quarta-feira, 17 de outubro de 2012

CONTRA-REVOLUÇÃO NA ESPANHA - Capítulo 20

Capítulo 20 de « BILAN »: CONTRA-REVOLUÇÃO NA ESPANHA Esquerda Italiana? Bilan é uma das melhores expressões da esquerda italiana [1]. Mas falar de “esquerda italiana” é uma simplificação. Equivale na maioria dos comentaristas a uma deformação, idêntica à que na “esquerda alemã” encobria realidades complexas, na época em que o termo ainda designava um movimento social vivo e concepções tão diversas como as de Gorter, Rühle, Pannekoek. A “esquerda italiana“ é com freqüência subestimada, por trás da pessoa de Bordiga, na medida em que é – sobretudo na França – conhecida através de seu representante “oficial”, o Partido Comunista Internacional, que é antes de tudo “bordiguista”: partido de Bordiga. Le Reveil Communiste assinalava, em janeiro de 1929, que “os bordiguistas entram em contradição com Bordiga...”. Bordiga é só um aspecto, o mais rico e também o mais contraditório, por vezes o mais equivocado, da esquerda italiana. Os dois elementos mais profundos de Bordiga são: por um lado, o anti-educacionismo e o materialismo, que percorrem toda a sua obra, apesar de fortes tendências contrárias (culminando com a idealização do partido); por outro lado, sua visão do comunismo exposta a partir dos anos cinqüenta [2]. O movimento revolucionário que renasce, há alguns anos, se baseia no segundo aspecto de sua obra. Mas essa ´retomada´ teórica é também uma crítica dos erros de Bordiga que passa pelo conhecimento de outras correntes da esquerda italiana. O adjetivo ´italiana´ é empregado no sentido amplo: a emigração deu à esquerda italiana um caráter belga e francês. Muito cedo, alguns perceberam – de modo global, ainda que sumário – as insuficiências da esquerda italiana, mesmo sem a criticar (por exemplo, Le Reveil Communiste). Outros foram mais longe. Há um preâmbulo que resume sua história (tal como ela mesma a vê), até 1930. Sua evolução posterior é mais complexa [3], esperamos abordá-la numa coletânea sobre a esquerda comunista. Em todo caso, a primeira condição para compreender essa corrente é reconhecer sua heterogeneidade. Assim como os conselhistas dos anos cinqüenta e sessenta ignoravam e/ou escondiam seu passado e o movimento real, do qual tinham uma imagem longínqüa e frequentemente difusa, os atuais representantes oficiais da esquerda italiana, incapazes de conhecer sua origem e sua realidade sectária, dissimulam mais ou menos conscientemente seu passado, em particular a revista Bilan. Uma das razões essenciais dessa atitude diz respeito à questão espanhola. A análise da guerra de Espanha por Bilan questiona as teses leninistas sobre o imperialismo e a questão nacional, desenvolvidas por Bordiga. Notas: [1] Bilan era, inicialmente, o órgão da Fração de esquerda no P.C. d’l. (fundada em1927, em Pantin). Depois, da Fração Italiana da Esquerda Comunista, a partir de 1935. Cf. nota 2 sobre os textos. [2] Cf. seus textos sobre a questão agrária, publicados no Le Fil du Temps, e Bordiga et la passion du communisme, Spartacus, 1974. [3] Nós a resumimos aqui, esquematicamente. O grupo que publicava Bilan, animado por O. Perrone (pseudônimo Vercesi) só queria, depois de 1943, atuar teoricamente e criticava o ativismo do P.C. Internacionalista de Itália, fundado em 1943-1945 (cf. abaixo). Ele romperá mais tarde com o P.C.Internacionalista, em particular, sobre a questão colonial e nacional, negando o caráter “revolucionário” dos movimentos nacionais, o que está na ortodoxia de Bilan. Perrone morreu em 1957: cf. sua biografia em Programme Communiste, no 1 outubro-dezembro de 1957 (multicopiado). O P.C. Internacionalista da Itália (que se tornou, logo após, P.C. Internacional) tinha milhares de militantes até 1945, mas reunia tendências diversas. Logo que o P.C.I. oficial se tornou oposicionista, depois de 1947, o P.C. Internacionalista da Itália rapidamente se