) concebeu uma teoria da ´economia de guerra´, segundo a qual as rivalidades entre países capitalistas tendiam a ser reduzidas, e não esperava uma guerra que não fosse de acontecimentos comparáveis aos de Espanha. Como geralmente acontece, uma grande lucidez frente às possibilidades de ação do capital conduz, se perdermos de vista a totalidade, a esquecer ou negar certas contradições essenciais (cf. REFORMA E REVOLUÇÃO). Esta posição não facilitou aos seus protagonistas a preparação da esquerda italiana para enfrentar o choque da guerra. Na qual, aliás, tiveram e só poderiam ter um ínfimo papel de clarificação teórica, quase que para uso interno. Notas [1] Cf. o texto da reunião de Florença, janeiro de 1958, publicado em italiano, La Vecchia Talpa, Nápoles, 1973. [2] Cf. as observações de Korsch sobre a guerra de 1939-1945, op. cit. [2 bis] Apresentação do Princípio Democrático, de Bordiga, reimpresso em Ed., P.C., 1971, p. 4. REVOLUÇÃO POLÍTICA E SOCIAL Bilan tem razão quando insiste ser necessário para a revolução destruir o aparelho de Estado burguês, e deduz que não há revolução se o proletariado não age neste sentido. É verdade também que as medidas de transformação econômico-sociais são inúteis sem a destruição do Estado. Porém, essa corrente concebe a revolução de modo político. Não consegue entendê-la como movimento social no qual a destruição do Estado e a construção de uma nova estrutura de decisão avançam juntamente com a comunização da vida econômica e social[1]. Concebe esses dois aspectos como momentos sucessivos: sua interação lhe escapa. Ela inverte a posição reformista, centrista ou anarquista, sem mudar de problemática. Contra a tese que põe em destaque a socialização da economia, ela privilegia a questão do poder: a revolução será política, antes; depois, econômica. A revolução comunista deve afirmar um poder capaz de se impor, combater a burguesia e unificar o movimento revolucionário. Portanto, não foi por ter feito uma guerra de front que o movimento revolucionário espanhol sofreu uma derrota. Já estava derrotado quando se deixou arrastar para a guerra de front que apressou sua morte. Mas o ´poder revolucionário´ seria uma forma vazia se não transformasse, ao mesmo tempo, a natureza da sociedade. E não poderia existir senão como instrumento dessa transformação. Se a revolução deve ser inicialmente política e depois social, ela criará um poder sem outra função que lutar contra a burguesia, função negativa e somente repressiva. Uma revolução comunista (mundial), que se estende por uma geração, durante esse tempo continuará pagando salários e fabricando mercadorias? Considerar a tomada do poder como pré-condição é fetichizar o poder e esquecer que o Estado é também resultante da sociedade. É teorizar, com a instauração de um sistema de organização e controle pretensamente comunista, sua ´vontade´ de realizar o comunismo quando for suficientemente forte. Ao contrário, se a revolução é, simultaneamente, um processo econômico e político, como dizia o K.A.P.D., a comunização das relações sociais de produção impede qualquer grupo particular de se instituir como novo poder sobre a sociedade. A manutenção, mesmo provisória, da economia mercantil e capitalista, favoreceria o nascimento de uma camada de especialistas do poder, utilizando a ideologia revolucionária para se dar legitimidade. Sua única razão de ser residiria em sua alegada fé comunista. É próprio da política nada poder (nem querer) mudar na natureza da sociedade; ela reúne o que está separado, sem ir além. O poder está lá, ele administra, controla, garante, reprime, isso é tudo [1 bis]. A dominação política (na qual a ideologia anarquista de ontem e de hoje vê o problema essencial) repousa sobre a incapacidade dos proletários para organizar e gerir suas vidas e suas atividades. Ela se apóia na despossessão radical que caracteriza o proletário. Quando todos e cada um participarem na produção de suas existências, os meios de repressão e opressão do Estado se tornarão inoperantes. Porque o salário nos priva dos meios de viver, produzir, comunicar e até de nossas emoções (mass-media etc.) é que o Estado é todo poderoso. Conceber a destruição do Estado como uma luta contra a polícia e as forças armadas é tomar a parte pelo todo. O comunismo é antes de tudo uma atividade. Um sistema no qual os homens produzem sua própria existência social anula todo poder separado. Numa futura revolução comunista, a reação se agrupará como de hábito