quarta-feira, 17 de outubro de 2012

O NOVO MOVIMENTO OPERÁRIO

(Henk Canne Meijer) Este artigo foi primeiramente publicado em alemão em Rätekorrespondenz, números 8- 9 (abril de 1935) - jornal do Grupo dos Comunistas Internacionais (GIK), organização comunista conselhista da Holanda. A IMPOTÊNCIA É grande a confusão no movimento operário. Grupos, organizações e tendências combatem pela sua direção, enquanto a miséria desmoraliza as massas trabalhadoras. E a confusão só aumenta... Choramingando, os fervorosos defensores da unidade multiplicam seus apelos aos trabalhadores para que acabem com isso e se juntem à luta contra a classe dominante. Mas essas belas almas não fazem a menor idéia da situação atual: pensam que a classe operária é impotente porque está dividida. Na realidade, a divisão não é causa e sim efeito da impotência. Cada nova chicotada da burguesia é uma lição para as massas trabalhadoras, repetindo-lhe tediosamente que o proletariado não é fraco porque está dividido; está dividido porque é fraco. De onde surge a impotência do velho movimento? De imediato, sugerimos duas causas. Em primeiro lugar, o velho movimento foi totalmente orientado no sentido de reformas graduais e melhorar a situação dos trabalhadores, mantida a estrutura do capitalismo. O problema é que não se pode mais pensar em reformas quando inúmeros capitais não produzem lucro suficiente. E, se isto se generaliza, ocasiona uma crise. Neste caso, a origem não está na fraqueza do movimento operário, mas na impossibilidade objetiva de ganhar quando não há nada para ser ganho. A segunda causa é, simplesmente, o maior poder do capital. Mas não foi sempre assim. Os capitalistas já foram muito menos organizados. E os trabalhadores conseguiam arrancar algo dos patrões, cruzando os braços. Eram quase sempre pequenos grupos engajados na luta, além de sindicatos e outras associações que lideravam esses movimentos. Porém, mesmo nessas ocasiões, a maioria dos trabalhadores não era sindicalizada. Mais tarde, a situação se modifica. Os patrões se juntam em associações, os pequenos negócios se tornam grandes e os grandes negócios se agrupam em enormes corporações econômicas: sindicatos, trustes, cartéis e monopólios. Assim, o capital forma um bloco tão forte que as greves dos trabalhadores, limitadas a uma só categoria, persistem em vão. Desde então, os sindicatos atuam como mediadores, tentando evitar as greves. Os dirigentes sindicais entenderam que sua função era negociar e cooperar com os patrões. Essa cooperação resultaria, finalmente, numa "comunidade de trabalho". O fato é que já não havia o que fazer com uma forma de luta baseada nas reivindicações profissionais. Mas quando os proletários denunciaram os acordos da "comunidade de trabalho" e recomeçaram a luta, com greves selvagens, a derrota aconteceu também. A causa dessas derrotas consiste no fato de que uma categoria profissional isolada não tem força suficiente para enfrentar o capital. A possibilidade de êxito na luta contra o capital somente emergiria se (onde e quando) os trabalhadores em greve tentassem estender o movimento além de seus limites corporativos e organizacionais, fundindo-se com os demais proletários no mesmo combate. Portanto, só depois de ultrapassar a "frente ocupacional", na "frente de classe", o proletariado exerceria sua potência. CLASSE EM SI E CLASSE PARA SI No futuro, a expansão da frente de classe ocorrerá. Os proletários, dirigindo suas próprias lutas, se unirão e tomarão consciência de si mesmos, enquanto classe. Devemos ver claramente o momento em que os proletários formam uma classe contra o capital, uma classe para si. Não há dúvida de que os capitalistas tratam os operários como uma classe total. Os proletários são até agora uma classe "em si mesma". Mas eles não estão conscientes disso. Não percebem que, como classe, têm interesses e tarefas comuns. Ainda não constituem uma classe para si. Mas existe uma vaga solidariedade de classe, subjugada pela mentalidade corporativa e profissional. Os proletários se sentem mais ligados aos grupos ocupacionais do que à classe em geral. Os revolucionários estão sempre dispostos a atribuir ao conjunto dos trabalhadores o que vale somente para sua fração mais consciente. Nas assembléias e reuniões, eles se expressam da seguinte maneira: a classe operária quer isto ou aquilo, assume este ou aquele ponto de vista, diz isto ou aquilo. Mas, na realidade, a classe operária não diz nada, não faz nada e não assume nenhum ponto de vista. Nem está "a favor" ou "contra". Como classe, viva e ativa, ela não existe. Ela só existe passivamente. E não existirá como ser vivo e ativo, se não agir e se tornar consciente de si mesma. Todavia, não há uma oposição total e insuperável entre a classe "em si" e a classe "para si". Aliás, poderia ser dito que durante o século dezenove, por exemplo, a classe operária atuou diversas vezes enquanto classe "para si mesma"; que realmente pensou ou disse algo; que sem dúvida adotou um ponto de vista. Então, no período parlamentar, a consciência de classe expressou-se na luta pelos direitos democráticos e reformas sociais; mostrou-se atuante em manifestações de massas e greves políticas. Dito assim, pode parecer que o proletariado regrediu e que não há mais consciência de classe. Não é isso. A classe fixa seus objetivos de acordo com suas possibilidades, e assume somente tarefas que pode realizar. Quando as massas trabalhadoras lutam, não é com o objetivo de destruir o capitalismo e implantar a maneira comunista de produzir e viver. Sabem muito bem que tal coisa está acima de suas forças. A classe operária não age com o objetivo de realizar uma teoria ou outra, mas para acabar com determinadas condições que se tornaram insuportáveis. Portanto, estabelece para si mesma apenas objetivos que estejam no alcance de suas forças. O aumento dessas forças possibilitará um objetivo mais valioso. O objetivo das lutas não é algo fixo, nem um caminho já aberto, mas algo que varia em função do desenvolvimento das forças do proletariado. Quanto aos meios que as massas aplicam nas lutas, encontramos a mesma relação. As massas também não são livres para escolher os meios, que variam com a força da classe. O aumento da força proletária tem como conseqüência a extensão dos meios de luta. Força, meios e objetivo estão em mútua dependência e inseparavelmente ligados. Esta mútua dependência entre força, meios e objetivo deve emergir no pensamento de todas as questões. No atual estado de coisas, isso torna compreensível o aparente retrocesso do proletariado, a suposta regressão de sua consciência: de classe "para si" a classe "em si". A imensa passividade com que suporta a exploração se deve à inadequação dos meios de luta e ao fato de que suas forças de classe ainda não são suficientes para outros meios. Ainda que urgente, a solução dessa questão não está ao alcance de suas forças. Por esta razão, os proletários não têm "objetivo". Mas isso não é uma regressão da classe a um estágio destituído de consciência. É, na verdade, uma preparação para o