quarta-feira, 17 de outubro de 2012

CONTRA-REVOLUÇÃO NA ESPANHA - Capítulo 18

Capítulo 18 de « BILAN »: CONTRA-REVOLUÇÃO NA ESPANHA A LIGA DOS COMUNISTAS INTERNACIONALISTAS A evolução da Liga dos Comunistas Internacionalistas da Bélgica é comparável à da União Comunista, sobre a Espanha, ainda que a L.C.I. tenha posições bem mais claras sobre o antifascismo. Enquanto a U.C. publica durante muitos anos L’Internationale - um jornal para influenciar a base das organizações “operárias”, antes de se tornar uma revista policopiada -, o Bulletin da L.C.I. se apresenta como um órgão teórico. A U.C. exprime uma reação sadia, mas superficial, pelo menos até 1936. A L.C.I. traduz um esforço real de clarificação teórica, e não foi por acaso que ela colaborou muitos anos com Bilan antes de se separarem por causa da Espanha. Depois da vitória eleitoral da Frente Popular, o Bulletin [1] vê “uma frente de esquerdas burguesas com suas tendências moderadas e extremas que se junta à frente das direitas, onde o mesmo fenômeno se manifesta”. Por exemplo, o partido do radical-socialista Maura rachou em dois, seguindo a bem conhecida “política de oscilar entre esquerda e direita”. No conjunto, a análise do fascismo é idêntica à de Bilan. A Bélgica é um exemplo de país industrializado, onde o movimento operário está muito integrado ao Estado, a L.C.I. enfatiza regularmente que a democracia tem o mesmo programa – de união forçada das classes – do fascismo. Mas a Liga enfrenta importantes divergências, antes de julho de 1936, que cristalizam a questão eleitoral, na qual se esboça a clivagem posterior sobre a questão espanhola. Hennaut (dirigente da Liga) preconiza, na primavera de 1936, o apoio eleitoral ao Partido Operário Belga. Jehan (que animará a cisão minoria próxima de Bilan) propõe a abstenção [2]. Essas divergências repercutem, depois de julho de 1936, e exigem uma cisão: nenhuma colaboração é possível entre os que apóiam a luta armada antifascista e os que pregam a deserção nos dois campos. Os artigos de Hennaut e de Jehan, escritos quase que ao mesmo tempo, revelam duas abordagens diferentes. Hennaut está consciente do caráter contra-revolucionário do antifascismo, mas, contrariamente a Jehan, não considera decisiva a não-destruição do Estado, em julho de 1936. Lá onde Jehan considera o momento da ruptura (que não se produziu), Hennaut se liga ao movimento. Para Hennaut, Jehan fixa a evolução social sobre uma fase e reduz o proletariado ao partido, isto é, aos elementos já conquistados para o comunismo, negligenciando assim as possibilidades de influenciar outras camadas ainda em movimento. Para Bilan, segundo Hennaut, não haverá revolução na Espanha porque não existe partido. Esta crítica fundamental é aprofundada numa análise mais geral, que inclui a revolução russa, sobre a natureza do socialismo, da revolução e, portanto, do proletariado. Obnubilada, depois dos bolcheviques, pela questão do partido, a esquerda italiana interpretou tudo à luz da formação ou da carência do famoso partido. Mais tarde, tal crítica será retormada, para fins de polêmica medíocre. Num artigo de Socialisme ou Barbárie – “La crise du bordiguisme italien”, escrito em 1952 –, A. Vega ataca a negação do “papel ativo” e a idéia de uma luta de classes “eclipsada” [3]: “...por exemplo, em lugar de ver na subversão revolucionária de julho de 1936 na Espanha a conclusão de um longo período de luta de classes, limita-se a registrar uma ´explosão operária´ (?) de alguns dias, seguida de uma ´guerra imperialista´. A classe operária apareceu durante 24 ou 48 horas, mas logo desapareceu. Os combates continuam, porém. Há, então, guerra. Estamos no período das guerras imperialistas, portanto, é uma guerra imperialista! E, com a ajuda do ´leninismo´, vimos a Esquerda Italiana declarar (ao preço de uma cisão, é verdade...) que a palavra de ordem para a Espanha é a fraternização: fraternização dos operários armados com a guarda civil, os legionários e os falangistas. Esta interpretação torna completamente inexplicável a insurreição dos operários de Barcelona, em maio de 1937, apresentada como um massacre dos proletários, reduzidos ao papel de vítimas passivas pelo governo republicano.” Para Vega: “Os trabalhadores espanhóis... de 1930 e 1936 puseram constantemente em causa as bases do regime capitalista,... em 1936, destruiram suas instituições fundamentais, assumiram a gestão das fábricas e dos transportes...” Cada um apreciará, a seu modo, esse resumo e a prestação de contas dos fatos. Recentemente, um