em torno de palavras-de-ordem como ´organização´ e ´poder democrático´ para melhor paralisar o movimento. Os revolucionários afirmarão a necessidade (entre outras) de medidas comunistas concretas. A comunização é necessária para o triunfo da revolução. O Estado capitalista não pode ser destruído por uma ação exercida somente contra as suas estruturas, esta ação tem tudo para fracassar. O proletariado vencerá se assumir a função social contra o capital, utilizando também a economia como arma, dissolvendo as relações econômicas capitalistas, destruindo as bases sociais do inimigo. A extensão geográfica do movimento será tanto um processo social, quanto econômico e “militar”. Tarefas positivas e negativas se condicionarão mutuamente. “Não é verdade que o movimento social exclui o movimento político. Nunca houve movimento político que não fosse, ao mesmo tempo, social” [1 ter]. A guerra de Espanha freou a clarificação no interior de grupos como a União Comunista e a L.C.I. belga. Mas a fixação sobre a questão política, acentuada pela guerra espanhola, bloqueou também o desenvolvimento teórico da esquerda italiana, que permanecerá essencialmente atrelada à concepção ´sucessiva´ da revolução (política depois econômica). Por essa razão, a compreensão da involução russa se torna difícil para a esquerda italiana e os grupos que nela se baseiam, como Internationalisme depois de 1945 (cf. «A Liga dos Comunistas Internacionalistas»). Após outubro de 1917, a Rússia oferece um ótimo exemplo da degeneração do poder na ausência de revolução social. Não é possível, aqui, estudar porque a comunização da Rússia era impossível. Em todo caso, o isolamento internacional e o atraso econômico não explicam tudo – a menos que esqueçamos a perspectiva traçada por Marx (e talvez aplicável depois de 1917, noutro contexto) de renascimento, sob uma nova forma, das estruturas agrárias comunitárias ainda não absorvidas pelo capital [1 quart]. Seja como for, o poder bolchevique é a melhor ilustração do que acontece com um poder que é apenas poder. Com alguma boa-fé e muito logicamente, o Estado bolchevique deveria se manter, a qualquer preço (na perspectiva da revolução mundial, primeiro; por e para si mesmo, depois), e não havia outro recurso senão a coerção. Bem entendido, os aspectos burgueses da teoria e da prática bolcheviques tiveram seu papel, mas não foi determinante, comparado à situação objetiva desse Estado ´obrigado a permanecer´ sem mudar grande coisa nas condições de vida reais. Rapidamente, o problema número 1 se tornou a necessidade de continuar no poder, de preservar bem ou mal a unidade numa sociedade que se fragmentava. Daí, por um lado, as concessões à pequena propriedade camponesa (que afastavam ainda mais do comunismo), seguidas de requisições forçadas. E, por outro lado, a repressão anti-operária e anti-oposição política no partido e fora dele. Hennaut apontou os limites da experiência russa. Bilan reinvindica sem cessar o exemplo ´vitorioso´de outubro de 1917 (oposto ao fracasso de julho de 1936). Ambos têm razão. Sob um ponto de vista puramente negativo, Bilan vê corretamente o que não aconteceu na Espanha. Sob um ponto de vista positivo, dos caracteres de uma evolução comunista futura, Bilan, assim como Hennaud, se engana. Bilan opõe o objetivo ao movimento. Eles não superam o dilema leninismo-antileninismo. Isto conduz a que grupos como Révolution Internationale saibam o que a revolução deve destruir, mas não o que ela deve fazer para destruí-lo. A verdadeira crítica é aquela que considera o movimento proletário em função do comunismo, não mais concebido como ´programa´, mas como ruptura e processo. Nada é, pois, menos surpreendente do que os redatores de Bilan passarem ao largo desse ponto central. Os movimentos revolucionários posteriores a 1917 jamais alcançaram o estágio prático que obrigasse os comunistas a integrar esse aspecto em sua visão teórica. As discussões da época giravam, quase todas, em torno de problemas de organização, subestimando o conteúdo comunista da revolução. Quando a esquerda alemã examinava o comunismo, era apenas para imaginar uma outra organização da produção. A capacidade proletária de auto-organização e até mesmo de mudança imediata é indispensável para a revolução. Marx escreveu, a propósito da Espanha, que toda revolução supõe um certo grau de ´anarquia´(iniciativas em todos os domínios). Mas que ela fracassa sem sua dimensão mediata (problema do poder). Notas [1] Barrot, Le