quarta-feira, 17 de outubro de 2012

CONTRA-REVOLUÇÃO NA ESPANHA - Capítulo 13

Capítulo 13 de « BILAN »: CONTRA-REVOLUÇÃO NA ESPANHA Jean Barrot O ANARQUISMO E SEUS DEFENSORES A guerra de Espanha demonstrou a falência do "anarquismo", assim como o 4 de agosto de 19l4 demonstrou a falência do "marxismo" (então, anarquistas notórios, como Kropotkin aderiram à União Sagrada [1]). A integração da C.N.T. ao Estado somente confirmou a crítica dos sindicatos feita pela esquerda alemã, depois de 1914. Qualquer que seja a sua ideologia, toda organização permanente de defesa dos trabalhadores se converte em órgão de conciliação e integração [2]. Mesmo reprimida e apesar de animada por numerosos militantes radicais, enquanto instituição, está condenada a lhes escapar e se tornar um instrumento do capital. A participação governamental de 1936 não é uma surpresa maior do que a capitulação dos partidos socialistas, em 1914. Em 1934, Maurin já observava que os anarquistas não fazem política diretamente, mas "por pessoa interposta" [3]. O mais interessante é o mecanismo prático e ideológico pelo qual tantos revolucionários, sinceros anarquistas, capitularam frente ao poder do Estado e, sob sua direção, aceitaram guerrear contra Franco. Desde os primeiros dias, C.N.T. e F.A.I. falam de luta militar contra os fascistas, e não da revolução social em curso ou por fazer. Mas o que parece paradoxal é totalmente lógico. O que se deve criticar no anarquismo não é sua teimosa hostilidade contra o Estado, mas sua negligência diante do problema do poder estatal. Dando sempre a impressão de ser, por excelência, o inimigo do Estado, o anarquismo é incapaz de definir uma atitude revolucionária contra o Estado. Seja porque o superestima, vendo na "autoridade" o adversário número 1 da revolução; seja porque o desconsidera, acreditando que a revolução pode ser feita sem o destruir ou que sua destruição se faça sem revolução. Marx disse, em 1871, que a revolução deve destruir o Estado. Os anarquistas pretendiam ir mais longe dizendo que é necessário destruí-lo imediatamente. É assim que se resume, com freqüência, a distinção marxismo-anarquismo: como disse Lênin, eles concordarão sobre o objetivo, mas divergirão sobre os meios. A verdadeira demarcação reside na compreensão das relações entre o Estado e a sociedade. Por não as compreender, o anarquismo é mais confuso do que falso, oscilando entre a superestimação e a subestimação do perigo estatal – como no caso da guerra de Espanha. A confusão anarquista se verifica no fato de que uma corrente tão hostil ao Estado o tolere e apóie. Não estamos falando dos dirigentes, mas dos militantes radicais. Foi o que se viu, na posição de Durruti e e mesmo em Berneri. Nenhum anarquista conseguiu entender o que acontecia na Espanha e tirar suas lições: eis o verdadeiro fracasso. Por um lado, o anarquismo dá muita importância ao Estado; por outro, o anarquismo não vê seu papel de garantidor (mas não de criador) da relação capitalista. A luta contra o Estado não é o objetivo, nem mesmo o aspecto principal da revolução, apenas uma de suas condições, necessária mas não suficiente. O Estado não é, efetivamente, nem o motor nem a engrenagem essencial do capital, mas o instrumento de sua força social unificada. Portanto, o verdadeiro problema não é o comportamento (aliás, normal) da C.N.T., mas a falência prática de uma corrente revolucionária. Antes de 1936, a C.N.T. oscilava entre a insurreição prematura - da qual Abel Paz dá uma descrição lírica no seu livro sobre Durruti - e o reformismo sindical. Face aos atos revolucionários (muitas vezes desesperados) de seus membros, ela aplicava o princípio: Sou vosso chefe, é necessário que vos siga. Mas não hesitava em abandoná-los, se fosse o caso. Em 1936, não podendo nem querendo "fazer a revolução", mas desejando assentar-se no sistema das forças burguesas existentes, a C.N.T. apóia uma esquerdização do Estado. Os órgãos criados sob sua inspiração (C.C. das Milícias) tentam guinar o Estado para a esquerda e talvez substituí-lo, mas sem o destruir, instalando-se como um poder paralelo. Ora, a essência do Estado não reside em formas institucionais específicas, mas em sua função unificadora: ele é a unidade do separado. Mesmo quando parece fraco, subsiste - se e porque é capaz de reunir os pedaços da sociedade capitalista - de qualquer modo. Depois, ele se reforça, preenche de novo as formas específicas que abandonara provisoriamente, em função da necessidade de esvaziar o autodenominado poder paralelo. Portugal, em 1974-1975, foi mais um bom exemplo. O antifascismo consiste em apoiar o Estado existente, sob a forma democrática, para evitar que tome uma forma ditatorial: alia-se sempre com o mais moderado. A república espanhola multiplica as concessões para seduzir as camadas médias, mas quanto mais o faz (chegando a competir em fervor nacionalista com os nacionalistas) mais se enfraquece. As democracias italiana e alemã também não puderam atacar as bases sociais do fascismo, porque essas bases nada mais são do que o capital. A C.N.T. aceitou tudo para salvar a unidade antifascista, e os anarquistas honestos não deixaram de criticá-la por isso, de Berneri a V. Richards. Mas sua degringolada