acúmulo de forças em novas bases, que permitam fixar o objetivo e solucionem a questão. A confusão desesperada e a divisão da classe operária, o fim do velho movimento operário são apenas a preparação do salto qualitativo das forças de classe. É assim que a classe operária reemergirá como classe "para si". A transformação do proletariado, de classe "em si" a classe "para si", acontecerá não por meio da propaganda de idéias revolucionárias, mas da dura prática da vida. Mas o aparato de opressão da burguesia também se tornará mais visível, eficiente e brutal, reforçando o poder estatal como instrumento de exploração sobre as massas proletárias. A menor resistência dos proletários assumirá, pois, a forma de luta direta contra o capital. Então, o simples fato de resistir, fará de todos revolucionários proletários conscientes de sua classe. Essa resistência será ferozmente reprimida pela burguesia: estado de sítio, fim das liberdades de imprensa e de reunião...; tropas armadas, tanques, metralhadoras, bombas de gás e granadas de mão serão utilizados para "manter a ordem" ou restabelecê-la. Entretanto, a causa da violenta ofensiva da burguesia, que abandona os meios formais e os direitos democráticos mediante os quais exerce a hegemonia, está na própria crise. A burguesia percebe nitidamente que os proletários têm motivos suficientes para a insurreição, e teme a revolução muito mais do que os proletários imaginam. Eis porque a mais leve resistência do proletariado suscitará, na burguesia, o pavor de que escape ao controle. Então, do ponto de vista burguês, só há uma saída: cortar pela raiz, esmagar a luta proletária no nascedouro. Conhecendo sua fragilidade intrínseca, a burguesia entra em pânico diante da menor resistência dos proletários à exploração. É verdade que funciona, mas só no início. O enorme poder da burguesia faz com que os proletários se sintam impotentes. Eles nada podem opor à poderosa máquina militar do capital. Então, constatam a insuficiência dos meios até agora empregados e se sentem fracos. Alguns proletários, fazendo o balanço das novas condições, se convencem de que novos meios e concepções são necessários. Vagamente, uma nova forma de consciência começa a surgir nas massas proletárias. Mas só desabrochará com a espontaneidade das explosões revolucionárias, ocasionadas pela revolta contra a miséria, fazendo com que as massas conheçam sua força e sua autoconfiança renasça. A burguesia faz de cada ato de resistência uma luta pelo poder. Mas, dessa forma, é a própria burguesia que estende a luta. Se, no início, o problema dizia respeito aos interesses desse ou daquele grupo de proletários, agora outros grupos estão envolvidos no conflito pelas medidas políticas e militares da burguesia. A burguesia estende a luta de uma frente corporativa para uma frente de classe. De classe "em si", os proletários em luta se transformam em classe "para si". Porém, a ofensiva da burguesia não ocorre por sua vontade. Ela é forçada neste sentido pela crise do capitalismo, que só funciona se produzir lucro suficiente. Se os lucros não acontecem, uma parte maior ou menor do capital desaparece. Uma certa taxa de lucro é, portanto, a primeira exigência da burguesia. A concentração econômica se reflete na concentração do poder político nas mãos de indivíduos e grupos capitalistas que controlam o Estado e impõem o rebaixamento das condições de vida dos proletários para restabelecer, assim, a lucratividade do capital. Este processo tende para o fascismo. Frente à debilidade orgânica do capital monopolista, declina a instituição democrática. Os "direitos democráticos" (de voto, organização, liberdade de imprensa, de reunião etc.) não são mais tolerados, mas concedidos apenas às organizações, grupos e pessoas que se submetam incondicionalmente aos interesses do capital monopolista. FASCISMO À primeira vista, é como se os proletários tomassem posição contra a tendência no sentido da ditadura manifesta do capital. Mas não é o que acontece. Ao contrário, é muito provável que as massas de proletários na Europa Ocidental e na América a apóiem. A mentalidade das massas continua, de modo geral, burguesa, porque o conjunto das relações sociais continua sob a dominação do capital. E isso não mudará enquanto o capitalismo não for aniquilado. Nos conflitos que ocorrerão, quando o capitalismo se mostrar incapaz de governar as relações entre os seres humanos, o pensamento das massas será revolucionado. Até lá, a burguesia continuará dominando. A função econômica do fascismo, reforçando o aparato estatal, é exercer a ditadura aberta do capital monopolista sobre as outras frações do capital e o conjunto da sociedade. A unidade da nação na "comunidade popular" é o "objetivo sublime" ao qual os interesses de grupo e classe devem ser subordinados. É também um instrumento do capital monopolista, nas disputas econômicas e militares. De cada um se exige que trabalhe para o crescimento economia, para "dar pão e trabalho para todos". Os burgueses devem subordinar seus interesses aos do "povo como um todo", e não ter interesses especiais (aqui se subentende a luta do grande capital contra os pequenos). Os proletários também devem renunciar a seus interesses, pois: "Se a economia vai bem, isso não pode ser ruim para o proletário". Enfim, no interesse da "comunidade popular", qualquer opinião contrária é ferozmente reprimida. Mas o pior é que esse palavreado demagógico está sintonizado com o pensamento das massas. Os proletários, sob a direção dos sindicatos, aceitaram a "comunidade popular". A social-democracia, por outro lado, pode até usar uma linguagem aparentemente revolucionária, mas sua doutrina e sua prática têm como fundamento a "comunidade popular". Todos os planos de socialização que se tornaram conhecidos, naquela época, baseiam-se na "comunidade de trabalho". Não há qualquer exagero em dizer que essa ideologia da "comunidade de trabalho" domina o pensamento das massas, na Europa Ocidental e na América. Quando implanta o fascismo e suprime a democracia, a burguesia encontra resistência, mas a experiência já demonstrou essa resistência não durará muito. Os proletários mais jovens, que não viram nada de bom na democracia, dificilmente lutarão para defendê-la. A LUTA PELOS DIREITOS DEMOCRÁTICOS Qual deve ser a atitude dos proletários revolucionários diante da supressão dos direitos democráticos? Será um "dever revolucionário" defender até o menor dos direitos políticos? Nós dizemos: Não. Afirmamos que aquele que luta por "direitos democráticos" está defendendo uma causa perdida. A democracia não tem mais lugar numa sociedade em que o capital está concentrado em poucas mãos. A democracia corresponde à sociedade em que prevalece a pequena propriedade, e representa seus interesses contraditórios. Quando a propriedade se concentra na economia, isso se reflete necessariamente na política: o desenvolvimento da base material da sociedade se refrata em suas diversas políticas. Portanto, a ditadura do capital monopolista é um desenvolvimento necessário, que impossibilita o