mouvement communiste, Champ Libre, 1972, 2e parte. E o artigo sobre o Estado, no no. 2 de La Guerre Sociale, 1978. [1 bis] «De la politique», Le Mouvement Communiste, no 5, outubro de 1973. [1 ter] Misère de la philosophie, in Oeuvres, Gallimard, t. 1, 1963, p. 136. [1 quart] Invariance, 2e série, no. 4. FORÇA E FRAQUEZA DO COMUNISMO NA ESPANHA Obcecada pela questão do Estado – que um artigo de Octobre encara de modo muito diferente, sobretudo a propósito da Rússia e de Kronstadt [1] –, a esquerda italiana não tenta explicar a amplitude das ´socializações´ industriais e agrícolas, onde Bilan tende a ver apenas um esmagamento dos proletários (o que é verdadeiro), e não a aparição de um movimento social que, noutras condições, poderia ter um efeito revolucionário. É, pois, importante não só indicar as condições (específicas a cada tipo de desenvolvimento capitalista) das transformações sociais a fazer, mas rechaçar as falsas soluções. Denunciar a contra-revolução sem anunciar as medidas positivas e seu enraizamento em cada situação é agir de modo puramente negativo. O partido (ou a ´fração´) não é um bisturi. Marx assinalou a tradição espanhola de autonomia popular, e a separação entre o povo e o Estado, que eclodiu durante a guerra napoleônica e nas revoluções do século XIX. A monarquia absoluta não misturou as camadas sociais para engendrar um Estado moderno. Em contrapartida, há uma energia surgida das forças vivas do país. Napoleão pôde ver "na Espanha, um corpo sem vida. Mas se o Estado espanhol estava bem morto, a sociedade espanhola estava cheia de vida" [2]. A crise da sociedade espanhola, nos anos trinta – forma explosiva da crise do capital num país economicamente frágil – toma o aspecto de uma crise do Estado (o fascismo triunfou nos países em que a estrutura nacional era fraca, a unificação recente e as tendências separatistas muito fortes). Marx observa que, na Espanha "o que chamamos de Estado no sentido moderno do termo não se materializa verdadeiramente a não ser no exército, em consequência da vida exclusivamente provinciana do povo" [3]. No século XX, essa crise do Estado faria emergir um movimento social à margem do poder político. Mas o Estado recuperava a potencialidade comunista do movimento social, porque este o deixava sobreviver. Os primeiros meses após julho de 1936 deram a impressão de uma fragmentação da sociedade espanhola: cada região, comuna, empresa, coletividade, municipalidade escapa ao Estado sem o atacar e tenta viver de outro modo. O anarquismo – e mesmo o P.O.U.M. regionalista – exprime no movimento operário essa originalidade espanhola, que é ignorada quando se vê apenas o ´atraso´ do desenvolvimento industrial. A guerra de Espanha demonstra o vigor revolucionário dos laços e formas comunitárias ainda livres do capital, e sua total incapacidade para assegurar por si mesmos uma revolução. Na falta de uma ofensiva contra o Estado e da instauração de relações diferentes no conjunto da sociedade, estavam condenados a uma autogestão parcelar mantendo o conteúdo e mesmo as formas do capitalismo (divisão entre empresas, por exemplo). Medidas comunistas teriam solapado as bases dos dois Estados (republicano e nacionalista), começando pela solução da questão agrária: nos anos trinta, "mais da metade da população estava ... cronicamente subnutrida" [4]. Uma força subversiva sacudiu e mobilizou as camadas mais oprimidas e distantes da ´vida política´, mas não pôde ir radicalmente até o fim. O movimento operário dos grandes países industriais correspondia, então, às vastas zonas colonizadas pelo capital, que dominava realmente a sociedade, onde o comunismo estava mais perto pelo desenvolvimento econômico e mais longe pela dissolução de todas as relações humanas em relações mercantis. As aspirações comunistas que nele emergiram (Alemanha, 1918-1921), tentaram unificar as ´regiões industriais´ [5], ainda que estas não houvessem alcançado o estágio em que o comunismo poderia ser assumido como uma tarefa possível. O movimento operário de países como Espanha permanecia tributário duma penetração mais quantitativa do que qualitativa do capital na sociedade, e extraía sua força de sua fraqueza. O autonomismo anarquista correspondia a uma situação de repressão e de penúria material, os trabalhadores eram quase sempre muito pobres para pagar as cotizações regulares. A C.N.T. jamais teve um aparato como as outras centrais sindicais: em 1936, apenas um secretário era remunerado [6], o que