velho membro da União Comunista evocava igualmente “a posição delirante dos bordiguistas belgas e de Vercesi (não há partido bordiguista na Espanha - portanto, não há revolução) sobre o movimento revolucionário na península... Os bordiguistas da Bélgica, pouquíssimos, tinham uma posição aberrante... e, por exemplo, não compreenderam nada das jornadas de maio de 37, o Kronstadt espanhol (guardadas todas as proporções) ...” [4]. A crítica dirigida à esquerda italiana, de reduzir a classe ao partido, é bem fundada e mal infundada. Lendo Bilan com seriedade, percebe-se que essa revista fala de ausência do “partido” na Espanha apenas onde os movimentos proletários, antes de e em 1936, não atingiram o mínimo que exigiria uma organização comunista correspondente. No conjunto, a análise continua materialista: não há partido porque a classe não o criou. A experiência proletária anterior não pôde suscitar uma ação e, portanto, uma organização que rompesse com o capital o suficiente para desempenhar um papel decisivo no período crítico em que a sociedade poderia oscilar num sentido ou outro. Falar de ausência de partido é avaliar a força e as capacidades dos proletários espanhos. E não deplorar a não criação pelos revolucionários de um centro dirigente. É verdade, porém, que Bilan manifesta uma tendência à idealização do partido, que continua ainda limitada e não apreende o essencial da análise, mas faz parte da herança da esquerda italiana. É menos um traço ‘leninista’ (que só virá depois) do que um aspecto social-democrata radical adquirido pela esquerda italiana antes de se encontrar com os bolcheviques e Que Fazer? Esta idealização da organização e dos princípios era, antes de 1914, uma das soluções (ilusórias) dos elementos revolucionários da Segunda Internacional para escapar do reformismo dominante. Bordiga a concebeu separadamente de Lênin, e de modo mais profundo, na medida em que não estava marcado pela tese kautskista da ‘consciência’ a ser levada ao proletariado, o que dava ao partido que ele descrevia uma concepção mais materialista do que a de Lênin. Somente mais tarde, o contato entre os italianos e a Terceira Internacional reforçará o idealismo do partido, mas Bordiga conservará sempre sua abordagem original. Depois de 1945, a superestimação do partido será desenvolvida por ele sob as formas mais brilhantes e também as mais contraditórias, ainda que ele tenha dito que o partido era fator e resultado da revolução [5]. Seus herdeiros exageraram suas contradições até a caricatura. Com a ajuda do ativismo, o partido se torna a alma que espera seu corpo. Uma diferença profunda separa, no entanto, essas teorizações de Bilan. A distinção - admitida nos anos trinta entre “fração” (grupo que mantém e desenvolve a teoria, com uma prática muito limitada, num período de recuo), e “partido” (organização comunista do movimento proletário) – foi esquecida pela esquerda italiana depois de 1945, pois ela se constitui em “partido”, primeiro na Itália (1943-1945), depois à escala mundial (Partido Comunista Internacional). Num plano mais vasto, Bilan reproduz os limites da esquerda italiana em sua visão da revolução e, em particular, seu exagero da experiência russa. Mas essa revista era aberta para outras concepções e – sobretudo – à reflexão sobre o conteúdo do comunismo como destruição da lei do valor, através de um longo resumo dos Princípios de Base da Produção e Repartição Comunistas, texto fundamental sobre o tema [5 bis]. Como Hennaut assinala, era para ele o ponto de partida de uma reflexão diferente sobre o socialismo, embora Bilan não o considerasse mais do que um ponto a especificar. Ou seja, a crítica histórica da revolução russa e de sua degeneração jamais foi feita pela esquerda italiana, nem à época de Bilan nem depois, apesar dos inúmeros textos de Bordiga a respeito. Contudo, os adversários da esquerda italiana, de um modo geral, não superaram os limites dessa proibição a não ser para cair total ou parcialmente numa ou outra forma de conselhismo, substituindo uma visão limitada por uma outra. Uma nova panacéia (a magia da democracia e gestão operárias) substitui a antiga (a magia do partido). As polêmicas sobre a Espanha fizeram amadurecer as divergências e exageros respectivos – signo da incapacidade para apreender a totalidade. A esquerda italiana afirma com razão que os revolucionários não são obsecados pelo medo de se tornar um novo poder ou de se impor à “maioria”. Toda revolução é feita por uma minoria, ainda que importante, o