retorno à democracia, da mesma maneira que não se pode voltar ao tempo dos pequenos negócios. Lutar por direitos democráticos é o mesmo que tentar fazer o relógio da história funcionar ao contrário. O proletariado revolucionário assume as tarefas que o processo histórico coloca, olhando para a frente. As massas trabalhadoras não têm motivos para lamentar o fim dos "bons velhos tempos". Aprenderam a lutar sob as novas condições; e, também, que a forma democrática da ditadura capitalista está completamente falida, porque colide com o processo de concentração e centralização do capital. O novo movimento operário surge quando e onde os proletários compreendem que a democracia burguesa está econômica e politicamente ultrapassada. E, conseqüentemente, fixam como objetivo o poder mundial dos conselhos operários. O domínio absoluto do capital monopolista é um fato. A supressão da democracia, também. A burguesia desvencilha-se da democracia, que já não serve para seus fins. Mais tarde, poderá retirá-la da lixeira, uma vez mais. A democracia será oferecida como um prêmio, quando os proletários avançarem em massa e ameaçarem seriamente o capitalismo. Então, a democracia oferecerá seus serviços, confundindo e dividindo os proletários, para evitar a revolução social. A democracia poderá se tornar importante para os trabalhadores, não porque eles queiram sua restauração mas porque a combatem. A revolução proletária abolirá a democracia burguesa, juntamente com o capital, e implantará o poder mundial dos conselhos operários. Nas atuais condições, a luta por direitos democráticos tem um caráter utópico e é obviamente impossível. De que vale tentar levantar o dedo quando não se tem a mão? De nada adiantam manifestações ruidosas, passeatas e showmícios, e até mesmo uma greve aqui ou ali, para defender a democracia, se a burguesia não recua um passo. Para acabar com a burguesia, outras forças são necessárias. Temos de enfrentar a amarga verdade: as massas ainda não assimilaram a forma apropriada de luta. Os velhos métodos - eleições, manifestações, comícios, protestos, impeachments, greves (com ou sem a chefia dos sindicatos), ou mesmo revoltas locais de grupos isolados, por mais heroicamente que lutem - funcionam como uma arma quebrada. As massas sabem disso e apenas resistem, quando a fome aumenta. Não é menos verdade que, na atual luta de classes e nas futuras, as massas proletárias deverão entrar em ação para destruir o poder da burguesia. As massas o sabem, e sentem que ainda falta um vínculo orgânico, um princípio que as unifique na mesma luta. Aqui se encontra a diferença essencial, entre a forma de luta no período que finda e a que corresponde ao período que agora começa. Mesmo hoje, muitos grupos de proletários lutam, cada um por si, objetivando defender seus interesses não como proletários, mas como metalúrgicos, estivadores, professores etc. Como antes, falta o interesse geral, de classe, a necessidade de um grande princípio unificador. Antes, um aparato bastava para organizar e dirigir a luta. Entretanto, nenhum aparato é capaz de conduzir a luta dos milhões de proletários que começam a se mover. Esses proletários se movem numa só direção, pois seu objetivo é o mesmo. Se nenhum aparato organizativo está qualificado para essa tarefa, ela será realizada de outro modo. É o que acontece quando surge um novo princípio nas massas, não através de pregações, nem imposto ou despejado como um líquido num frasco vazio. A unidade de direção das forças de classe aumenta na e através da luta. E só pode ser duradoura quando a ação direta eclode, em novas formas organizativas, combinando e unindo as organizações autônomas que o proletariado construiu em suas lutas. Emerge, pois, a consciência de que a liberdade tem como conteúdo o domínio de sua própria atividade e da produção social. Esta consciência é a transformação do pensamento da classe operária mundial, sua adesão ao comunismo. Toda experiência de luta autônoma deixa sua marca, como unidade de classe, luta revolucionária e comunismo. Surge um novo princípio, ao qual as massas estão mais proximamente ligadas. Os proletários lutam com autodisciplina e solidariedade, como nenhum aparato jamais conseguiu deles. Visto assim, o comunismo é a auto-emancipação das massas, tornadas autoconscientes, no sentido comunista. Os bolcheviques e a terceira internacional, sob seu controle, separaram-se dos proletários revolucionários. Asseguram que basta que as massas façam do partido "comunista" o partido governante e tudo estará resolvido. Pois, o partido, tendo tomado o poder político, edificará o comunismo. Para os bolcheviques, as massas trabalhadoras são uma ferramenta a ser usada pelo partido. Quem imagina o comunismo dessa maneira também pode combiná-lo com o trabalho assalariado, e não vê nada de mais quando a Terceira Internacional, sem princípios e desmoralizada, é instrumentalizada contra os trabalhadores. O novo movimento revolucionário deverá reunificar o comunismo com a autonomia proletária. Deste modo, auxiliará na supressão do trabalho assalariado e facilitará a gestão da vida social pelas massas. Só então, ditadura e democracia serão abolidas, deixando de ser formas de poder do capital. LUTA DE CLASSES E COMUNISMO O novo movimento operário quase não usará a palavra Comunismo, em sua propaganda. Pelo simples motivo de que, nele, o conceito de "comunismo" se expressa mais concretamente. A formulação abstrata, de um novo sistema, no qual a propriedade privada dos meios de produção foi abolida, já não basta. O "novo sistema econômico" era vazio e sem vida. Agora, na luta de classes, quando a questão é dirigir as forças sociais no interesse da humanidade, é necessário dar vida à idéia de comunismo. Antes, havia uma definição de comunismo como sistema econômico. Hoje, constatamos que essa visão era unilateral, um vislumbre parcial da questão. Assim como a ciência natural, pelo uso de técnicas, subjugou a natureza, a humanidade deve dirigir as forças sociais. Essas forças sociais, que ela cria e pelas quais é atormentada como um processo natural, a humanidade deve conhecer e sujeitar. É necessário, pois, que todas as funções da vida social sejam diretamente exercidas pelas massas; e que os órgãos criados com esse objetivo não sejam mais órgãos de domínio, separados das massas. Estes órgãos serão os instrumentos com os quais as massas cumprirão o que decidirem. É do que se trata nos conselhos operários. Além, é claro, da realização da autonomia. O controle das forças sociais revela-se fundamental na sociedade, embora seja apenas um aspecto da sociedade comunista, que é muito mais complexa. Mas o desenvolvimento do comunismo não espera que os proletários exerçam o poder para começar. No dia em que os proletários, na luta de classes, tomam seu destino em suas próprias mãos e conduzem suas lutas, terá nascido sua autonomia. O comunismo se desenvolve como autogoverno das massas; é o processo no qual as massas aprendem a dirigir e administrar a sociedade. Então, ocorrerá a auto-supressão revolucionária do proletariado. Esta