não impediu o burocratismo. Mais radicalmente, o anarquismo espanhol renovava um ideal moral e religioso (realizar o paraíso na terra), procurando ´recriar as antigas condições agrárias´ [7]. "Nos últimos cem anos, não houve em Andaluzia uma só insurreição que não levasse à fundação de comunas, à partilha de terras, à abolição da moeda e a uma declaração de independência... o anarquismo dos operários não é muito diferente. Estes querem, em primeiro lugar, gerir diretamente sua comunidade industrial ou seu sindicato; depois, a redução das horas de trabalho e uma diminuição do esforço de cada um" [8]. O anarquismo é, por um lado, a expressão adulterada (porque teoriza um aspecto, tomando-o pelo todo) de um movimento revolucionário parcial; de outro, uma resposta ao desenvolvimento político necessário do capital espanhol. Resposta impossível, porque a falta de dinamismo faz do federalismo uma arma separatista para as regiões periféricas mais modernas, e porque a combatividade proletária exclui toda ´participação´ dos operários em sua exploração. O Estado espanhol não conseguiu desenvolver a indústria, nem extrair da agricultura os lucros necessários, nem derrotar os operários, nem unir as regiões. O julgamento de Marx – segundo o qual um governo ´despótico´ coexistiria com uma falta de unidade, acarretando moedas e regimes fiscais diferentes (1854) [9] – permanecia válido em parte, nos anos trinta. Ora, antes de ser um instrumento do desenvolvimento das forças produtivas capitalistas, o Estado é o garantidor da unidade social capitalista, mesmo ao preço de uma relativa estagnação econômica. Ele não é movido por uma fatalidade capitalista que o condene à industrialização. O equilíbrio entre as classes domina sua ação. A força da análise de Bilan consiste, entre outras coisas, em dar importância à relação real das classes e não ao princípio abstrato do ´desenvolvimento do capital´, concebido como uma necessidade cega. O movimento operário espanhol reformista (C.N.T. incluída) propunha uma associação capital-trabalho, na linha dos movimentos anteriores. Porém, mais próxima das realidades coletivas, a C.N.T. a concebia de forma descentralizada. Um historiador preocupado com a solução da crise do Estado espanhol interpreta julho de 1936 (do qual ignora a potência revolucionária) como "um novo impulso renovador das massas" [10]. Uma modificação social (em particular, econômica) decorrente da mudança política de 1931. Brenan, que privilegia o enfoque do movimento social, considera: "Pode-se dizer que foi a fase soviética (conselhista) da revolução espanhola. E, no entanto, penso que seria errado avaliá-la como um fenômeno puramente revolucionário, no sentido que se dá habitualmente ao termo. Inúmeras vezes no curso de sua história, o povo espanhol derrubou governos débeis e tímidos, tomando em suas mãos a direção do país. Era, pois, natural ver renascerem as juntas de 1808, sob a forma de comitês de trabalhadores, de julho a outubro de 1936" [11]. A potência das aspirações revolucionárias bloqueia o programa de ´renovação´ do capital. Mas sua confusão abre o caminho para o ´fascismo´, que opera uma ´renovação autoritária´, por cima, vertical. Um dos sinais da fraqueza das socializações foi sua atitude diante da moeda [12]. O ´desaparecimento da moeda´ só tem sentido se é mais do que a substituição de um instrumento ruim por outro melhor (por exemplo, os bônus de trabalho). Segundo um projeto de operários e engenheiros da C.N.T. do setor têxtil, em fins de 1936: "O sistema monetário é um sistema de medida e de comparação do valor das coisas, exatamente como o sistema métrico é um sistema de medida e de comparação das coisas" [13]. Socialisme ou Barbarie reduzirá, assim, a relação mercantil a um instrumento de contabilidade e a análise marxista do valor a um simples conceito operatório, esquecendo que a moeda é uma abstração de uma relação real. Faz, assim, do socialismo uma outra gestão [14]. A revolução comunista não fará desaparecer a moeda senão abolindo a troca como relação social. O fracasso das tentativas antimercantis não se deveu ao domínio da U.G.T. (hostil ás coletivizações) sobre os bancos: como se a abolição do dinheiro fosse apenas uma medida do poder central! O fechamento dos bancos privados e do Banco Central só é revolucionário num movimento de conjunto onde se organizem a produção e a vida não-mercantis que rapidamente impregnarão todas as relações sociais. De fato, apenas as coletividades