que não impede a revolução comunista de ser obra da maioria, o conjunto dos homens tendendo a assumir progressivamente sua própria existência. Mas o papel mais ativo é desempenhado pela minoria. O essencial é que as medidas decisivas sejam tomadas, mas não “decretadas”, efetuadas realmente, mesmo que seja por uma minoria, inicialmente (nada a ver com as “minorias atuantes” do sindicalismo revolucionário, no qual um pequeno número é incumbido de dar o bom exemplo e dirigir as coisas). As bases materiais dum novo “poder” não estão no agir minoritário e muitas vezes ditatorial, mas na manutenção dos fundamentos do capital. O fator essencial não são as relações de dominação, mas as relações de produção da vida (material, afetiva, simbólica etc.). A revolução comunista só triunfará se for capaz de atrair, num prazo mais ou menos curto, as amplas massas, nutrindo-se de sua intervenção na vida social em todos os níveis (cf. “Revolução Política e Social”). Ao contrário, uma “revolução” que se oponha sistematicamente aos operários deverá reprimir as greves e não mudará nada ou quase nada do CONTEÚDO da sociedade (isto é, o essencial), - negando-se como revolução proletária. Foi o que aconteceu na Rússia. Mas não invertamos a explicação: foi porque a sociedade não foi revolucionada que o partido bolchevique conseguiu impor a ditadura de um estado não proletário, não comunista, que não poderia sobreviver senão desenvolvendo o regime salarial e, portanto, um estado capitalista. Os insurretos de Kronstadt não eram certamente comunistas, mas aqueles que os massacraram agiram como verdadeiros anticomunistas, reprimindo um movimento elementar ao nome de uma ditadura do proletariado que só existia nominalmente (pouco importam as intenções e o moralismo, que nos é estranho). Nem Kronstadt nem o estado bolchevique representavam a revolução comunista: simplesmente, a luta de classes prosseguia sob formas elementares – às vezes, pelas armas. A esquerda italiana nega a realidade das lutas operárias a pretexto de que o poder continuava “proletário”. Um poder só é revolucionário se favorece a revolução, no interior e no exterior, o que não aconteceu (cf. o curso direitista imprimido à I.C. – que se deixou levar – pelos bolcheviques). Ao contrário do que disse Bordiga, depois de 1945 [6], a revolução russa soçobrou na violência contra os proletários (repressão às greves e outras lutas, militarização do trabalho, processos stalinistas etc.). Os operários tomaram o poder em 1917 e o perderam muito depressa – definitivamente em 1921, mas no essencial antes. O aspecto burguês está quase sempre presente no bolchevismo e em Lênin, que são profundamente contraditórios [6 bis]. Este aspecto poderia ter sido minimizado, se uma revolução mundial fosse vitoriosa: o fracasso de suas tentativas maximizou-o. Mas esta não foi a causa decisiva da involução (Bordiga) da revolução russa: por que, então, os proletários a aceitaram? Postular um antileninismo sistemático é falsificar a perspectiva e interditar a verdadeira crítica: a da natureza do movimento social daquela época, de sua parcialidade. Hennaut foi menos capaz de tal crítica do que Bordiga, que apenas a intuiu. A grande diferença entre a Liga dos Comunistas Internacionalistas e a União Comunista a respeito da Espanha é que a Liga atribuía mais importância à evolução interna do país do que à pressão internacional (sobretudo, russa), como fator de reforçamento da contra-revolução na Espanha. Em novembro de 1936, depois de ter mostrado os efeitos da não-intervenção, Hennaut questiona “Aonde vai a Revolução espanhola” [7]: “A modificação essencial aconteceu na frente interna da revolução espanhola. O governo de Madri, que continua sendo o governo do capitalismo espanhol, retomou firmemente em suas mãos as rédeas do poder que por instantes lhe pareciam escapar. As milícias operárias obedeciam docilmente as ordens dos militares republicanos... A partida ainda não estava completamente perdida, mas as posições dos operários espanhóis tinham sido seriamente comprometidas. Assim, realizaram-se as condições para a reabsorção da revolução na geléia geral dos imperialismos que então se preparava.” Mesmo considerando que depois de maio de 1937 a guerra de Espanha adquiriu um caráter imperialista, os grupos como U.C. ou a Liga hesitavam em lançar a palavra de ordem do “derrotismo revolucionário”. Tal apelo só poderia ter um valor de princípio (cf. “Questão Nacional”). A esquerda italiana tendia a viver uma repetição geral de 1914-1918, e