é a mais simples e essencial definição de Comunismo. Definição que pode ser compreendida imediatamente por qualquer proletário. Ele pode ainda duvidar de sua realização, mas já entendeu que a famigerada ditadura do proletariado nada mais é do que o poder de sua classe. E que defender o sufrágio universal como um dos direitos democráticos da classe operária é perder de vista a realização de nossos objetivos, enquanto classe revolucionária. A dominação de nossas forças de classe não se realiza através da propaganda. É a dura experiência da luta que impulsiona as massas proletárias neste sentido. A época da democracia está praticamente, numa escala internacional, encerrada. Doravante, as organizações legais poderão apenas tentar ações de classe incipientes e sumárias. Mediante uma sucessão de derrotas, o proletariado aprenderá a superar suas limitações. Sob tais condições, surge um novo movimento operário, com novos princípios. Ele se compõe de pequenos grupos ilegais, que vêem a essência da luta na autonomia do movimento de massas, e não querem o poder para seu grupo. Não são as organizações que devem se tornar fortes, mas a classe operária. Todavia, a autonomia das massas é um árduo processo. Nunca, na história da humanidade, uma classe oprimida enfrentou um inimigo tão poderoso, tão feroz e assassino. Nunca houve tarefa tão difícil como dominar as forças sociais do mundo. Mas a classe operária está se unindo para resolver esse problema. As forças desencadeadas pelo capitalismo ameaçam destruir toda a humanidade, que vê aproximar-se o massacre em massa, a guerra com seus gases venenosos e armas bacteriológicas. Este é o resultado das forças sociais incontroláveis libertadas pela produção capitalista. Eis porque o proletariado terá de vencer e dominar as forças sociais. Novas e mais terríveis catástrofes aparecem no horizonte. O domínio das forças sociais é um problema atual e também do tempo que virá. Só a classe operária é capaz de executar essa tarefa, por ser a classe produtiva no capitalismo. Como tal, tem plenas condições de dominar as forças sociais de produção. Mas a classe operária só pode contar com seus próprios recursos. Entretanto, a social-democracia e os bolcheviques convocam os intelectuais e a classe média para domar as forças produtivas. Buscam ajuda onde ela não pode ser encontrada. O controle dessas forças pelos intelectuais e a classe média assume a forma de domínio nacional sobre a classe operária. Isso conduz ao fascismo. O resultado não é o desenvolvimento das forças produtivas, mas a sujeição da classe capaz de dominá-las. Logo, aguçam-se as contradições em escala internacional e aumenta a velocidade com que se aproxima a catástrofe mundial. A classe operária, que cria a mais-valia, é também a única que pode interromper-lhe o curso, tornar impossível o trabalho assalariado e introduzir novas leis na produção social. A classe média e os intelectuais estão ameaçados de extinção pelas forças sociais que não dominam. Mas, como vivem da mais-valia, eles não podem (nem querem) ser uma força auxiliar do processo que, com a introdução de novas leis na produção social, abolirá a mais-valia. A existência de intelectuais e da classe média depende do trabalho assalariado dos proletários. Eles não podem aliar-se aos proletários quando a questão é abolir o trabalho assalariado. Mas a primeira condição para a sua transformação em aliados é que a classe operária se capacite para assumir o poder. Só então, atrairá para si as forças revolucionárias dispersas noutras camadas da população. Mas não já. A prematura tentativa de união com a classe média e os intelectuais conduzirá, portanto, ao contrário do que se buscava. A classe operária deverá se orgulhar de escrever, na sua bandeira: "Só a classe operária, e a classe operária somente!" Deste modo, as condições se estabelecerão para a adesão de grupos importantes dos intelectuais e da classe média. É do poder de classe que precisamos! Poder Operário! O MOVIMENTO AUTÔNOMO DAS MASSAS a) Significado do movimento de massas A burguesia sabe que a única ameaça séria é a ação direta, sob a forma de lutas autônomas de massas. Entretanto, as massas ainda estão combatendo a tradição, mal começam a se libertar das políticas dos partidos e sindicatos. Por esse motivo, a burguesia não terá dificuldades para reprimir essas lutas. O risco, para a burguesia, não é de que seu poder seja diretamente ameaçado, mas o fato de que nenhum movimento autônomo dos proletários seja possível sem ultrapassar os limites legais. O movimento autônomo das massas desenvolve suas próprias leis, pelas quais atua. Os proletários devem assumir o controle das forças sociais de produção, porque o domínio da sociedade inclui a administração das forças produtivas. Deste modo, a burguesia continua sem escolha. Ela deve reprimir esses movimentos imediatamente, com os meios mais brutais que tiver. Tão logo uma luta autônoma começa, aqui ou acolá, a burguesia responde com leis de emergência: jornais, organizações, reuniões etc., são (se ainda não tiverem sido) proibidos. Mas quando a luta se expande, age contra tal proibição. As reuniões ocorrem, os jornais são distribuídos etc. Isto equivale a lutar contra o poder estatal. Se os proletários recuam antes dessa luta, a classe dominante não consegue reprimir o movimento. Uma vez que haja resistência, o movimento torna-se sujeito de sua própria lei. Na área da greve, prevalece a lei dos proletários. Essa outra lei revela-se pelo fato de que as leis que protegem a propriedade privada são ignoradas. E não porque os proletários em luta sejam comunistas conscientes da necessidade de submeter as forças de produção à classe operária, mas porque a própria luta torna isso necessário. O movimento apresenta, germinalmente, o rascunho do que será feito em toda a sociedade. Os proletários em luta compreendem que nada podem fazer com toda sua força de classe se, ao mesmo tempo, não fizerem as forças produtivas funcionarem de acordo com seus interesses. Enquanto os movimentos de massas são débeis e se limitam à superfície das questões, a tendência para o domínio das forças sociais não aparece. Mas quando se fortalecem, cada vez mais funções são desempenhadas no campo da luta de classes e sua esfera de ação se expande. Então, surge um novo princípio nas relações entre os seres humanos e o processo produtivo. Uma nova "ordem" se forma. São essas características, essenciais aos movimentos autônomos das massas, que apavoram a burguesia. O desenvolvimento do movimento autônomo de massas tem como objetivo o domínio das forças de classe e, também, da vida social. Mas esse processo é gradual, no sentido de que o que é alcançado fica como um legado que a classe deve levar adiante. Cada luta, mal ocorre, se esvai no ar. O que permanece é a experiência. Cada movimento de massas se desenvolve sobre a experiência dos movimentos anteriores. Entretanto, tomam-se várias medidas para a extensão dos movimentos, a provisão do necessário à organização da defesa, a distribuição de alimentos etc. Essas medidas