quarta-feira, 17 de outubro de 2012

CONTRA-REVOLUÇÃO NA ESPANHA - Capítulo 23

Capítulo 23 de « BILAN »: CONTRA-REVOLUÇÃO NA ESPANHA FORÇA E FRAQUEZA DO COMUNISMO NA ESPANHA Obcecada pela questão do Estado – que um artigo de Octobre encara de modo muito diferente, sobretudo a propósito da Rússia e de Kronstadt [1] –, a esquerda italiana não tenta explicar a amplitude das ´socializações´ industriais e agrícolas, onde Bilan tende a ver apenas um esmagamento dos proletários (o que é verdadeiro), e não a aparição de um movimento social que, noutras condições, poderia ter um efeito revolucionário. É, pois, importante não só indicar as condições (específicas a cada tipo de desenvolvimento capitalista) das transformações sociais a fazer, mas rechaçar as falsas soluções. Denunciar a contra-revolução sem anunciar as medidas positivas e seu enraizamento em cada situação é agir de modo puramente negativo. O partido (ou a ´fração´) não é um bisturi. Marx assinalou a tradição espanhola de autonomia popular, e a separação entre o povo e o Estado, que eclodiu durante a guerra napoleônica e nas revoluções do século XIX. A monarquia absoluta não misturou as camadas sociais para engendrar um Estado moderno. Em contrapartida, há uma energia surgida das forças vivas do país. Napoleão pôde ver "na Espanha, um corpo sem vida. Mas se o Estado espanhol estava bem morto, a sociedade espanhola estava cheia de vida" [2]. A crise da sociedade espanhola, nos anos trinta – forma explosiva da crise do capital num país economicamente frágil – toma o aspecto de uma crise do Estado (o fascismo triunfou nos países em que a estrutura nacional era fraca, a unificação recente e as tendências separatistas muito fortes). Marx observa que, na Espanha "o que chamamos de Estado no sentido moderno do termo não se materializa verdadeiramente a não ser no exército, em consequência da vida exclusivamente provinciana do povo" [3]. No século XX, essa crise do Estado faria emergir um movimento social à margem do poder político. Mas o Estado recuperava a potencialidade comunista do movimento social, porque este o deixava sobreviver. Os primeiros meses após julho de 1936 deram a impressão de uma fragmentação da sociedade espanhola: cada região, comuna, empresa, coletividade, municipalidade escapa ao Estado sem o atacar e tenta viver de outro modo. O anarquismo – e mesmo o P.O.U.M. regionalista – exprime no movimento operário essa originalidade espanhola, que é ignorada quando se vê apenas o ´atraso´ do desenvolvimento industrial. A guerra de Espanha demonstra o vigor revolucionário dos laços e formas comunitárias ainda livres do capital, e sua total incapacidade para assegurar por si mesmos uma revolução. Na falta de uma ofensiva contra o Estado e da instauração de relações diferentes no conjunto da sociedade, estavam condenados a uma autogestão parcelar mantendo o conteúdo e mesmo as formas do capitalismo (divisão entre empresas, por exemplo). Medidas comunistas teriam solapado as bases dos dois Estados (republicano e nacionalista), começando pela solução da questão agrária: nos anos trinta, "mais da metade da população estava ... cronicamente subnutrida" [4]. Uma força subversiva sacudiu e mobilizou as camadas mais oprimidas e distantes da ´vida política´, mas não pôde ir radicalmente até o fim. O movimento operário dos grandes países industriais correspondia, então, às vastas zonas colonizadas pelo capital, que dominava realmente a sociedade, onde o comunismo estava mais perto pelo desenvolvimento econômico e mais longe pela dissolução de todas as relações humanas em relações mercantis. As aspirações comunistas que nele emergiram (Alemanha, 1918-1921), tentaram unificar as ´regiões industriais´ [5], ainda que estas não houvessem alcançado o estágio em que o comunismo