agrícolas abandonaram o dinheiro, mas frequentemente recorrendo às moedas locais [15]. Mesmo os bônus serviam de ´moeda interna´ [16]. O comunismo é o fim de toda remuneração [17], o que não significa o fim de todo cálculo [18]. As proposições comunistas surgem como o reequilíbrio cidade-campo: "reduzir a Barcelona infecta e outras grandes cidades às proporções mais acessíveis, sem congestão nem pletora" [19]. Mas o capital também pode tomar tais medidas, como no Camboja, em 1975. Num plano geral, a experiência espanhola faz parte de um conjunto em que a atividade autônoma dos trabalhadores é recuperada pelo capital a partir do momento em que ela não consegue ir além do capital. Notas [1] No. 2. [2] Marx, Oeuvres politiques, op. cit., pp. 125-6. [3] Citado por M. Laffranque, « Marx et l’Espagne ». Cahiers de l’I.S.E.A., Série S, no. 15, pp. 2405-20. [4] G. Brenan, Le labyrinthe espagnol, Ruedo Iberico. 1962, XIII. Brenan confirma a insistência de Bilan sobre o papel da irrigação, salientando a coincidência entre zonas de pequena propriedade e irrigadas (norte, centro), e zonas de grande propriedade e secas e áridas (sul) – pp. 69-70. [5] Authier, Barrot, La gauche communiste en Allemagne, cap. XI. [6] G. Brenan, Le labyrinthe espagnol, Ruedo Iberico. 1962, p. 107. [7] G. Brenan, Le labyrinthe espagnol, Ruedo Iberico. 1962, p. 136. Ele compara esse movimento a certas heresias, que pretendiam aplicar literalmente as passagens do Evangelho favoráveis aos pobres e ao amor universal. [8] G. Brenan, Le labyrinthe espagnol, Ruedo Iberico. 1962, p. 141. [9] Marx, op. cit., p. 125. [10] Rama, op. cit., p. 210. [11] G. Brenan, Le labyrinthe espagnol, Ruedo Iberico. 1962, p. 122. [12] Mintz, L’autogestion dans l’Espagne révolutionnaire, Bélibaste, 1970, pp. 76 sq. [13] Mintz, L’autogestion dans l’Espagne révolutionnaire, Bélibaste, 1970, pp. 151-4. [14] Chaulieu, «Sur la dynamique du capitalisme». Socialisme ou Barbarie, no. 12, agosto-setembro de 1953. reproduzido em Castoriadis, U.G.E., 10/18. [15] Mintz, L’autogestion dans l’Espagne révolutionnaire, Bélibaste, 1970, pp. 139-40. [16] Semprun-Maura, op. cit., p. 134. [17] Barrot, Le mouvement communiste, 2a parte. [18] Un monde sans argent: le communisme, O.J.T.R., 1975-1976 (3 vol.). Texto essencial. E «Communisme et mesure par le temps de travail», La Guerre Sociale, no. 1, 1977. [19] Mintz, L’autogestion dans l’Espagne révolutionnaire, Bélibaste, 1970, p. 139. REFORMA E REVOLUÇÃO Outro estigma do período após 1917, em Bilan: a esquerda italiana atribui uma grande importância ao sindicato como lugar de luta e de reagrupamento dos operários. Ora, trata-se menos dos sindicatos eles mesmos do que da natureza das lutas conduzidas pelos operários. Segundo a esquerda italiana, posto que as reinvidicações, ainda que elementares, implicam uma oposição entre burguesia e proletariado, é apenas sobre esse terreno que a luta de classes poderá renascer e desenvolver, com a ajuda das minorias comunistas, os órgãos de luta do proletariado enquanto tal. A posição de Bilan e de Octobre enfatiza as lutas imediatas a fim de que a oposição proletariado-burguesia seja tão acentuada quanto possível, uma vez que toda ação propriamente política de envergadura está excluída. As ações de massa são inevitavelmente canalizadas pela Frente Popular. Ao contrário, "as batalhas reivindicativas" fazem surgir um "contraste orgânico, porque então se torna impossível suprimir o antagonismo entre o agente do inimigo e as reivindicações de classe dos operários, implantadas no antagonismo superior que opõe, no terreno econômico, proletariado e burguesia" [1]. Mas essa concepção encontra objeções. A primeira é a mais simples, porque concerne ao sindicato. A esquerda italiana, por não ter sido capaz de efetuar a crítica teórica e prática feita pela esquerda alemã, ignora a natureza contra-revolucionária do sindicato. Mas esta questão introduz outra, mais profunda. O argumento que justifica o caráter ´operário´ (e potencialmente revolucionário) do sindicato parte da idéia de que a organização sindical, qualquer que seja sua integração ao capital e ao Estado, estaria implantada nos movimentos elementares dos proletários. O que não se aplicaria aos partidos políticos (socialistas, stalinistas etc.) Assim, o terreno econômico permaneceria aquele em que o compromisso capital-operários será sempre precário e até mesmo questionado, porque nele se trata dos interesses vitais dos trabalhadores. Há, na esquerda