não se discutem, porque se tornaram óbvias, através da repetição de experiências, e são parte do pensamento das massas. Assim como ninguém discute quando se trata de formar piquetes para capturar fura-greves, as massas organizam por si mesmas todas as funções da vida social, sem perda de tempo. A supressão de um movimento autônomo de massas é uma derrota parcial da classe operária. Mas esse fato lhe revela, junto com a impotência momentânea, o seu crescente poder. É apenas a derrota de um jovem gigante, de uma força que ainda não está completamente madura. b) Extensão do movimento Uma das primeiras tarefas dos proletários em luta é a extensão do movimento. Hoje, esta questão ainda é discutida, mas a clareza virá na medida em que o movimento desenvolver sua potência. O velho movimento tinha dois métodos para a extensão das lutas. Num deles, os líderes sindicais decidiam como, em que condições e medida, e usavam o aparato organizativo. No outro, um ou mais partidos (por meio de panfletos etc.) apelam à solidariedade dos trabalhadores de outras empresas e categorias profissionais. Nos dois casos, a extensão não era tarefa dos proletários, mas dos chefes do "movimento operário". Numa luta autônoma, os proletários tratam, em primeiro lugar, de assumir essa tarefa. Mas não à maneira de uma "autoproclamada" liderança da greve, simplesmente convocando os demais proletários à solidariedade. São os próprios grevistas que vão às outras empresas conclamar seus irmãos de classe à luta. Quando os grevistas lutam de forma autônoma e apelam à solidariedade de seus irmãos de classe, a questão toma um aspecto diferente. O conflito entre disciplina corporativa e lealdade de classe então assume, em cada proletário, uma forma aguda e a adesão se torna mais provável. A burguesia fará tudo para evitar essa adesão. A cada tentativa de extensão das lutas, o governo reprimirá com severas medidas, inclusive militares. Atualmente, um movimento de greve nada pode fazer diante do poder militar. Então, parece absurdo tentar a extensão das lutas. Mas não é bem assim. Os proletários que ainda não aderiram ao movimento são forçados a trabalhar, debaixo de baionetas. O poder estatal militar, que eles odeiam, alega protegê-los contra seus próprios irmãos de classe. Deste modo, o conflito entre disciplina sindical e solidariedade de classe é intensificado, e surgem novas possibilidades para a extensão das lutas. Nos "tempos normais", quando não há sinais de combatividade por parte dos proletários, o princípio da extensão das lutas pela ação direta deve ser colocado na ordem do dia. Sempre que os proletários lutam, esta questão se torna central. Falando abstratamente, isso parece não ter qualquer significado. Mas, se falamos em termos concretos, não há como antecipar em que medida tal princípio ou questão encontrará uma resposta que só pode ser encontrada na e pela prática, isto é: na ação direta proletária. Entretanto, essa ação direta pode ser facilitada por um intenso esforço preliminar. Uma verdadeira propaganda revolucionária não se limita a fazer apelos à "revolução" ou "superação" dos conflitos. Ela consiste na permanente, incansável criação dos meios e possibilidades de extensão, de modo que as futuras lutas de classes abranjam as massas trabalhadoras em geral. c) Domínio das forças da classe através dos Conselhos Operários A segunda tarefa do proletariado é dominar suas forças, enquanto classe, e construir a "própria liderança". Até hoje, as velhas organizações dirigiram o movimento operário. Mas essa relação entre "massa e chefe" foi, inúmeras vezes, ultrapassada pelos trabalhadores, por ocasião dos movimentos de massa revolucionários. Então, ainda não surgira da luta de classes qualquer novo princípio, senão um "desvio" - entendido como tal o fato de que os proletários, rechaçando as velhas organizações, tomarem a iniciativa e realizarem seus objetivos com autonomia, isto é: fora de e contra as organizações tradicionais. Hoje, o que era "desvio" torna-se a forma habitual de luta, quando as massas agem por seus próprios objetivos de classe. As condições às quais a luta de classes está ligada, no momento atual, não permitem outra escolha. Pela simples razão de que a menor reivindicação dos proletários colide imediatamente com o poder estatal e os afasta da legalidade burguesa, porque cada luta tem de ser conduzida como se fosse diretamente a emancipação dos trabalhadores, toda liderança externa sobre o movimento fracassará. Só a liderança que surge dos próprios trabalhadores em luta permanece. E o fato de que os sindicatos e partidos ainda possam, eventualmente, impor sua liderança, é cada vez mais uma exceção. Quando isto ocorre, só demonstra que o movimento é fraco e declinante. Essa liderança externa trata de enquadrar o movimento na legalidade, subordinando-o ao poder estatal. Portanto, é necessário que o princípio de "autonomia proletária" seja central no movimento da classe. Este princípio já é, mesmo fracamente, representado. A tradição segundo a qual os movimentos da classe devem ser dirigidos pelas organizações é ainda tão profundamente enraizada que os grupos que estão continuamente surgindo consideram essa liderança como sua tarefa. Quando as velhas organizações já não podem nem querem conduzir a luta de classes, tentam então lançar novas organizações que possam fazê-lo. Contudo, há alguma verdade na concepção tradicional: as forças de classe têm de ser dominadas e dirigidas. Quando um movimento de massas assume a forma de erupção espontânea, as forças de classe estão desencadeadas. Mas quando essas forças não são dominadas, nem ainda conscientemente dirigidas, sua ação se parece com uma tempestade que desaba sem maiores conseqüências. O domínio das forças consiste na sua aplicação com um objetivo. Isto é tão verdadeiro hoje, como há 50 anos. A nova concepção se diferencia pelo princípio de que as forças da classe não podem ser dominadas nem dirigidas por uma organização que lhes seja externa. As funções que os proletários tem de assumir são tantas e tamanhas - que nenhum partido pode dominá-las e dirigi-las. Aqui se encontra a maior dificuldade do processo atual: essas forças, enquanto se manifestam caoticamente, são também facilmente derrotadas. Mas, pela experiência adquirida nas lutas, cresce a unidade e coordenação das forças proletárias. E, assim, o processo faz surgir a organização e a direção autônomas das forças de classe. À medida que nossa experiência se amplia, temos visto que essa coordenação ocorre sob a forma de comitês de ação. Estes, a partir de 1917, nos movimentos revolucionários da Rússia e da Alemanha, se tornaram conhecidos como conselhos operários. Para tomar as decisões de caráter geral, há um conselho geral de operários. O "Conselho Operário Central para o Distrito de Ruhr", por exemplo, em 1920, tomou os bancos para assegurar o pagamento dos salários durante a greve geral. Além disso, centralizou o suprimento de meios de subsistência, e organizou a luta contra o poder central do Estado. Nas condições atuais, o domínio das forças