poderia ser assumido como uma tarefa possível. O movimento operário de países como Espanha permanecia tributário duma penetração mais quantitativa do que qualitativa do capital na sociedade, e extraía sua força de sua fraqueza. O autonomismo anarquista correspondia a uma situação de repressão e de penúria material, os trabalhadores eram quase sempre muito pobres para pagar as cotizações regulares. A C.N.T. jamais teve um aparato como as outras centrais sindicais: em 1936, apenas um secretário era remunerado [6], o que não impediu o burocratismo. Mais radicalmente, o anarquismo espanhol renovava um ideal moral e religioso (realizar o paraíso na terra), procurando ´recriar as antigas condições agrárias´ [7]. "Nos últimos cem anos, não houve em Andaluzia uma só insurreição que não levasse à fundação de comunas, à partilha de terras, à abolição da moeda e a uma declaração de independência... o anarquismo dos operários não é muito diferente. Estes querem, em primeiro lugar, gerir diretamente sua comunidade industrial ou seu sindicato; depois, a redução das horas de trabalho e uma diminuição do esforço de cada um" [8]. O anarquismo é, por um lado, a expressão adulterada (porque teoriza um aspecto, tomando-o pelo todo) de um movimento revolucionário parcial; de outro, uma resposta ao desenvolvimento político necessário do capital espanhol. Resposta impossível, porque a falta de dinamismo faz do federalismo uma arma separatista para as regiões periféricas mais modernas, e porque a combatividade proletária exclui toda ´participação´ dos operários em sua exploração. O Estado espanhol não conseguiu desenvolver a indústria, nem extrair da agricultura os lucros necessários, nem derrotar os operários, nem unir as regiões. O julgamento de Marx – segundo o qual um governo ´despótico´ coexistiria com uma falta de unidade, acarretando moedas e regimes fiscais diferentes (1854) [9] – permanecia válido em parte, nos anos trinta. Ora, antes de ser um instrumento do desenvolvimento das forças produtivas capitalistas, o Estado é o garantidor da unidade social capitalista, mesmo ao preço de uma relativa estagnação econômica. Ele não é movido por uma fatalidade capitalista que o condene à industrialização. O equilíbrio entre as classes domina sua ação. A força da análise de Bilan consiste, entre outras coisas, em dar importância à relação real das classes e não ao princípio abstrato do ´desenvolvimento do capital´, concebido como uma necessidade cega. O movimento operário espanhol reformista (C.N.T. incluída) propunha uma associação capital-trabalho, na linha dos movimentos anteriores. Porém, mais próxima das realidades coletivas, a C.N.T. a concebia de forma descentralizada. Um historiador preocupado com a solução da crise do Estado espanhol interpreta julho de 1936 (do qual ignora a potência revolucionária) como "um novo impulso renovador das massas" [10]. Uma modificação social (em particular, econômica) decorrente da mudança política de 1931. Brenan, que privilegia o enfoque do movimento social, considera: "Pode-se dizer que foi a fase soviética (conselhista) da revolução espanhola. E, no entanto, penso que seria errado avaliá-la como um fenômeno puramente revolucionário, no sentido que se dá habitualmente ao termo. Inúmeras vezes no curso de sua história, o povo espanhol derrubou governos débeis e tímidos, tomando em suas mãos a direção do país. Era, pois, natural ver renascerem as juntas de 1808, sob a forma de comitês de trabalhadores, de julho a outubro de 1936" [11]. A potência das aspirações revolucionárias bloqueia o programa de ´renovação´ do capital. Mas sua confusão abre o caminho para o ´fascismo´, que opera uma ´renovação autoritária´, por cima, vertical. Um dos sinais da fraqueza das socializações foi sua atitude diante da