esvaziou. A heterogeneidade irrompeu no congresso de Florença, em 1948. Damen e outros fundadores do partido defendiam a intervenção mais ampla possível (inclusive, eleitoral). No início dos anos cinqüenta, Damen rompeu com o P.C. Internacional – o motivo era a questão nacional, pondo em causa a análise leninista – sobretudo, porque ele não aceitava concentrar-se na elaboração teórica. Sua posição sobre a Rússia, insistindo no capitalismo de Estado e burocrático, aproxima-o durante algum tempo de Socialisme ou Barbarie (cf. nota 82), cujo no. 12 publica um texto resumindo-lhe as opiniões. Damen funda um outro P.C.Internacionalista, que ainda existe e cujo órgão é Battaglia Comunista. A atitude de Bordiga é ambígua. Nos anos trinta, afastou-se da militância: preso, depois libertado e vigiado, provavelmente afetado pela ruptura com a I.C. e o P.C.I. oficial (que o expulsou como “trotskista”), ele vive na Itália e prepara sua atividade teórica para o pós-guerra. Depois de 1943, sem se iludir sobre a “reforma do partido” e, como Perrone, priorizando a teoria (sempre concebida como restauração doutrinal), ele participa (um tanto afastado) das atividades do P.C.Internacionalista, o qual utiliza para publicar seus textos, aceitando compromissos com os mais leninizantes e mesmo trotskizantes, apostando na virtude de uma continuidade organizacional. J. Camatte, a propósito disso, fala de um “entrismo luxemburguista” (Invariance, primeira série, no 9, pp. 138-53). Em 1948, Bordiga nem sequer estava filiado ao partido. Ele se manteve à margem até sua morte (1970), deixando o partido utilizar seu prestígio e sua capacidade teórica em troca da publicação de seus textos. A imagem do Bordiga sectário, divulgada entre os “marxistas”, não corresponde aos fatos. É importante ler muitos de seus textos (como os de 1965-1966 sobre o partido: cf. Défense de la continuité... Ed. P.C., 1974) e levar em conta os compromissos: 1) entre ele e os outros dirigentes do partido; 2) entre seu ultrapassamento teórico e sua fixação na época das segunda e terceira Internacionais. Na França, Internationalisme foi publicada a partir de 1945 pela Gauche Communiste de France, que pretendia ser a organização da esquerda comunista. Mas rompeu com o P.C. Internacional, que ela criticava por ter se contituído em partido, ser oportunista (eleições etc.), e aceitar elementos de passado duvidoso (cf. a participação de Perrone no comitê antifascista). A G.C.F. desenvolve as teses de Bilan sobre a questão nacional e lhes soma a posição de Rosa Luxemburgo. Também questiona a posição leninista sobre os sindicatos. Sua revista (40 números, de 1945 a 1950) é de alto nível, enquanto os que se tornaram então representantes oficiais da esquerda italiana na França (fração francesa da Esquerda Comunista: cf. abaixo) fazem principalmente agitação e vivem das glórias passadas. Ao contrario, Internationalisme opera uma espécie de síntese das esquerdas italiana e alemã, publicando a Histoire du mouvement des conseils en Allemagne de C. Meijer e Lénine Philosophe. Mas recusa-se a assimilar a revolução russa a uma revolução burguesa. Esse grupo é hoje a Corrente Comunista Internacional, representada na França pela Révolution Internationale. Ele afirma tirar o melhor de Bilan, acusando o P.C. Internacional de regressão frente à esquerda comunista de antes, o que é verdade. Mas é verdade também que a C.C.I. está longe de se comparar com Internationalisme. E desconsidera o anti-educacionismo de Bordiga e sua contribuição depois de 1950 (visão do comunismo como um movimento social e não um programa; concepção do proletariado que ultrapassa a noção sociológica dos “operários”; ênfase da dimensão classista e comunitária ou humana da revolução). A justa crítica da C.C.I. à relação de “alma” e “corpo”, estabelecida por Bordiga e o P.C. Internacional, entre o partido e a classe, não a impede de exagerar o papel da