italiana e em Bordiga, um formalismo operário e mesmo um economicismo, aos quais se superpõe uma idealização do partido. É próprio dessa visão – herdada da segunda internacional e retomada pela terceira – não superar a antinomia econômico/político. A um a priori econômico das lutas reivindicativas, que não poderiam senão impulsionar os proletários a atacar firmemente a sociedade capitalista, junta-se um partido formado graças à manutenção dos ´princípios´ que permitiria ao movimento operário elementar passar a um nível superior (político) tomando a direção de seus órgãos econômicos e orientando-os no sentido revolucionário.Teorizada ao extremo em certos textos de Bordiga e do P.C.I. atual, esta posição está mais ou menos presente em Bilan. A esquerda italiana da época entrevia os limites das lutas econômicas: "Uma coisa importante! Vossas lutas reivindicativas podem ser extraídas do clima social que as envolve. Ou seja, para adquirir uma função de classe, elas devem se conectar à luta contra a guerra… e também contra os mecanismos de guerra que o capitalismo hoje vos convoca a apoiar para melhor vos esmagar, amanhã. Se não agirdes como classe, a `Nação unificada´ vos arrastará para a guerra e cessareis de ser a classe proletária" [2]. Não basta provar que, na fase de dominação total do capital, toda organização permanente de defesa do salário está condenada a se tornar um instrumento de defesa do regime salarial. O problema não está tanto ao nível das organizações reformistas: é a atividade reformista dos próprios assalariados que os submete ao capital. Portanto, a experiência imediata é sempre a condição necessária, mas não suficiente, da ruptura e da luta contra o capital, e não somente contra os seus efeitos. As organizações políticas que teorizam as reações imediatas, vendo nelas o objetivo ou o conteúdo do movimento comunista, antes contribuem para fixar os proletários nesse nível. O que não impede que a experiência proletária se enraíze sempre nos conflitos imediatos. O primeiro ato com potencialidade revolucionária (isto é, que prepara a revolução) consiste em atacar o que se tem pela frente. O que é determinante para uma revolução comunista futura (hoje, como nos anos trinta) é a capacidade dos proletários de lutar contra suas condições de vida e trabalho, mas não se fixar nesse estágio. A dificuldade de tal processo é evidente, mas trata-se de uma contradição real, histórica, imposta pelas situações respectivas do capital e do proletariado, desde 1914. Essa contradição engendra uma verdadeira crise do proletariado, refletida entre outras pela crise de alguns agrupamentos revolucionários. Só uma revolução comunista poderá superar praticamente essa contradição. Ou, continuando nela aprisionada, fracassará. A esquerda alemã, em particular Gorter desde 1923 [2 bis], tinha visto que o movimento comunista havia sido derrotado pela ação dos operários reformistas. Nisso, a esquerda alemã era paradoxalmente menos ´obreirista´ do que a esquerda italiana. A maior parte dos grupos revolucionários dissimula hoje essa realidade, explicando-a pelo ´enquadramento´ e a ´mistificação´ dos operários nos sindicatos e partidos. Mas de onde os partidos e sindicatos tiram sua força e sua solidez? Em sentido contrário, alguns elementos saídos da esquerda italiana nos últimos anos foram tão seduzidos por essa realidade que se esqueceram do resto. Uns renunciaram aos conceitos marxistas, por esperarem da revolução um surgimento da vida, além de toda coerência e todo quadro [3]. Outros conservam as noções essenciais de Marx, mas consideram que os operários enquanto operários se comportam como capital variável e, assim, como parte integrante do capital. A luta de classes seria, então, o motor do capital, e a classe operária a mais capitalista de todas: os operários constituiriam o corpo do capital. Talvez uma grande crise lhe permitisse sair do impasse [4]. Essas análises, sobrecarregadas pelo peso das noções herdadas da esquerda comunista, traduzem em jargão marxista o que foi dito há muito tempo em termos mais simples: os operários estão integrados ao capitalismo. No entanto, o problema existe. E não se pode negar, com a ajuda de generalidades sobre a imbricação necessária da luta reivindicativa com a luta revolucionária, a primeira sendo o meio de passagem para a segunda. Que diríamos de um revolucionário que, em 1914-1918, não se pronunciou sobre a função dos sindicatos, pretextando que o problema não tinha nada de novo