quarta-feira, 17 de outubro de 2012

ESPANHA: GUERRA OU REVOLUÇÃO?

Texto retirado de FASCISMO & ANTIFASCISMO - Jean Barrot. No mundo inteiro, a democracia capitulava frente à ditadura. Mais exatamente, a democracia dava boas vindas à ditadura, de braços abertos. E a Espanha? Longe de constituir uma feliz exceção, a Espanha representou um caso extremo de confronto armado entre democracia e fascismo, sem mudar a natureza da luta: há sempre duas formas de desenvolvimento capitalista que se opõem, duas formas políticas do Estado, dois regimes disputando a legitimação do Estado capitalista. O confronto foi violento porque os trabalhadores haviam se levantado em armas contra o fascismo. A complexidade da guerra na Espanha vem deste duplo aspecto: uma guerra civil (proletariado versus Capital) transformada numa guerra capitalista (proletários em ambos os lados, lutando por formas de Estado). Depois de facilitar a preparação do golpe de Estado, a república pretendia negociar e/ou se submeter, quando os proletários se sublevaram, impedindo seu sucesso na metade do país. A guerra espanhola não teria sido acontecido sem essa autêntica insurreição proletária (que foi uma irrupção espontânea). Mas este fato não é suficiente para caracterizar a guerra espanhola como um todo e seus eventos subseqüentes. Define apenas o primeiro movimento da luta, que foi efetivamente uma insurreição proletária. Após derrotarem os fascistas em um grande número de cidades, os trabalhadores tomaram o poder. Esta foi a situação imediatamente depois da insurreição. Mas o que fizeram com esse poder? Eles o devolveram ao Estado republicano ou o usaram para ir mais além, na direção do comunismo? Eles confiaram no governo legal, isto é, no Estado capitalista. Todas as ações seguintes foram dirigidas pelo Estado. Este é o ponto central. Na luta armada contra Franco e nas transformações sócio-econômicas, todo o movimento operário espanhol seguiu a reboque do Estado capitalista. Logo, sua direção teria de ser capitalista. Houve tentativas isoladas de ultrapassar a direção capitalista, mas permaneceram hipotéticas porque o Estado foi mantido. A destruição do Estado é uma condição necessária (ainda que não suficiente) para a revolução comunista. Na Espanha, o poder foi exercido pelo Estado e não pelas organizações, sindicatos, coletivos, comitês, etc.. Mesmo a poderosa CNT teve de se submeter ao PCE (muito fraco, antes de julho de 1936). Isto se verifica pelo simples fato de que o Estado foi capaz de usar brutalmente seu poder quando requerido (maio de 1937, em Barcelona). Não há revolução sem destruição do Estado. O que era óbvio para Marx e foi esquecido por 99% dos marxistas, confirma-se uma vez mais na tragédia espanhola: "Uma das características das revoluções em que o povo parece avançar rapidamente para uma nova era tem sido a facilidade com que se deixa novamente subjugar pelas ilusões do passado, entregando o poder e a influência, que tão duramente conquistaram, aos homens supostamente representaram o movimento popular numa época anterior." [1] Ainda assim, não se trata de comparar as colunas de proletários armados da segunda metade de 1936 com sua posterior militarização e redução ao nível de órgãos do exército burguês. Uma diferença considerável separou essas duas fases: primeiro, houve o despertar revolucionário, durante o qual o movimento dos trabalhadores se expressou com uma certa autonomia, um certo entusiasmo, bem descritos por Orwell [2]. Depois desta fase, superficialmente revolucionária, criaram-se as condições para uma guerra convencional, essencialmente antiproletária, como todas as guerras. As colunas saíam Barcelona para combater o fascismo em outras cidades, principalmente Saragoça. Se queriam estender a revolução além das zonas republicanas, era necessário revolucionarizá-las, antes ou simultaneamente [3]. Durruti sabia que o Estado não havia sido destruído, mas ignorou esse fato. Na marcha, sua coluna, composta por 70% de anarquistas, implantava a coletivização. A milícia ajudou os camponeses e propagou idéias revolucionárias. Segundo Durruti: "Nós temos apenas um objetivo: destruir os fascistas. Nossa milícia nunca defenderá a burguesia, somente não a atacamos." Quinze dias antes de sua morte (em 20 de novembro de 1936), Durruti dizia: "Um único pensamento, um único objetivo...: destruir o fascismo... No momento presente, ninguém está preocupado em aumentar ou diminuir as horas de trabalho... Para