quarta-feira, 17 de outubro de 2012

COMUNISMO CONTRA DEMOCRACIA

- TESES - I. A democracia não pode ser reduzida a uma simples forma (nem mesmo a mais "adequada") da dominação capitalista. Ao contrário, a democracia se afirma, sempre, como a substância da ditadura capitalista, por sua ligação intrínseca e histórica com a mercadoria, "forma elementar da riqueza capitalista" (Marx). II. A gênese da democracia e seu desenvolvimento histórico (culminante no modo de produção capitalista) estão intimamente ligados à aparição da mercadoria e, portanto, à aparição, ao desenvolvimento, ao apogeu capitalista e ao desaparecimento do valor (a revolução comunista suprimindo o ciclo do valor). III. A democracia surge com a necessidade de constituir uma esfera política, uma comunidade de indivíduos - os cidadãos - submetidos aos interesses da classe dominante. O Estado é a organização da classe dominante para se manter enquanto tal, a democracia é esta mesma organização para o conjunto da sociedade. O Estado democrático, o Estado capitalista é, então, o apogeu, a síntese de todas as sociedades de classes porque ele é a organização ditatorial e terrorista da classe dominante e a organização de todos os indivíduos livres, iguais e proprietários, organizados no seio duma comunidade não-humana (e, neste sentido, fictícia) - a democracia - no interesse exclusivo da classe dominante. A mistificação é, pela primeira (e última) vez, total: o homem-indivíduo, cidadão atomizado não existe mais enquanto ser humano (isto é, enquanto ser genérico), ele não é mais do que uma mercadoria entre outras e, a esse título, livre e igual no interior da circulação. Ele não é, pois, enquanto indivíduo singular, senão um simples átomo político do capital. É na esfera da circulação - o Éden democrático, segundo Marx - que as classes e, em particular, a classe revolucionária - o proletariado - são negadas, destruídas, abolidas. Só existem cidadãos, organizados no e pelo Estado democrático. IV. Esta situação extrema de não-existência da classe revolucionária se reencontra nos períodos de contra-revolução intensa, quando o Estado democrático consegue atingir um grau tão elevado de purificação que pretende ser o único sujeito da história. As formas dessa purificação se reencontram tanto nas diversas frentes populares quanto nas diferentes formas de bonapartismo: do stalinismo ao nazismo, do fascismo ao peronismo. Neste sentido, as formas fascistóides (putschs militares de esquerda ou de direita) não são uma mudança de natureza da ditadura capitalista; ao contrário, são o seu reforço, conforme sua substância democrática: a negação ditatorial dos antagonismos de classes em benefício da dominação impessoal dos capitalistas enquanto classe. V. Consequentemente, rejeitamos toda aliança, frente,... visando a ligar o proletariado à defesa de tal ou qual forma da ditadura capitalista contra tal ou qual outra. Sendo essencialmente idênticas essas ditaduras, trata-se, para o comunismo revolucionário, de destruir a democracia sob todas as suas formas, não somente aquelas "malignas", "ditatoriais" e "militares", mas também as "benignas", "parlamentares" e "representativas". A revolução comunista será antidemocrática ou não será. VI. A democracia é, pois, a organização dos cidadãos (ou seja, a desorganização, a negação da classe revolucionária) em proveito da classe capitalista. O proletariado - desde que começa a se constituir em classe, reconstituindo uma outra comunidade de interesses na e pela sua luta - começa a destruir a democracia, a comunidade fictícia do capital, em benefício de seu projeto: a comunidade humana mundial, o comunismo. VII. A luta operária tende a afirmar seu próprio ser, sua substância, a nova comunidade de que é portadora e que só poderá se estender com a destruição total da sociedade burguesa, de seu Estado e de suas relações sociais: o trabalho assalariado. Desde que se afirmem, ainda que de forma minoritária e elementar, os interesses e as necessidades do proletariado na menor ação de classe, essa afirmação é uma afirmação ditatorial e antidemocrática, porque exige a força organizada de uma classe para impor, ao conjunto da sociedade, um projeto que não pode existir no interior do capitalismo senão como negação violenta de toda a ordem existente. Desde que se manifesta como ação de classe, isto significa, por sua vez, uma fissura, ainda que mínima, no consenso democrático, na comunidade fictícia, e o aparecimento, mesmo embrionário, da classe revolucionária, isto é, de uma comunidade baseada sobre os interesses históricos dessa classe: a sociedade comunista. O movimento comunista e a democracia estão, pois, em direta contraposição; eles representam, no mais alto ponto, a contradição, presente em todos os níveis da sociedade, entre comunismo e capitalismo. VIII. Logo que essa contradição explode e que o proletariado revolucionário se auto-organiza em classe dominante (a revolução comunista conduzindo à ditadura do proletariado para a abolição do trabalho assalariado), esta organização do proletariado em classe dominante realiza ditatorialmente o programa