raciocinar em termos da esquerda de Zimmerwald. Esta ilusão ultrapassa muito um simples erro de apreciação do período. Certo, essa corrente pôde acreditar numa retomada possível do movimento antes, depois ou durante o desencadeamento da futura segunda guerra mundial. A mudança de título, de Bilan para Octobre, em 1938, equivale por si mesma a um programa. Sobre a cobertura de Bilan, podia-se ler esta menção, muitas vezes repetida: “Lênin 1917 – Noske 1919 – Hitler 1933”. Era uma revista de resistência, numa conjuntura “historicamente desfavorável”. Octobre traduz bem a idéia (ou antes, a esperança) da passagem a uma outra fase. Mas há mais. A esquerda comunista, de todo modo, não podia mais desempenhar o papel da esquerda socialista depois de 1914. O derrotismo revolucionário correspondia, em 1914, à atitude de pelo menos uma fração do proletariado, e se exprimia por canais limitados ainda que reais. Partidos inteiros – como o partido bolchevique e partido sérvio (bem implantados, embora minúsculos) – recusaram a União Sagrada. A situação era bem outra no final dos anos trinta. A diferença não era quantitativa, mas qualitativa. A esquerda comunista estava separada do “movimento operário”, ela não tinha suas raízes, não dispunha de contatos sérios nem apoios. Ao contrário da extrema esquerda social-democrata depois de 1914, a esquerda comunista enfrentava organizações operárias integradas ao capital, e não restava nenhuma minoria proletária. Toda atividade da esquerda italiana é atravessada, até hoje, pelo mito (tomado da I.C.) da re-forma de um “verdadeiro” movimento operário. Há a idéia de reconstruir as mesmas organizações operárias (econômicas e políticas, com a divisão sindicato-partido) – agora, com novos princípios (de luta de classe) –, sem compreender que a renovação proletária se faria de outra maneira (isso não implica uma mudança total, ou então seria necessário demonstrar que capital e proletariado mudaram de natureza, o que não é o caso). Notas: [1] Qüinquagésimo ano, no. 3, março 1936. [2] Cf. os nos. de abril e maio de 1936. O no. de junho relata a conferência. Três pontos sublinham as divergências: a natureza dos movimentos de massa no período, as correntes de esquerda saídas da social-democracia e a formação do partido. A tendência próxima de Bilan defende genericamente as posições radicais contra a tentação centrista, mas se ilude sobre a experiência da I.C. Não se pode examinar a formação do partido nem pelas contribuições variadas e confusas, nem a partir do núcleo saído da I.C. Na questão eleitoral, Hennaut propunha votar por uma das três listas “operárias” (socialista, socialista dissidente ou PC). A conferência se pronunciou favorável (15 votos contra 9, dos que defendiam a abstenção). A nova direção inclui 4 representantes da maioria e 1 da minoria. Para compreender a perplexidade dos revolucionários diante das eleições é necessário lembrar que mesmo a esquerda alemã não tinha, em 1920, uma posição clara. A maioria considerava que as eleições desviavam os proletários da revolução em período de aguçamento da luta de classes. Somente Rühle compreendeu que a época em que os revolucionários participavam da vida eleitoral estava irremediavelmente terminada, porque tudo que a cercava havia desaparecido: grandes partidos socialistas com minoria radical, papel relativamente progressista da democracia em certos casos, etc. A questão abstencionista não se põe porque o velho movimento operário não existe mais. Bordiga sempre a considerou um ponto tático: o PC fundado pela esquerda depôs de 1943-1945 (cf. nota 3 do capítulo Esquerda Italiana?) participará depois de 1945 das eleições. Hoje ainda, o PC Internacional recorre ao voto em determinadas situações (por exemplo, referendum sobre o divórcio, na Itália). [3] No. 11, novembro-dezembro de 1952. [4] Carta de Chazé à La Jeune Taupe, op. cit. [5] Cf. Renversement de la praxis, in Programme Communiste. no. 56, pp. 55-62. [5 bis] O resumo de Principes de base publicado nos nos. 19, 20 e 21 de Bilan foi publicado no no. 11 dos Cahiers du Communisme de Conseil. [6] Invariance, 1a série, no. 9, p. 71. [6 bis] Cf. Pannekoek, Lénine Philosophe, Spartacus, 1970; Barrot, Guillaume, postfácios a Kautsky, Les trois sources du marxisme, Spartacus, 1969; e Authier, préfacio a Trotsky, Rapport de la délégation sibérienne, Spartacus, 1970. [7] Boletim da L.C.I. novembro de 1936. Próximo Capítulo: A Esquerda Alemã Biblioteca virtual revolucionária

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