e que a realidade é mais complexa do que todos os esquemas e que os sindicatos evoluem (argumentos do gênero dos de Lênin e da terceira internacional contra a esquerda alemã)? Diríamos que tais afirmações escamoteiam a questão. Num período em que não se pode mais tudo explicar pelo ´peso da contra-revolução´ (antiga ou moderna), não cabe questionar a inexistência ou o desaparecimento de todo órgão operário radical de base depois da luta, assim como a incapacidade dos revolucionários para superar o estágio dos grupelhos que se reúnem mais nas editoras e jornais do que num órgão, mesmo modesto, de lutas efetivas num meio social qualquer. Não se pode ver o sinal de existência de um movimento comunista ainda subterrâneo, mas pronto para emergir com toda sua força; nem conclamar os operários a ´desenvolver as lutas´ sem pôr a questão do terreno sobre o qual podem se reagrupar e agir num sentido revolucionário; nem estabelecer entre ´reivindicação´ e ´revolução´ uma barreira que recolocará a necessidade de um salto, de uma passagem que não se sabe se é possível. A dificuldade – não resolvida – do movimento revolucionário desde 1914 era abandonar o quadro das organizações existentes (sindicatos e partidos) para agir com mais amplitude e coerência. Hoje, a dificuldade consiste em destruir uma não-organização (em grande parte, mas não totalmente inevitável) e agir, quando chegar o momento. Como em (e desde) 1914, não temos receita milagrosa nem garantia de sucesso. A única linha diretriz reside, como então, na enunciação a mais clara possível do conteúdo comunista e das tarefas (positivas e negativas) da revolução. Esta situação não depende dos ´revolucionários´, mas das condições gerais em que se encontra o proletariado, depois das derrotas posteriores à primeira guerra mundial. E dela decorre esta imensa dificuldade dos proletários para se organizar, sem entrar num quadro (formal ou não) de defesa dos assalariados enquanto assalariados; e dos revolucionários para se organizar, numa atividade coletiva que vá além de sua rotina habitual. A teoria tende a ser nada mais do que a teoria de qualquer coisa, dum movimento social do qual ela faz parte no sentido de que atua nele. Sua linguagem tende a se autonomizar. Ela se limita a se reenviar ao movimento que diz expressar, mas com o qual mantém pouca ligação, assim como o movimento mantém pouca ligação com seus diferentes componentes (e estes entre si). Na falta de uma atividade proletária efetiva, na qual as minorias revolucionárias teriam seu espaço, uns se contentam com ´representar´ a classe e exortá-la – inutilmente, aliás – para a luta. Outros se recusam a desempenhar este papel, mas negam a si mesmos como produto e elemento do proletariado, e se contentam com declamar sua teoria, reinterpretando tudo sobre a base de seu problema. Ou seja, fixados num ponto de vista particular, são incapazes de o compreender como parte e efeito da totalidade [5]. A atomização dos proletários avança juntamente com a fragmentação da teoria do proletariado. A guerra de Espanha (como, na mesma época e num contexto diferente, as duríssimas greves nos E.U.A.) marca o fim de uma época. Os acontecimentos de 1917-1921 foram o auge de uma longa série de lutas operárias radicais, começadas antes de 1914 e que se prolongam, com os movimentos na Inglaterra (1925), na China (1926-1927), na França, na Espanha, nos E.U.A. e em muitos outros países, inclusive os ´subdesenvolvidos´. Seria absurdo afirmar que a guerra de Espanha foi a última chama duma classe operária ainda radical, mas destinada a se comportar, no futuro, como fração do capital. Contudo, ela fecha a época das grandes lutas, quando existem ainda organizações operárias não totalmente integradas pelo capital (C.N.T., P.O.U.M.). Todo esforço visando a ´dar uma organização´ à classe (ou a que ela se auto-organize) caducou. Não se pode mais limitar-se a defender suas ´fronteiras de classe´, como Bilan, tomando a noção de classe num sentido ainda sociológico. Se os operários (ao menos uma parte) jogam um papel chave na revolução, não é isso que a caracteriza: a revolução comunista não é a hegemonia operária sobre a sociedade, mas a reapropriação das condições da vida e a produção de novas relações sociais. "Podemos afirmar que herdamos somente das batalhas revolucionárias dos operários, e que aquilo que eles [sindicatos e partidos] constroem sobre o que delas resulta não nos interessa? ... Um método semelhante seria empirismo... Temos