de classe se expressa nos conselhos. Assim, como classe, aplicaremos conscientemente nossas forças na medida em que sejamos capazes de centralizá-las nos conselhos operários. Em cada movimento de massas, a organização e a coordenação de forças, sua aplicação consciente assume formas mais fixas. A orientação neste sentido é tarefa dos revolucionários: centralizar as lutas no movimento de conselho. A extensão e a união das lutas autônomas num movimento de conselhos mostra que aprendemos a aplicar nossas forças de classe. Mas, podemos perguntar, é certo que os movimentos de massas se desenvolverão para movimento de conselhos? O nazismo na Alemanha e o fascismo na Itália não levaram a um movimento que, além de não ser nada parecido com conselhos operários, estabelece sobre as massas o princípio oposto: o domínio do "chefe"? E, além disso, a miséria ainda mais intensificada pela exploração capitalista exacerbará a luta pelo domínio dos meios de produção e sobre as forças produtivas? A experiência na Alemanha e Itália não mostrou que o persistente agravamento da situação dos trabalhadores joga as massas nos braços da contra-revolução? Não desabará sobre as massas uma onda de nacionalismo e militarismo, com a destruição da memória do velho movimento operário? Resumindo: a mente dos proletários não está, mais do que nunca, subjugada ao capital? Não é óbvio que nos países fascistas as massas fazem tudo para salvar a economia capitalista? Eis a realidade! Não alimentamos a ilusão de que o proletariado avança em linha reta para o domínio de suas forças. Mas sabemos, também, que o atual estado de coisas não é eterno, nem impedirá a revolução social. Temos esta certeza porque conhecemos as leis do movimento da sociedade burguesa, e sabemos que o capitalismo só se mantém pela crescente miséria das massas. Os grandes capitais - que no moderno capitalismo constituem a fração dirigente da classe dominante - devem obter lucro, ou a economia é paralisada. Mas eles somente sobrevivem através da miséria crescente das massas. O problema central nesta sociedade é que as forças produtivas não são somente meios de produção e força de trabalho, mas capital. Ou seja: funcionam produzindo lucros para a burguesia, através da exploração intensificada das massas trabalhadoras. O problema, então, não é como "ordenar" o capitalismo, mas como acabar com ele. O fato é que as forças produtivas são ao mesmo tempo capital e como tal devem render lucros. Mas, no interesse das massas, a produção deve funcionar sem render lucros para o proprietário do capital. Isto equivale a dizer que os meios de produção não devem mais funcionar como capital e que os capitalistas não podem mais se apropriar do lucro através da compra da força de trabalho dos proletários. Quando os meios de produção forem despojados de seu caráter capitalista, eles se tornarão ferramentas com que os produtores livres satisfarão as necessidades das massas. A completa destruição de todas as relações econômicas é, pois, o problema de nosso tempo. A relação dos seres humanos com os meios de produção, sob a forma de trabalho assalariado e, conseqüentemente, sua relação com os produtos disponíveis na sociedade; a relação de um ser humano com outro, quando pertencem a classes diferentes, como dominação e escravidão assalariada, relação entre explorador e explorado - todas essas relações terão de ser total e fundamentalmente transformadas. Com a eliminação do lucro, o caráter capitalista da organização social e das forças produtivas também é abolido: toda circulação dos bens sociais é feita por outros meios, e as relações entre seres humanos assumem novas formas. O fascismo já mostrou que é incapaz de resolver esse problema. Desmascarado também nessa questão decisiva, o fascismo logo será destruído pelas massas trabalhadoras. Portanto, movimentos de massa orientados no sentido de organizar a produção por e para os proletários são inevitáveis. O ponto decisivo na solução desse problema é que a classe operária só pode fazê-lo quando cria por si mesma os meios para tal fim: os conselhos operários. Então, a conquista do poder num determinado distrito não será muito difícil. Muito mais importante é se os proletários vão conseguir administrar a produção; isto é, acabar com a escravidão assalariada e introduzir a auto-regulação social. Isto só é possível mediante os conselhos operários, que devem assegurar o suprimento das massas, organizando a distribuição de tal forma que torne impossível a apropriação privada dos produtos do trabalho. O crescimento do movimento de massas como movimento de conselhos é a critério para a aplicação consciente das forças de classe. A idéia de que os conselhos operários surgem apenas na própria revolução deve ser rejeitada como falsa. Em cada luta autônoma do proletariado, a tarefa principal deve ser a formação de conselhos operários. A importância do movimento de massas não está tanto no êxito material que atinge, mas se é bem sucedido na aplicação das forças da classe pelos conselhos. O NOVO MOVIMENTO OPERÁRIO Esforçamo-nos para mostrar que as lutas proletárias assumem, nos conselhos operários, a forma adequada para dominar as forças sociais. Agora, focalizaremos o novo movimento operário, o princípio que unifica o ainda relativamente pequeno número de proletários revolucionários que, conscientemente, assumiu a perspectiva dos conselhos operários. É necessário, primeiro, traçar uma nítida linha demarcatória entre as organizações que se autodenominam revolucionárias mas que na realidade ainda pertencem ao velho movimento operário e aquelas que adotaram a nova concepção. Todas as organizações que reivindicam a direção das lutas e querem se tornar o "estado-maior" da classe operária estão do outro lado da linha, mesmo que tenham nascido hoje. Entretanto, as que não querem tomar o poder mas impulsionar as massas, auto-organizadas nos conselhos operários, a fazê-lo - estas organizações pertencem ao novo movimento operário. O novo movimento operário já existe, embora incipiente. Ainda não é possível falar de uma estrutura organizativa desenvolvida. Atualmente, o movimento assume a forma de pequenos grupos clandestinos de propaganda, que surgem aqui e ali, com opiniões diversas sobre muitas questões teóricas e práticas. Entretanto, já são os órgãos pelos quais o proletariado tenta compreender sua verdadeira situação. Inseridos nas massas proletárias, resgatam a memória e o projeto da classe. Espontaneamente, no início, os grupos se formam, sem muita coesão e com diferentes concepções. Suas experiências são divulgadas e muitas delas reconhecidas como um aprendizado necessário. A maioria também defende a unificação das concepções divergentes nos conselhos operários. Partido ou Grupo Operário Mas esses grupos operários e/ou de propaganda devem ser vistos como novos partidos? Esses grupos tem, como os partidos, um programa político; mais ou menos fixaram opiniões, com diversas orientações para sua ação e para a luta de classes em geral. Então, poderia ser dito que eles se parecem com os partidos, que