quarta-feira, 17 de outubro de 2012

CONTRA-REVOLUÇÃO NA ESPANHA - Capítulo 19

Capítulo 19 de « BILAN »: CONTRA-REVOLUÇÃO NA ESPANHA A Esquerda Alemã Como a “esquerda italiana”, a “esquerda alemã” [1] – que foi muito atuante, sobretudo nos países baixos e nos EUA – afirma que o fascismo é uma tendência do capital, impulsionada por todos os que se situam em sua lógica, a começar pelos democratas. International Council Correspondence, revista animada por P. Mattick, dedicou inúmeros artigos à demonstração de que o fascismo existe nos países democráticos, entre eles os Estados Unidos. O I.C.C. escreveu, em setembro de 1935: “o velho movimento operário tenta se livrar do fascismo aderindo a ele”, e denunciou “os concorrentes do fascismo”. Depois, em dezembro: “De todos os contra-revolucionários efetivos e potenciais, os mais desprezíveis são, sem dúvida, os socialistas” [2]. A revista comenta assim as eleições de 1936, na França [3]: “Há derrotas que são vitórias, e vitórias onde se esconde a derrota... Na realidade, os operários franceses sofreram sua primeira derrota decisiva na luta contra o capital... Quem quiser lutar contra o fascismo deve, hoje, lutar contra Blum e a Frente Popular. Deve afirmar esta verdade: a “vitória” francesa é de fato o início de toda uma série de derrotas. Os operários estão no mau caminho; com Blum e Thorez, eles marcham em linha reta para o fascismo.” Mas a análise dos acontecimentos espanhóis, posteriores a julho de 1936, negligencia o que ocorreu em julho de 1936. Segundo o número de outubro de 1936 [4], o problema não é que as milícias sejam ou não integradas ao exército regular, mas – sobretudo – que restem milícias (e em que proporção) cuja atividade não se integra à defesa do Estado, como o faria um exército regular. Se os nacionalistas vencerem, os operários serão esmagados: “Mas mesmo sua derrota não pode mudar a situação, que é objetivamente madura para a revolução.” O número seguinte (novembro de 1936) reproduz um apelo da F.A.I., que pede armas. Preocupada com a democracia operária, a esquerda alemã deixa de lado algumas noções elementares sobre a natureza da revolução e privilegia a margem de autonomia que pode ainda restar aos proletários, apesar do enquadramento total das milícias pelo Estado, subestimando o enquadramento. Seu antibolchevismo sistemático e seu formalismo antipartido a confundem, a ponto de ver no anarquismo espanhol uma forma de organização que – apesar de seus defeitos – é útil para uma atividade proletária autêntica. Comparando, por outro lado, o P.O.U.M. aos bolcheviques (!), I.C.C. verá na CNT catalã “uma força revolucionária”: equívoco flagrante, tanto mais grave por ter sido essa avaliação afeita em abril de 1939, quando toda a informação disponível demonstrava o contrário. O preconceito antipartidário levou a esquerda alemã a abandonar uma de suas contribuições decisivas: a crítica dos sindicatos. Ora, o que era a CNT senão uma central sindical? Neste ponto, a I.C.C. está mais atrasada do que a União Comunista e a LCI belga. Mas, como esses grupos, I.C.C. vê rapidamente o reforçamento da contra-revolução, e escreve, em março de 1937: “Até o presente momento, o que ocorreu foi – mais por imposição da necessidade de ganhar a guerra – um controle da produção, e não uma verdadeira socialização... O socialismo ainda não está implantado em Espanha, e tampouco se desenvolve. Para fazê-lo, é necessário aprofundar a revolução; ora, o que se faz atualmente é contê-la.”. O I.C.C. publicou uma critica rigorosa do anarquismo, mas o autor do artigo viu o fracasso do anarquismo na concepção econômica do socialismo, não na questão do poder político [5]. H. Wagner se limita à “falsa” gestão operária e à “má” supressão da lei do valor pela coletivização anarquista: só a organização dos conselhos, diz Wagner, retomando a tese dos Princípios de Base... permite o cálculo do tempo de trabalho social necessário à produção dos bens. Como já expusemos, esta concepção tem o grande mérito fundamentar a exigência da destruição da economia e do valor mercantil, numa época em que a esquerda italiana, por exemplo, ignora o problema. Embora o