consciência (os operários são mistificados etc.). A C.C.I. usa as oscilações de Invariance como justificativa para não pôr as questões da revolução comunista. E quando alguém as põe, recorre à grosseria, à desqualificação, à injúria, ao amálgama mais caricatural. É um bom exemplo de seita. Uma parte da fração francesa da Esquerda Comunista, que depois da ruptura de Internationalisme se tornara “seção” francesa da esquerda italiana, juntou-se a Socialisme ou Barbárie, na mesma época em que Damen rompeu com Bordiga. Vega (cf. nota 82) era um deles. Quando Socialisme ou Barbárie rejeita abertamente o marxismo, uma parte do grupo rompe e, sob o nome de Pouvoir Ouvrier, será animado por Vega. Mas esses ex-bordiguistas nada somaram de bordiguista a SouB, que pretendia nada dever – nem à esquerda alemã, nem à esquerda italiana, nem a ninguém. São inúmeros os que, como Vega, tendo passado pela esquerda italiana, nela viram somente um ultraleninismo. Apesar de uma cisão leninista – que produziu um terceiro P.C.I. (Rivoluzione Comunista) em 1964, ainda existente – o P.C.I. acentuaria seu ativismo, notadamente com uma tentativa de “trabalho sindical”. Sua revista (Programme Communiste) e seu bimensal (Le Prolétaire) denunciam o “oportunismo” do P.C.F. e a “capitulação” da U.R.S.S. diante dos E.U.A., enaltecendo as “revoluções” coloniais, e convocando as massas proletárias a cerrar fileiras em torno do seu estado-maior. Em grande parte, reagindo a esse despropósito, J. Camatte e R. Dangeville abandonam o P.C.I., em 1966. Eles tinham escrito juntos o que seria o no 1 de Invariance: «Origine et fonction de la forme parti». Queriam continuar a obra de Bordiga, “traída” pelo P.C.I., mas rapidamente se separam. Então, R. Dangeville publica Le Fil du Temps, numa tradição bordiguista ortodoxa, sem os traços visionários de Bordiga e a agitação inútil do P.C.I. Invariance, nos números 7, 8 e 9 da primeira série, faz uma síntese das esquerdas alemã e italiana. Mas sua origem idealista a impele numa fuga para adiante que eclode na segunda e na terceira séries. Sobre essas questões, além das revistas citadas – das quais o Instituto Internacional de História de Amsterdam possui coleções quase completas –, cf. a biografia de Bordiga em Bordiga et la passion du communisme, Spartacus, 1974; Invariance antiga série no 6, pp. 18, 30-5, e no 9, pp. 138-53; R.I., Bulletin d’Etude et de Discussion, nos 6 e 7; o no de Internationalisme sobre a greve da Renault, em 1947, reimpresso em La Vieille Taupe, 1972. Cf. também a nota 122 sobre a cisão escandinava de 1971. Trata-se, é verdade, quase sempre de pequenos grupos. Deixemos a ironia fácil sobre os ´grupúsculos´ para aqueles que buscam um poder e uma camarilha ou aos que acreditam que o mundo começou em 1968. Muitos textos de Bilan já foram publicados. «Vers l’Internationale 2 et ¾» (crítica de Trotsky, no no 1 em 1933) pelo Bulletin d’Etude et de Discussion, no 6; os artigos resumindo Les Principes de base... (nos 19, 20 e 21) pelos Cahiers du Communisme de Conseil no 11; «La Chine soviétique» (no 7), em Le Tigre de Papier; o manifesto lançado pela Gauche Communiste, Après mai 1937, em Invariance, antiga série no 7. Alguns extratos sobre o 6 de fevereiro de 1934, reproduzidos em La légende de la gauche au pouvoir. Diferentes textos sobre a guerra de Espanha apareceram na Revue Théorique do C.C.I. ( nos 2, l2, 13, 14, 33 ...). Sobre o fascismo, cf. também Communisme et fascisme, Ed. P.C., coletânea de textos do início dos anos 1920; e as «Thèses de 1945», em Invariance, antiga série no 9. Esses textos devem ser lidos paralelamente à obra de um não-revolucionário, bom observador da função do Estado na sociedade moderna: B. de Jouvenel - Du pouvoir, Histoire naturelle de sa croissance, C. Bourquin, 1947. Próximo Capítulo: Questão Nacional Biblioteca virtual revolucionária

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