e capitulação, diante das farsas jurídicas, da repressão etc., decorreram da aceitação original de uma ação possível conduzida pelo Estado. A F.A.I. (agindo como "partido" com relação à C.N.T., que controla como sua "organização de massa") foi clara: "Nós não podíamos lutar contra o governo que ia se constituir [depois de julho de 1936] porque toda luta e toda oposição eram enfraquecimento. Permanecer fora do governo seria ficar numa situação de inferioridade" [4] . Depois de apoiar o governo sem dele participar, decide integrá-lo (em setembro, na Catalunha; em novembro, no governo central). Em seguida - exatamente como os P.C.’s - explicam sua integração ao Estado: "Quando éramos ministros... vejam o que nós fizemos!" E enumeram suas realizações (resultantes de iniciativas populares e não de sua ação, que consistia em freá-las). Mas a autojustificação suprema se resume à idéia de que o governo legal não tinha poder: o movimento operário teria conservado "de fato, se não de direito, o poder político revolucionário" [5]. Mero sintoma da confusão já referida: a ideologia anarquista permitiria participar do poder capitalista... porque ele já não é mais o poder real. De duas, uma: ou o poder existe e a C.N.T. se submete ao Estado burguês; ou ele não existe e, então, porque participar dele? Para manter as aparências diante dos estrangeiros, responde a C.N.T. O "realismo político" faz com que a C.N.T. ela assuma todos os compromissos, mesmo depois que o Estado e seu aliado russo mostraram sua verdadeira face, massacrando os revolucionários. No momento crucial, a C.N.T., como o P.O.U.M., desarma ideologicamente os proletários ocultando-lhes o antagonismo que os opõe ao Estado. Ela os entrega à repressão, apelando pelo cessamento da luta contra um inimigo decidido a ir até o fim. Disposta a tudo para sobreviver, a C.N.T. se alia com U.G.T. Eis porque ela não defende o P.O.U.M.: "os libertários tinham que, antes de tudo, defender a si mesmos" [6]. Não havia outra alternativa, a partir do momento em que se aceitou a palavra de ordem: "Primeiro, vencer Franco". "Pois a C.N.T. não podia derrubar Negrin [primeiro-ministro socialista, aliado ao P.C.] e os comunistas e, já que estava de acordo com eles para continuar a guerra até a vitória, só lhe restava participar do governo custasse o que custasse" [7]. No pós-guerra, a C.N.T. participará dos governos republicanos fantasmas: não como antifascista, mas "antifranquista" [8]. No estrangeiro, a miragem espanhola funciona muito bem e os elogios à C.N.T. não faltam. Uma brochura belga assimila, por exemplo, 1931 a uma revolução política e se espanta que ela não tenha avançado mais e que tenha atacado os operários, quando os sindicatos queriam "ampliar sua participação na economia". E quanto à situação depois de julho de 1936: "Sob a direção da C.N.T., da F.A.I. e da U.G.T., os operários são senhores absolutos. Não restou nada do governo regular" [9]. Esse encobrimento dos fatos se torna mais chocante num texto que, em linhas gerais, é honesto. A posição de Prudhoummeaux parece ter sido encomendada. Proveniente da esquerda comunista, ele animara L’Ouvrier Communiste e depois Spartacus (não confundir com os Cahiers Spartacus posteriores, de R. Lefeuvre), passando da esquerda alemã ao anarquismo. Sua apologia da C.N.T.-F.A.I. é, talvez, seu pior texto: sua ingenuidade é similar às entusiásticas descrições da Rússia de Stálin feitas por aqueles que Trotsky chamava de "amigos da U.R.S.S.". Prudhommeaux reduz a revolução ao aspecto militar: "Armar o povo é o primeiro problema de toda luta social" [10]. Visível é seu formalismo operário, idêntico ao do P.O.U.M., dos trotskistas etc.: é como se o Estado e o C.C. das milícias estivessem sob a direção dos operários por intermédio das organizações "operárias". A apologia da democracia direta leva consigo uma concepção política de representação das massas por "suas" organizações [11]. Notas: [1] Sobre o anarquismo antes de 1914, cf. J.-Y. Bériou. Prefácio a D. Nieuwenhuis, Le socialisme en danger, Payot, 1974. [2] Cf. La gauche allemande. Textes, suplemento ao no. 2 d’Invariance, 2e série, em particular a intervenção de Bergmann ao IIIo congresso da I.C. [3] Alba, Histoire du P.O.U.M., p. 61. [4] C. Lorenzo, Les anarchistes espagnols et le pouvoir, 1869-1969, Seuil, 1969. p. 124. Cf. também pp. 102 sq. [5] C. Lorenzo, Les anarchistes espagnols et le pouvoir, 1869-1969, Seuil, 1969., p. 126. [6] C. Lorenzo, Les anarchistes espagnols et le pouvoir, 1869-1969, Seuil, 1969., p. 303. [7] C. Lorenzo, Les anarchistes espagnols et le pouvoir, 1869-1969, Seuil, 1969., p. 316. [8] C. Lorenzo, Les anarchistes espagnols et le pouvoir, 1869-1969, Seuil, 1969., pp. 355, 386. [9] J. de Boe, La révolution en Espagne, Bruxelles, s. d., pp. 10, 19. [10] A. e D. Prudhommeaux, La Catalogne libre (1936-1937). Ed. Le Combat Syndicaliste, 1970 (reprodução de uma brochura publicada na época por Spartacus), p. 5. Depois de 1945, esses dois autores publicaram um bom estudo histórico sobre as origens do P.C. alemão e a insurreição de janeiro de 1919: Spartacus et la Commune de Berlin, Spartacus, 1949. [11] La Catalogne libre, pp. 7, 59. 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