ainda, como prioridade, a tarefa de submeter a uma análise séria meio século de luta de classes e isso não se pode fazer dizendo: ´aceitamos isto e rejeitamos aquilo´... Se, portanto, antes de tudo, trata-se de compreender os acontecimentos passados e não aceitar no todo ou em parte a fase superada da luta operária, não podemos herdar senão de experiências, ensinamentos que adquirem todo seu valor somente na medida em que somos capazes de traduzi-los na linguagem de nosso tempo..." [6]. Os berros de Hitler e o choramingar de Blum pertencem ao passado. Ditadura e antifascismo não só revestiram formas ultrapassadas do período entre duas guerras, mas continuarão a prosperar como irmãos inimigos no seio do capital. As lutas sociais agudas, mas que não irão até o assalto final contra o capital, verão sem dúvida um alinhamento das forças entre os dois campos igualmente capitalistas: um, reagrupando a burguesia tradicional; outro, respaldado pela esquerda institucional, unindo os ´setores democráticos´ do capital. Numa situação tensa, o conflito poderá até levá-los à violência aberta, sem no entanto mudar sua natureza capitalista. O antifascismo espanhol anseia reeditar, hoje, a Frente Popular de 1936. O P.C.E. dá o tom: liberdade política para os partidos da democracia burguesa, repressão contra os proletários radicais. E reivindica "o direito para todos os partidos, de esquerda e de direita, de poder se exprimir normalmente". Mas "se houver grupos proclamando sua vontade de destruir a democracia, caberá à justiça pô-los fora-da-lei". Realista, o P.C.E. previa, assim, dar ao exército "uma técnica e os meios que lhe permitam desempenhar o papel que a nação deve lhe atribuir nos seu próprio interesse" [7]. A posição revolucionária contra essas forças políticas não pode consistir numa repetição melhorada das análises da esquerda comunista de antes da guerra. Sua insuficiência não decorre de que a situação mudou de natureza, mas de que essa esquerda era já incapaz de apreender o conjunto do problema, de recompor a perspectiva comunista, em toda sua amplitude. E porque sua resposta foi, antes de tudo, negativa. Ela designa os inimigos da revolução. O texto de Gorter, em 1923 (cf. nota 2 bis) era já construído sobre esse plano, enumerando os adversários do comunismo. Uma simples denúncia (acompanhada pela exaltação das ´lutas operárias´) é hoje anacrônica. Ela não concerne, finalmente, senão ao que denuncia e a quem ela se dirige (a esquerda e o esquerdismo, que é o ´centrismo´ atual). O comunismo teórico não pode mais existir a não ser como afirmação positiva da revolução [8]. Notas [1] Octobre, no. 4. [2] Octobre, no. 3. [2 bis] L’internationale Communiste Ouvrière, em Invariance, 2e série, no. 5. [3] Invariance, 2a e 3a séries. [4] Cf. o grupo escandinavo em torno de Kommunismen, que rompeu com o P.C.I. a propósito da questão sindical, pois evoluiu nesse sentido. Cf. La gauche allemande et la question syndicale dans la IIIe Internationale, Bagsvaerd, Danemark, e Textes de travail parus à l’occasion de la scission.... id., 1972 (polycopiados). [5] Cf. Négation; Une Tendance Communiste, saída de Révolution Internationale, e autora de La révolution sera communiste ou ne sera pas, 1974; este grupo se dissolveu, logo depois. Cf. também Maturation Communiste, no. 1, 1975. E as revistas Théorie communiste e La Crise du communisme. [6] Bulletin de la L.C.I., abril de 1936. [7] In Le Prolétaire, no. 206. [8] Certos temas desse parágrafo foram desenvolvidos no Barrot, Crise du prolétariat ? SIGLAS USADAS NO TEXTO: Alemanha: S.P.D. - Partido Social-Democrata da Alemanha K.P.D. - Partido Comunista da Alemanha Itália: P.C.I. - Partido Comunista Italiano P.S.I. - Partido Socialista Italiano P.N.F. - Partido Nacional Fascista C.G.L. - Confederação Geral do Trabalho França: P.C.F. - Partido Comunista Francês S.F.I.O.- Seção Francesa da Internacional Operária Chile: U.P. - Unidade Popular (coligação eleitoral dos partidos socialista, comunista e Radical, com alguns pequenos grupos) C.G.T. - Confederação Geral dos Trabalhadores de Trabalhadores Portugal: P.C.P. - Partido Comunista Português P.S.P. - Partido Socialista Português Espanha: C.N.T. - Confederação Nacional do Trabalho P.S.O.E.- Partido Socialista Operário Espanhol P.O.U.M.- Partido Operário de Unificação Marxista P.C.E. - Partido Comunista da Espanha U.G.T. - União Geral dos Trabalhadores Biblioteca virtual revolucionária

Nenhum comentário:

Postar um comentário