comunista, impõe cada vez mais radicalmente ao conjunto da sociedade a destruição do valor, a extensão e, portanto, a extinção da classe dominante enquanto esfera separada (negação da negação). A conclusão desse processo social é a emergência da sociedade comunista, sem classes e sem Estado. Antes, porém, afirma a ditadura do proletariado para a abolição do trabalho assalariado, destrói o Estado e a democracia, superando a atomização dos indivíduos, em proveito da aparição/generalização da comunidade nova prefigurada pela organização comunista dirigindo o conjunto do processo de transição. Assim, com o triunfo da revolução, está destruída a substância da ditadura capitalista: a democracia. IX. O processo ditatorial e terrorista de afirmação/negação do proletariado como classe dominante, destruindo cada vez mais as bases de sua própria dominação e fundando assim uma sociedade sem dominação, sem classes, sem Estado, sem violência,... nada tem a ver com qualquer democracia "operária". Ao contrário, a ditadura do proletariado para a abolição do trabalho assalariado é a mais completa negação da democracia, principalmente a dita operária. A confusão entre ditadura do proletariado e democracia "operária" é um dos desvios contra-revolucionários mais graves, destruindo a base mesma da ditadura do proletariado em benefício da retorno ao sistema de escravidão assalariada sob uma forma mais "operária". X. A democracia "operária" só faz prolongar e aprofundar todas as mediações do capital (entre política e economia, entre homem e sociedade,...) substituindo o culto do parlamento, das liberdades, dos indivíduos atomizados,... pelo culto idêntico, na essência, dos "sovietes democráticos", dos "sindicatos livres", dos operários atomizados,... Ao mito aclassista do povo, da nação, versão "democracia burguesa", corresponde o também aclassista dos "operários sociais", da "maioria explorada", das "massas populares", versão "democracia operária". O acréscimo do adjetivo "operária" à realidade da democracia, à sua ligação histórica com a mercadoria, com o dinheiro e o capital não altera em nada a substância da democracia; serve apenas para tentar, uma vez mais, fazer passar a realidade capitalista sob um vocábulo "operário". A democracia "operária" quer representar o pólo positivo da ditadura capitalista (na qual o pólo "riqueza" se opõe ao pólo "pobreza"), negando a totalidade que constitui essa ditadura: a produção/reprodução do valor sobre a base da escravidão assalariada. Assim como Proudhon e os socialistas burgueses, que queriam manter o capitalismo suprimindo seus aspectos mais "desagradáveis", os democratas "operários" querem, a qualquer custo, manter a democracia e seu cortejo de "Liberdade-Igualdade-Fraternidade", atribuindo à classe operária a irrealizável tarefa de suprimir o efeito mais "desagradável" do cortejo exploração-prisão-alienação. A democracia "operária" nada mais é do que o velho mito capitalista da gestão "operária": a administração, pelos operários atomizados, de sua própria exploração. Os proletários - atomizados, triturados, sufocados, negados enquanto classe - seriam assim ditatorialmente determinados a democraticamente votar pela continuação de sua exploração, pela perpetuação da escravidão assalariada. A ditadura do capital sob a cobertura da democracia "operária" é desmascarada: o capital sem contradição, uma "humanidade" composta unicamente de escravos assalariados que não existem senão como carne de mais-valia. XI. Para os revolucionários proletários, existe uma contradição fundamental entre comunismo e democracia. A vitória do comunismo implica necessariamente a destruição da democracia. " O pressuposto elementar da sociedade burguesa é que o trabalho produz imediatamente o valor de troca, logo o dinheiro, e que em seguida o dinheiro compra imediatamente o trabalho e não o trabalhador, que aliena por si mesmo sua atividade na troca. O trabalho assalariado, de um lado, e o capital, do outro, nada mais são do que outras formas do valor de troca desenvolvido e do dinheiro, enquanto sua encarnação. O dinheiro é, assim, imediatamente, por sua vez, uma comunidade real, na medida em que é a substância universal da existência para todos e, ao mesmo tempo, o produto coletivo de todos. Mas no dinheiro, como vimos, a comunidade é pura abstração, pura coisa exterior e contingente para o indivíduo singular e, ao mesmo tempo, puro meio de sua satisfação enquanto indivíduo singular isolado. A comunidade antiga pressupõe toda uma outra relação do indivíduo para si. E, então, o desenvolvimento do dinheiro, em sua terceira determinação, quebra esse indivíduo. Toda produção é uma objetivação do indivíduo, mas no dinheiro (valor de troca), a objetivação do indivíduo não é mais a do indivíduo em sua determinação natural, mas aquela em que ele está posto numa determinação (numa relação) social que lhe é, ao mesmo tempo, exterior." Marx - Grundrisse Traduzido de Le Communiste No 19, publicação em francês do G.C.I. (Grupo Comunista Internacionalista) Biblioteca virtual revolucionária

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