sacrificar-nos, para trabalhar tanto quanto necessário, devemos formar um bloco sólido de granito. Está na hora de os sindicatos e organizações políticas acabarem com o inimigo de uma vez por todas. Na retaguarda, as experiências administrativas serão necessárias, quando esta guerra terminar... Não vamos provocar, pela nossa incompetência, outra guerra civil entre nós... Para nos opormos à tirania fascista, devemos ser uma força única: deve existir uma única organização, com uma única disciplina." Mas a simples vontade de lutar não pode substituir uma luta revolucionária. Além disso, a violência política é facilmente utilizada com objetivos capitalistas (como o terrorismo o prova). Aqueles que se deixam seduzir pela "luta armada" são os mesmos que rapidamente apontam suas armas e disparam contra os proletários, para defender uma forma qualquer (democrática ou popular) de Estado. Em condições diferentes, a militarização do campo antifascista (insurreição, seguida por milícias e, finalmente um exército regular) lembrava a guerra de guerrilhas antinapoleônica, descrita por Marx: "Comparando os três períodos da guerrilha com a história política de Espanha, percebe-se que eles representam as etapas em que o espírito contra-revolucionário do governo se impôs, assim que refluiu o etusiasmo popular. Começando pelo levantamento de todos os povoados, a insurreição se deixou conduzir pelos bandos de guerrilheiros, que tinham sua reserva nos lugarejos rurais, para terminar degenerando em banditismo ou sendo enquadrada em regimentos de um exército."[4]. Ora, o compromisso invocado por Durruti - da unidade a qualquer preço - poderia apenas dar vitória primeiro ao Estado republicano (sobre o proletariado) e depois para Franco (sobre o Estado republicano). Houve um começo de revolução na Espanha, mas fracassou tão logo os proletários depositaram sua confiança no Estado. Não importa quais foram suas intenções. Mesmo que a grande maioria dos proletários, que estavam prontos para lutar contra Franco sob a liderança do Estado, tivesse preferido atrelar-se a um poder verdadeiro, apesar de tudo, e apoiado o Estado apenas por conveniência, o fator determinante é seu ato e não sua intenção. Depois de se organizarem para derrotar o golpe de Estado, com rudimentos de uma estrutura militar autônoma (as milícias), os proletários aceitaram a direção da coligação das "organizações dos trabalhadores" (a maioria abertamente contra-revolucionária), que impuseram a autoridade do Estado. Alguns proletários imaginavam deter o poder (o qual haviam efetivamente conquistado por um período curto), enquanto que, para o Estado sobraria apenas a aparência do poder. Isso foi um grave erro, pelo qual pagariam muito caro. Alguns críticos das opiniões antifascistas concordam com nossa visão sobre a guerra espanhola, mas insistem em que a situação permaneceu "aberta" e que poderia ter evoluído. Era, pois, necessário ajudar o movimento autônomo dos proletários espanhóis (no mínimo, até maio de 1937), apesar de esse movimento ter adquirido formas inadequadas. Nossa resposta é que, ao contrário, o movimento autônomo do proletariado rapidamente desapareceu, absorvido pela estrutura do Estado, que sufocou qualquer tendência revolucionária. Isso ficou visível, em maio de 1937, mas os "dias sangrentos de Barcelona" serviram apenas para desmascarar uma realidade existente desde o fim de julho de 1936: o poder efetivo havia passado das mãos dos trabalhadores para as mãos do Estado capitalista. Permitam-nos acrescentar, para aqueles que igualam fascismo e ditadura burguesa, diferenciando-os da democracia, que o muito democrático governo republicano não hesitou em usar "métodos fascistas" contra os trabalhadores. Certamente, o número de vítimas foi muito menor em comparação com a repressão de Franco, mas isso está relacionado com a função das duas repressões, a democrática e a fascista. E não era mais do que uma elementar divisão de trabalho: o alvo do governo republicano era muito menor (elementos incontroláveis, POUM, esquerda da CNT...). NOTAS: [1] Marx K. & Engels F. – Collected Works 13, Lawrence & Wishart, London (1980), p. 340. [2] George Orwell – Hommage to Catalonia, London (1938). [3] Abel Paz – Durruti: The People Armed, Black Rose Books, Montreal (1976). [4] Marx, K. & Engels, F. – Collectec Works 13, London (1980), p. 422. Jean Barrot Biblioteca virtual revolucionária

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