ficam distantes das massas, colocam-se acima delas e querem dominá-las. Mas se engana quem julga assim, pois não vê que os novos grupos operários encorajam as massas proletárias a lutar autonomamente para sua emancipação, abolindo todas as formas de dominação. Deste modo, sua propaganda não faz deles órgãos de dominação, mas instrumentos pelos quais os proletários assimilam o conhecimento necessário para abolir toda dominação. Muito diferente é a maneira como agem os partidos. Estes querem primeiro tomar o poder do estado. Depois, por meio de regulamentos, leis e medidas governamentais, impor seus programas. É assim que se faz, na sociedade burguesa. Mas a política pressupõe as oposições de classe na sociedade, e é intrínseca a elas. E só tem como finalidade um abrandamento das oposições, "compensá-las". Ora, a oposição entre senhores e escravos só pode ser "compensada", se os senhores e os escravos permanecem. Mas essa "compensação" não suprime o antagonismo de classes no qual se baseia toda a sociedade burguesa e também seu governo, mesmo que se autodenomine comunista. Se os proletários, auto-organizados nos conselhos, tomam o poder e efetuam as medidas necessárias para a apropriação coletiva das condições de produção e de suas próprias vidas, somente assim o antagonismo será suprimido. Isso não pode ser realizado por nenhum governo, mas num processo em que as massas insurrectas amadurecem e emergem como poder social. Os novos grupos operários, levando em conta o caráter específico de dominação que é intrínseco ao "partido", orientam sua propaganda contra esse caráter. E, quando têm um programa, este inclui o mais firme repúdio às concepções vanguardistas dos partidos. Além de nada terem em comum com o que se entende por "partido", os grupos operários diferem essencialmente e não devem ser vistos como partidos. Hoje, são chamados de "grupos operários". O nome que futuramente receberão é uma questão em aberto. Os Grupos Operários Vista de fora, a tarefa dos grupos operários é modesta. Neles, a frase revolucionária, o discurso brilhante dos chefes sindicais e partidários, a ruidosa propaganda perderam todo o sentido. A eficiência dos grupos operários é muito maior do que o estardalhaço dos partidos. Aqui e ali, os grupos estudam e se informam. O resultado dessa atividade não aparece logo. Mas, quando grupos operários surgem por toda parte, informando os trabalhadores sobre os antagonismos sociais, o quadro se altera. Sua tarefa não é mais pequena e modesta, mas gigantesca e fundamental. Nos grupos operários, o proletariado cria o instrumento com o qual assimilará a ciência das forças sociais. Esta é a hora. A menos que todos os indícios nos enganem, a tendência dominante evolui nessa direção. O que permanece atuante são pequenos grupos ilegais de discussão, nos quais os trabalhadores procuram se orientar, nas novas condições. É somente nesses grupos que, de fato, um movimento operário autônomo, nas condições atuais, é possível. E o que hoje - mesmo na Alemanha nazista - é real, num futuro próximo acontecerá noutros países. Então, neles também, o tempo terá chegado. Com o colapso do velho movimento operário, as novas formas de discussão e propaganda clandestinas ou, como preferimos chamar, os grupos operários, se tornarão necessários. Os grupos operários surgem quando proletários se reúnem para discutir a situação de sua classe. Eles são frágeis e inseguros, ainda não podem se manifestar de forma autônoma. É tão pouco o conhecimento e falta a experiência de certas funções, como a divulgação dos novos princípios. Tudo deve começar pela atividade séria e cuidadosa, sobre si mesmo e sobre o grupo. Portanto, é necessário que os grupos entendam a grande importância de sua atividade para a auto-emancipação revolucionária do proletariado. Quando ficar claro para os proletários que eles são capazes de atuar na auto-educação de toda a classe, cada um em sua localidade e grupo - como uma engrenagem sem a qual não funciona a potência revolucionária da classe - e se a classe começa a agir, eles se dedicarão de todo coração a essa tarefa. Então, o que ainda hoje parece impossível para muitos será realidade. Os grupos operários, que avançam neste sentido e que reconhecem a complexidade do problema da auto-emancipação do proletariado, devem se dirigir aos seus irmãos de classe. E, apelando com a força de seu exemplo, devem mostrar a necessidade de cada grupo formar uma unidade autônoma e capaz de pensar por si mesma, divulgando seu próprio material de propaganda. Cada novo grupo deve ser um centro de irradiação da idéia de autonomia proletária, e impulsionar a formação de outros grupos. Há um campo de atuação tão extenso que nos faltam forças. Mas, desde que seja intensificada, nossa atuação liberará as novas forças que despertarão o entusiasmo e a combatividade de toda a classe. Aquilo que o indivíduo, por si mesmo, não pode fazer torna-se possível, primeiro no grupo operário e depois na coordenação dos grupos que finalmente cria o vínculo orgânico de toda a classe. A análise crítica dos mutáveis fenômenos sociais, que no velho movimento era monopólio dos intelectuais e chefes, é aqui realizada pelos próprios trabalhadores. É muito difundida opinião, preconceituosa e totalmente errada, segundo a qual os proletários são incapazes de ação direta. Inversamente, constata-se que os intelectuais e líderes do velho movimento operário são incapazes de analisar o desenvolvimento do proletariado revolucionário. Eles não vêem o fenômeno como os trabalhadores revolucionários porque seus objetivos são diferentes: hoje posam de chefes, e querem ter esse papel, no futuro. Seu pensamento não pode ser diferente do que é exigido na função que desempenham nesta sociedade. Eles formam uma camada privilegiada, cuja função se constrói sobre o trabalho assalariado, a exploração e a opressão do proletariado. Eles lutam pela manutenção dessa função. Por conseguinte, a abolição do trabalho assalariado e o poder operário deve aparecer-lhes como uma perigosa utopia. Os proletários, contudo, têm de aprender por si mesmos o saber que expressa as leis sociais de movimento, comprovado no processo da sociedade atual. E, o que também tem sido mais ou menos confirmado, pode ser aplicado somente pelos trabalhadores. Este saber nos informa, entre outras coisas, que a ordem da sociedade capitalista sempre exaspera os antagonismos que é incapaz de dominar. E que somente a classe operária é capaz de acabar com isso, suprimindo a escravidão assalariada. Essa tarefa começa onde e quando surgem os grupos operários que analisam os fatos sociais e desenvolvem uma inteligência coletiva, de classe. Um pouco por toda a parte, surgem grupos com um modo semelhante de pensar. A tarefa é enorme, mas será efetuada com a inesgotável energia das massas, que abrirão o caminho que leva à emancipação revolucionária do proletariado. As "doenças infantis" O recém-nascido movimento operário tem suas "doenças infantis", que são um risco para os novos grupos operários. Nos últimos anos, esses grupos surgem e logo