faça baseada em noções que é necessário criticar [6]. Paradoxalmente, tal sistema revigora o que quer anular: o tempo de trabalho social médio nada mais é do que a substância do valor e a base do capital. Sua produção é o que regula a sociedade capitalista. A esquerda alemã desejaria substituir sua ação espontânea e anárquica por um cálculo consciente, afinal possível graças aos conselhos operários, únicos em sua capacidade de conhecer (exatamente e sem a intermediação da moeda) a quantidade de trabalho social médio materializado em cada produto. Sobretudo, essa tese revela uma concepção economicista da revolução, na qual se trataria antes de fundar as bases duma economia racional, planificada. Na época, nenhuma corrente da esquerda comunista sequer colocava o problema. A esquerda alemã nega a questão política, que Bilan põe no centro de sua análise e termina por privilegiar (cf. “Revolução Política e Social”). A crítica dos anarquistas por Wagner não acompanha qualquer análise dos eventos de julho de 1936. A questão do Estado é escamoteada. Se as transformações sociais são corretamente vistas pelo I.C.C. em sua diversidade, o poder político não é visto em sua unidade, e principalmente na sua existência concentrada sob a forma do Estado. Wagner se junta à posição anarquista quando assimila a revolução a uma emancipação geral desprovida de centro de gravidade (situando o único fator de unificação no nível econômico) – para “organizar seu poder contra a burguesia”, os operários devem “antes de tudo, liberar suas organizações de fábrica da influência dos partidos e dos sindicatos oficiais”. A questão do poder é compreendida na sua extensão a toda a sociedade, não como totalidade. K. Korsch analisa a guerra de Espanha na revista (agora denominada Living Marxism) em 1938 e 1939 [7]. Não somente não faz qualquer crítica de fundo à CNT-FAI, mas nem mesmo tira as conclusões do que ele mesmo havia mostrado: a burguesia jamais perdeu o poder do Estado, que apenas sofreu “um momentâneo eclipse”. Seu erro foi transpor para um período revolucionário de sua vida a mesma concepção da revolução como socialização progressiva, que ele havia defendido no seu período reformista. As medidas não são as mesmas, mas o mecanismo permanece: a revolução será uma tomada dos meios de produção pelos trabalhadores, a questão do poder não terá qualquer especificidade e se resolverá em todos os órgãos da vida social. O capital é concebido mais como modo de gestão do que como modo de produção, o comunismo mais como organização da produção do que como atividade. Mas a revolução só pode se manifestar como processo se for também ruptura, inclusive ao nível político. A esquerda italiana hipertrofia o político, a esquerda alemã o dissolve no econômico. Notas: [1] Cf. Authier, Barrot, La gauche communiste en Allemagne, anexos I e II, sobre a esquerda alemã e holandesa nos anos trinta. [2] « Portrait de la contre-révolution ». Composto de três revistas – International Council Correspondence, Living Marxism et New Essays (1934-1943) –, reimpresso por Greenwood Corp., Westport, Conn., U.S.A., 1970. Uma seleção (muito orientada para o aspecto anti-burocrático e anti-leninista) foi feita em La contre-révolution bureaucratique, U.G.E., 10/18, que cita em anexo os títulos dos principais artigos. Cf. também o texto de Mattick «De Marx à Hitler» (sobre Kautsky ), in Intégration capitaliste et rupture ouvrière, E. D. I., 1972. [3] «La défaite en France». [4] «La guerre civile en Espagne!» [5] «L’anarchisme et la révolution espagnole», no. de junho de 1937, in La contre révolution bureaucratique, op. cit., pp. 209-38. [6] Barrot, Contribution à la critique de l’idéologie ultra-gauche, in Communisme et « question russe », La Tète de Feuilles, S.E.F., 1972. [7] No de maio de 1938 e abril de 1939, reproduzido in Korsch, Marxisme et contre révolution, Seuil, 1974, pp. 242-51. Segundo o apresentador, S. Bricianer, Korsch recusou-se «as comodidades do fatalismo histórico e da negação sectária» ( p. 242 ). A leitura de Bilan permitirá julgar a exatidão dessa alusão à esquerda italiana. 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