moeda [12]. O ´desaparecimento da moeda´ só tem sentido se é mais do que a substituição de um instrumento ruim por outro melhor (por exemplo, os bônus de trabalho). Segundo um projeto de operários e engenheiros da C.N.T. do setor têxtil, em fins de 1936: "O sistema monetário é um sistema de medida e de comparação do valor das coisas, exatamente como o sistema métrico é um sistema de medida e de comparação das coisas" [13]. Socialisme ou Barbarie reduzirá, assim, a relação mercantil a um instrumento de contabilidade e a análise marxista do valor a um simples conceito operatório, esquecendo que a moeda é uma abstração de uma relação real. Faz, assim, do socialismo uma outra gestão [14]. A revolução comunista não fará desaparecer a moeda senão abolindo a troca como relação social. O fracasso das tentativas antimercantis não se deveu ao domínio da U.G.T. (hostil ás coletivizações) sobre os bancos: como se a abolição do dinheiro fosse apenas uma medida do poder central! O fechamento dos bancos privados e do Banco Central só é revolucionário num movimento de conjunto onde se organizem a produção e a vida não-mercantis que rapidamente impregnarão todas as relações sociais. De fato, apenas as coletividades agrícolas abandonaram o dinheiro, mas frequentemente recorrendo às moedas locais [15]. Mesmo os bônus serviam de ´moeda interna´ [16]. O comunismo é o fim de toda remuneração [17], o que não significa o fim de todo cálculo [18]. As proposições comunistas surgem como o reequilíbrio cidade-campo: "reduzir a Barcelona infecta e outras grandes cidades às proporções mais acessíveis, sem congestão nem pletora" [19]. Mas o capital também pode tomar tais medidas, como no Camboja, em 1975. Num plano geral, a experiência espanhola faz parte de um conjunto em que a atividade autônoma dos trabalhadores é recuperada pelo capital a partir do momento em que ela não consegue ir além do capital. Notas [1] No. 2. [2] Marx, Oeuvres politiques, op. cit., pp. 125-6. [3] Citado por M. Laffranque, « Marx et l’Espagne ». Cahiers de l’I.S.E.A., Série S, no. 15, pp. 2405-20. [4] G. Brenan, Le labyrinthe espagnol, Ruedo Iberico. 1962, XIII. Brenan confirma a insistência de Bilan sobre o papel da irrigação, salientando a coincidência entre zonas de pequena propriedade e irrigadas (norte, centro), e zonas de grande propriedade e secas e áridas (sul) – pp. 69-70. [5] Authier, Barrot, La gauche communiste en Allemagne, cap. XI. [6] G. Brenan, Le labyrinthe espagnol, Ruedo Iberico. 1962, p. 107. [7] G. Brenan, Le labyrinthe espagnol, Ruedo Iberico. 1962, p. 136. Ele compara esse movimento a certas heresias, que pretendiam aplicar literalmente as passagens do Evangelho favoráveis aos pobres e ao amor universal. [8] G. Brenan, Le labyrinthe espagnol, Ruedo Iberico. 1962, p. 141. [9] Marx, op. cit., p. 125. [10] Rama, op. cit., p. 210. [11] G. Brenan, Le labyrinthe espagnol, Ruedo Iberico. 1962, p. 122. [12] Mintz, L’autogestion dans l’Espagne révolutionnaire, Bélibaste, 1970, pp. 76 sq. [13] Mintz, L’autogestion dans l’Espagne révolutionnaire, Bélibaste, 1970, pp. 151-4. [14] Chaulieu, «Sur la dynamique du capitalisme». Socialisme ou Barbarie, no. 12, agosto-setembro de 1953. reproduzido em Castoriadis, U.G.E., 10/18. [15] Mintz, L’autogestion dans l’Espagne révolutionnaire, Bélibaste, 1970, pp. 139-40. [16] Semprun-Maura, op. cit., p. 134. [17] Barrot, Le mouvement communiste, 2a parte. [18] Un monde sans argent: le communisme, O.J.T.R., 1975-1976 (3 vol.). Texto essencial. E «Communisme et mesure par le temps de travail», La Guerre Sociale, no. 1, 1977. [19] Mintz, L’autogestion dans l’Espagne révolutionnaire, Bélibaste, 1970, p. 139. Próximo Capítulo: Reforma e Revolução Biblioteca virtual revolucionária

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