desaparecem. As causas são basicamente duas. A primeira e mais essencial é que os grupos, carentes de embasamento teórico, confundem as idéias antigas com as novas. A segunda causa reside no fato de que a atuação nos novos grupos deve ser totalmente diferente da atuação no velho movimento. As qualidades intelectuais necessárias não estão imediatamente dadas, devem ser aprendidas na luta. Por essas duas razões, o problema do grupo em formação é muito mais difícil do que parece à primeira vista. O insuficiente embasamento teórico pode ser perigoso, acarretando o envolvimento em ações inconseqüentes. Mas quando a impaciência substitui a perspicácia, os proletários agem impensadamente, acreditando que basta desencadear ações para suprimir os chefes. E o pior é quando isso se torna habitual, com a justificativa de "revolucionarização" da classe operária e de sua "educação" para a luta de classes. Há companheiros que usam uma linguagem terrivelmente "revolucionária". Sua descrição da luta de classes é horripilante e sempre conclui com a estereotipada alternativa: revolução ou barbárie. Isso lhes dá a sensação de serem os mais revolucionários, a convicção de que são a vanguarda combatente da revolução proletária. Mas o que fazem é descarregar sua impaciência revolucionária com palavras fortes, que, como tiros de festim, não produzem qualquer efeito sobre a luta de classes. A frase revolucionária não pode substituir o que a classe necessita, em matéria de perspicácia. Essa maneira de "amadurecer" o proletariado para a revolução só demonstra que esses "combatentes de vanguarda" ainda carecem da mais elementar compreensão do proletariado e suas lutas. A segunda causa ou "doença infantil" é que os grupos ainda não encontraram a forma que convém às novas tarefas, e os operários que neles atuam devem adquirir as aptidões intelectuais necessárias para as novas condições. O que caracterizava as velhas organizações é que seus membros, unidos em torno de certos princípios, são controlados pela organização. O indivíduo se submete aos princípios que julga corretos; de fato, obedece a um aparato organizativo que impõe os princípios, muda-os, determina sua validade e até mesmo como os membros devem agir. O militante se submete à "liderança" da organização. Essa "liderança" é definida pelos regulamentos e estatutos, nos quais os direitos e deveres do indivíduo com relação à organização e vice-versa são fixados. Aquele que falha é chamado a se ajustar às regras da organização. Supõe-se que os estatutos garantam o controle e a influência dos líderes pelos liderados; mas as velhas organizações se transformaram num aparato burocrático, no qual os membros tem sua influência reduzida ao mínimo ou simplesmente anulada. As organizações operárias reproduzem a ordem política burguesa, em geral. O partido nazista deu um golpe final nesse desenvolvimento, fazendo do domínio do chefe um princípio. A liderança é agora responsável somente perante "Deus" e sua própria "consciência". Mas as regras e estatutos são ainda a base sobre a qual as atividades dos indivíduos na organização se conectam como um todo. Dessa forma, eles podem trabalhar juntos apesar de desconfiarem mutuamente do julgamento uns dos outros e estarem prontos para delatar seu vizinho ou parente que se oponha à organização. Nos últimos anos, os grupos que mantinham as idéias do velho movimento rapidamente desapareceram. Tentaram, com o aparato organizativo, lançar uma ponte entre as diferenças. Entretanto, nos pequenos grupos isso é quase impossível: a desconfiança mútua logo destrói esse tipo de ligação. A primeira lição é que os pequenos grupos só atuam quando os seus membros têm pelo menos uma concepção semelhante de suas tarefas. Os grupos que ainda hoje querem se tornar "grandes" - isto é, que sua organização cresça e seja poderosa - encontram-se na situação do velho movimento. Eles repetem os cacoetes do velho movimento operário: a organização conduz e o militante obedece. Atualmente, só quem tem a mesma opinião deve se associar no grupo operário. É melhor que os proletários se auto-organizem em muitos pequenos grupos, formando a consciência de sua classe, do que se submeterem ao "chefe infalível" da grande organização. Isso não só não exclui a interação dos grupos operários, mas a torna ainda mais necessária. Se essa interação for bem sucedida, ocorrerá a confluência das práticas numa grande organização. Mas essa confluência orgânica das práticas é resultante de um processo. Portanto, os grupos operários que constituem o ponto de partida do novo movimento devem se formar apenas com revolucionários cujas concepções sejam semelhantes. Essas concepções devem ser essencialmente diferentes das do velho movimento operário. A primeira e mais importante delas se refere à atividade do membro na organização. No grupo operário, o membro não se submete ao líder, mas se associa de modo igualitário com outros de semelhante compreensão e torna supérflua a "liderança". Os membros terão de ser capazes de superar suas divergências se a realização das tarefas o exige. SUMÁRIO Quando examinamos alguns dos aspectos gerais do novo movimento operário, verificamos que os objetivos que estabelece para si diferem muito dos do velho movimento. Este quer, por meio dos sindicatos e partidos, reformar o capitalismo. O novo movimento operário, porém, dirige sua atividade para a abolição do capitalismo. Através das lutas, impulsiona as massas à auto-organização nos conselhos operários, onde se realizam as funções e tarefas de produção e distribuição. Os grupos operários estendem os movimentos de massas, coordenando suas lutas e unindo-as em organizações autônomas. Esses grupos operários não fazem apenas propaganda, mas incentivam a auto-educação. Todos os intelectuais burgueses do mundo, mesmo unidos, não podem superar a oposição entre capital e trabalho, nem sequer descobrir a causa das constantes e crescentes catástrofes sociais. Ora, tal causa - o trabalho assalariado - é também o fundamento de suas funções privilegiadas na sociedade. Somente a classe operária pode fazê-lo, se não quiser continuar sendo esmagada no grau mais baixo da escala social. O problema central, cuja solução é urgente, consiste no enorme desenvolvimento das forças produtivas e na impossibilidade de utilizá-las com fins lucrativos. Portanto, o capitalismo só se mantém, mediante a destruição ou desativação das forças produtivas. Devemos fazer da solução desse problema a base teórica da auto-educação das massas e da nossa propaganda. Quando possuída pelas massas, a teoria se torna uma força material. É então que se torna compreensível e pleno o significado destas palavras: "A emancipação dos trabalhadores somente pode ser feita pelos próprios trabalhadores!" Tradução livre de The Rise of a New Labor Movement (http://kurasje.tripod.com/arkiv/1300f.htm ou http://www.geocities.com/~johngray/canne.htm) perpetrada pelo coletivo de tradutores da Biblioteca Virtual Revolucionária. Biblioteca virtual revolucionária

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